Unico SENHOR E SALVADOR

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sábado, 12 de novembro de 2016

O direito da religião à intolerância


by Fabio Blanco

A tolerância é o fim de qualquer concepção religiosa. Quando a religião perde o direito de acusar as outras, de ver-se como a única resposta viável para existência, deixa de ser religião e passa a ser filosofia. Por isso, quem pretende manter seu direito a ser religioso, a seguir uma fé, a acreditar que o que sua doutrina ensina é verdade absoluta, não pode aceitar a imposição que se tenta colocar sobre a religião. Esta só permanece sendo o que é se preservar seu direito à intolerância.

É que, de fato, tolerar é um ato bastante superficial. Significa, simplesmente, permitir, ainda que contrariado, que aquele que pensa diferente subsista. A tolerância não é um ato de amor, nem de concordância, nem de apoio. É apenas uma atitude de indulgência, perante algo que preferiria não existisse, mas que não se pode impedir. 

Na verdade, a tolerância é a declaração do erro alheio, acompanhada da complacência em relação a sua existência. Ou seja, ser tolerante não tem nada daquela atitude magnânima que muitas pessoas imaginam. Pelo contrário, é uma declaração de fé, junto a uma acusação de erro, junto a uma atitude de condescendência.

Por isso, não tenho medo de afirmar que a religião deve insistir em seu direito a ser intolerante. Se, por causa das concepções sociais modernas, o homem individual tem a obrigação de tolerar as ideias religiosas alheias, ficando impedido de agir de maneira a proibir que os outros manifestem suas convicções, a religião em si não tem essa obrigação e deve permanecer sendo intolerante o bastante para continuar acusando todas as outras de falsas e perniciosas.

Uma religião é uma explicação da realidade, desde o ponto de vista cosmológico, como também do existencial. Ela não se limita a apenas dar explicações parciais sobre isso, mas apresenta a descrição do que é a vida e o que ela significa. Sendo assim, possui uma concepção universal da realidade, o que, logicamente, acaba por excluir as concepções contrárias, considerando-as equivocadas ou mentirosas mesmo. Por isso, para uma religião, o diferente é uma ameaça. 

Quando a ideia da religião diversa é aceita, automaticamente suas próprias descrições caem por terra, tornando ela mesma errada. Sendo assim, é insuportável, para qualquer religião, aceitar a existência de outra. Seu único papel, diante disso, é acusá-la de falsa, o que não é nada semelhante ao modelo de tolerância que o mundo contemporâneo exige.


A religião também costuma apresentar-se como uma via de salvação. Dificilmente, neste ponto, ela dirá que outras vias são também possíveis. Pelo contrário, uma característica fundamental de qualquer religião é apresentar-se como o único meio de conduzir o homem a uma existência superior. O próprio Cristo dizia que ele era o único caminho para a salvação. 

Isto, obviamente, acaba por negar qualquer outra proposta apresentada, excluindo todas as outras possibilidades. Assim, para a religião, afirmar que as outras manifestações religiosas são nocivas e levam à perdição faz parte de sua natureza mesma e negar-lhe isso é forçá-la a negar-se a si mesma.

A essência de qualquer religião é, além de tudo disso, ser imodesta. Não há espaço, em nenhuma delas, para a contemporização. Ser, de alguma maneira, arrogante, faz parte de seu discurso. Impedi-la de manifestar-se conforme sua natureza exige, portanto, é destruí-la. Se uma religião não poder acusar a heresia, mandar à danação seus discordantes, ameaçar com o castigo eterno os que a negam, deixará de ser o que é e se tornará apenas mais uma manifestação inócua de opinião.

Mas é exatamente isso que o mundo contemporâneo quer das religiões. Ao pretender que todas sejam vistas como manifestações equivalentes, imediatamente as iguala, anulando imediatamente todas. Isso porque se todas as religiões podem ser consideradas certas, desde um ponto de vista qualquer, então todas elas estão erradas ao verem-se a si mesmas como as únicas verdadeiras. 

Se suas concepções são incompatíveis entre si, a pretensão de elevá-las por igual é apenas uma maneira de elevar também suas contradições até o ponto que destruam-se mutuamente. Na verdade, a única maneira de entender que uma religião pode ser tolerante é entendê-la como uma expressão particular, ou seja, entendê-la como uma filosofia.

Portanto, quando se pensa que a tolerância religiosa é imprescindível, isso deve ser entendido como uma mera concessão que o homem individual deve fazer para a vida em sociedade, principalmente em um mundo que a religião deixou de ser uma questão pública e passou a ser uma expressão da convicção pessoal. Até porque, quando a religião era o fundamento da sociedade, era impossível para as pessoas que nela viviam aceitar a manifestação de outras formas de fé em seu seio. 

Elas, de fato, tinham plena noção que a aceitação do que outra religião pregava tornava nula aquilo que sua própria dizia. Para uma sociedade onde a religião era o fundamento de tudo, inclusive da própria identidade social, isso era o mesmo que permitir a destruição do próprio lar.

É certo que muito dessa pregação sobre tolerância religiosa nada mais é do que uma expressão do relativismo moderno, que não suporta que nada e ninguém acredite que conheça a verdade. Para esta visão da vida, que há tempos vem tentando se impor sobre as pessoas, crer-se possuidor de uma convicção pessoal, da certeza que sabe a resposta para a existência e para a salvação da própria alma, é apenas a expressão de um fanatismo, que certamente recairá para a intolerância. 

Quando, então, exigem e insistem que as pessoas sejam tolerantes, seu objetivo principal é calá-las, calando, assim, a própria voz da religião. É por isso que eu insisto que a religião deve manter seu direito à intolerância, acusando a fé alheia de errônea e a manifestação religiosa diversa de mentirosa. Se os homens, por seu lado, devem se manter tolerantes, isso já é uma questão de mera necessidade social. Até porque, quem poderia definir qual devesse ser a religião do povo?

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