quinta-feira, 27 de junho de 2013

A lâmpada do fim do mundo

Lâmpada instalada na cidade norte-americana de Livermore, na Califórnia, e que está prestes a completar 112 anos de uso ininterrupto
Benito Muros é um espanhol que se diz ameaçado de morte. “A polícia me orientou a ser cauteloso, ficar atento quando saio de casa, olhar embaixo do carro e essas coisas”, afirmou em recente entrevista a uma rede de tevê europeia. O motivo? Ele pesquisou e produziu uma lâmpada que teria a capacidade de durar 100 anos. Mas, como não vivemos tanto para comprovar tal feito, ela sai de fábrica com garantia de 25 anos.


Sim, a nova lâmpada já existe e pode ser comprada unicamente via internet. Benito diz ter tentado colocar o produto para ser distribuído nas lojas, mas que não encontrou nenhuma rede disposta a fazê-lo. O preço? Pouco mais de R$ 100 (37 euros), para um produto que, além da alardeada longevidade, ainda teria como vantagens o fato de gastar 92% menos eletricidade do que uma incandescente, 85% menos que as alógenas e 70% inferior às fluorescentes. Detalhe: elas seriam isentas de mercúrio, emitiriam 70% menos CO2 e poderiam suportar 10 mil comutações (acender e apagar) por dia!

Note, caro leitor, que deixei todos os verbos no condicional. Até o momento, além do site da empresa que Benito criou para produzir e distribuir as lâmpadas, as notícias sobre o invento estão restritas a sites espanhóis e algumas poucas reproduções, o bastante, entretanto, para que leitores de vários países teçam toda sorte de comentários, que vão de elogios a previsões apocalípticas. Mas antes de dar vasão aos possíveis desdobramentos que cercam a invenção, vale a pena descrever como Benito teria chegado até a criação de sua lâmpada eterna.

Segundo ele, tudo começou com uma visita à cidade norte-americana de Livermore, na Califórnia, onde conheceu uma lâmpada que está prestes a completar 112 anos de funcionamento ininterrupto – ou seja, jamais foi apagada (é possível, inclusive, ver a dita cuja funcionando por meio de uma webcam, acessando www.centennialbulb.org). A lâmpada realmente existe, e já foi objeto de inúmeras reportagens. Ela está instalada em um posto do corpo de bombeiros local e funciona desde 1901. Só foi desligada em 1976 quando a corporação mudou de prédio. Hoje, é atração turística.

No documentário espanhol Comprar, jogar fora, comprar, ela é apresentada como um exemplo do conceito de obsolescência programada. De acordo com o filme, por volta de 1920, a indústria pediu a engenheiros que construíssem lâmpadas com o design de Thomas Edison, mas que fossem mais frágeis e durassem menos de mil horas.  Há um pequeno vídeo, na internet, criado pela educadora norte-americana Annie Leonard, que traduz bem o conceito de obsolescência programada (procure no Youtube por ‘Story of Stuff’, inclusive com legendas em português). 

Diz ela: “Hoje, menos de 1% dos produtos vendidos nos Estados Unidos continuam no mercado após seis meses”. O resultado disso, segundo estudo do WWF, é que se o atual ritmo de consumo for mantido, dentro de 30 anos precisaremos de recursos equivalentes a dois planetas Terra para continuar fabricando todos os produtos usados pela sociedade.

Benito também centra a base filosófica de sua empresa na obsolescência programada, só que ele inverte o conceito, afirmando não fazer sentido que produtos como máquinas de lavar ou geladeiras que, no passado, duravam décadas, hoje não passem de cinco ou seis anos. Afinal, diz o inventor, na medida em que a tecnologia avança, o mais lógico seria que esses e outros bens de consumo tivessem a sua vida útil cada vez maior. Todavia, ocorre justamente o contrário. Por quê? A resposta seria que o mercado precisa da obsolescência, na medida em que vivemos em uma sociedade de consumo. Seria preciso fabricar mais e mais lâmpadas, gerando emprego, que proporciona renda, que é destinada ao… consumo.

Em sendo assim, dizem alguns, a lâmpada eterna de Benito seria na verdade uma espécie de lâmpada do fim do mundo, já que ameaçaria todo esse sistema, a geração de empregos, a consequente renda que movimenta o comércio e por aí vai. Curiosamente, alguns grandes fabricantes já anunciaram a possibilidade de produzir lâmpadas que têm uma vida útil na casa dos 20 anos. O mesmo, dizem outros, também poderia ser feito com computadores, tevês, geladeiras, etc. O próprio Benito promete, para breve, uma geladeira capaz de funcionar por 60 anos!

Mas haveria outra questão a se considerar. Produtos capazes de durar uma vida inteira não se modernizariam. Um exemplo é o menor consumo de eletricidade que muitos eletrodomésticos atuais têm em relação a modelos fabricados há cinco anos ou mais. Haveria, portanto, um comprometimento dos processos de pesquisa e inovação. Como se vê, não é uma discussão simples, e que, por isso mesmo, não pode ser tratada com argumentos simplistas.

Por outro lado, o grande mérito do trabalho do inventor espanhol, considerando que seu produto realmente cumpre com o prometido, é trazer toda essa discussão à baila. Agora, no mínimo, boa parte de toda essa cadeia está pressionada a dar as devidas respostas. Se é possível que os bens de consumo durem mais do que atualmente, então por que isso não é um fato? Mesmo que haja impactos negativos em toda a cadeia de produção em massa, que alternativas podem ser colocadas em prática?

Benito, por exemplo, afirma que, quando o conceito de obsolescência programada foi criado, lá na década de 1920, o mundo precisava de todo esse ímpeto produtivo. Hoje, porém, já teríamos consciência de que esse modelo é como um tiro no pé, na medida em que produz efeitos colaterais extremamente danosos para a qualidade de vida de todos.
Ele diz, também, que o novo modelo de negócios baseados em produtos longevos permitiria o ressurgimento de toda uma cadeia de mão de obra que se ocuparia de reparar eventuais problemas, como o desgaste de uma porca, um curto-circuito, etc. “O modelo socioeconômico atual está baseado no consumo, na obsolescência planejada, no crédito e nas guerras em países onde existem fontes de energia tradicionais, como petróleo e gás. 

O objetivo é ganhar o controle dessas fontes e continuar eternamente a fazer coisas com tempo de vida curto, a fim de gerar consumo e crédito. Algo que, basicamente, nos levou até o ponto onde a riqueza do mundo está concentrada em poucas mãos, e onde os bancos e os especuladores de mercado podem até mesmo derrubar países inteiros através da especulação com a dívida”, afirma o espanhol.

De minha parte, estou louco para por as mãos nas duradouras lâmpadas OEP Eletrics (nome da empresa). Aqui em casa (e talvez na sua também), algumas lâmpadas chegam a ter uma vida útil inferior a um ano – e olha que todas são fluorescentes compactas, de fabricantes renomados, criadas para durar muito mais do que isso, mas que, por algum motivo, não cumprem com o prometido. A invenção de Benito até pode até ser um blefe. Mas, e se não for?

Cientistas alertam

As lâmpadas fluorescentes compactas, que gastam menos energia e têm maior vida útil, ganharam o mundo nos últimos anos, sob os aplausos, inclusive, de grupos ambientalistas. Agora, cientistas alertam para o perigo escondido nesses produtos. Alguns, inclusive, querem bani-las do mercado. Um estudo concluído no ano passado diz que as fluorescentes compactas, assim como os LEDs, deveriam entrar para a lista de produtos perigosos. Além do mercúrio, elas têm metais pesados em quantidades muito superiores ao limite considerado seguro. O trabalho foi assinado por Seong-Rin Lim, da Universidade da Califórnia (EUA). Em comparação com as lâmpadas incandescentes, as fluorescentes compactas têm 26 vezes mais riscos de efeitos danosos ao meio ambiente por causa da toxicidade dos metais usados em sua fabricação – os LEDs oferecem um risco três vezes maior do que as incandescentes.

*O autor é jornalista especializado em desenvolvimento sustentável

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