domingo, 11 de agosto de 2013

As lamparinas e o sol


Por Maria Helena Garrido Saddi

Nada mais apropriado que iniciar esta comunicação, introduzida por instigante título, com uma pergunta, tão curiosa quanto. Ei-la: o que é um sofisma?

Sofisma é um raciocínio aparentemente lógico, mas falso em realidade, concebido com ou sem intenção de induzir em erro. Em termos simples, sofisma é um argumento fundamentado no engano, seja este consciente ou não.

Expressivo exemplo de sofisma está no discurso dos que tomam a intercessão do homem, junto a Deus, em favor de seu semelhante (por exemplo, a oração dos pais pelos filhos e a
dos líderes espirituais por seus fiéis), como argumento, para defenderem a pretendida legitimidade bíblica de determinada prática religiosa.

Que prática? A de se recorrer à intercessão de criaturas que já morreram, criaturas tidas como privilegiadas espiritualmente, para intermediarem a ação de Deus em favor do homem. Puro sofisma!

Por quê? Primeiro, porque a invocação dos mortos, em favor dos vivos, é uma atitude absolutamente condenada por Deus, conforme as Escrituras. Diz o Senhor, pelo ministério profético de Isaías:

“não recorrerá um povo ao seu Deus? A favor dos vivos interrogar-se-ão os mortos?” (Is 8.19b).

Esta é a verdade bíblica: todos os que se foram desta terra para o além – Todos! inclusive, Maria, mãe de Jesus, Todos, com exceção de Jesus Cristo ressurreto – estão mortos, relativamente a este mundo. E é nesta perspectiva que a proibição divina os atinge.

Considerados de outro ângulo, ou seja, na esfera do além-túmulo, estão vivos (Mt 22.32). E, não simplesmente vivos. Os salvos, para só falar deles, usufruem indizível Felicidade, na casa do Pai (Lc 16.23-24; 1Co 2.9), aguardando a ressurreição de seus corpos, corrigidos de toda a imperfeição e tornados incorruptíveis.

A cada um deles, reserva-se, conforme as Escrituras, justo galardão, na exata medida de seu merecimento, pelo que foram e fizeram na terra, amando e servindo a Deus e ao próximo (Mt 10.42).

Quanto a este mundo, porém – frisamos –, o Eclesiastes é taxativo sobre a realidade deles, os mortos:

 “já não têm parte alguma neste século, em coisa alguma que se faz debaixo do sol” (Ec 9.6).

Dando continuidade à resposta, vamo-nos servir de um episódio registrado em três dos evangelhos bíblicos. Conforme esses relatos, alguns homens conduziram um paralítico a Jesus, para ser curado.

E, para isso, tiveram de fazer um grande esforço, pois a casa onde Jesus se encontrava, em Cafarnaum, estava abarrotada de gente. O que fizeram os referidos homens? Subiram ao telhado e, por entre as telhas, baixaram o paralítico com a cama à presença de Jesus. Vendo a fé deles, Jesus curou o paralítico (Mt 9.1-8; Mc 2.3-12; Lc 5.18-26).

Reflitamos. Aqueles homens foram verdadeiros intercessores, junto a Jesus, em favor do paralítico. Intercessores cujas palavras foram atos de uma eloquência fortíssima. Mas em que consistiu a sua intercessão? Consistiu em levar o paralítico até Jesus.

Nada, nada mais poderiam eles fazer, por si e em si mesmos, para resolverem o problema do paralítico. Assim, cessada em seu limite a ação deles, iniciou-se e se concluiu a ação de Deus, na Pessoa de seu unigênito Filho. A ação de curar o entrevado.

Então, quando o homem intercede, junto a Deus, por seu semelhante, o que ele faz é levar este à presença de Deus. Daí por diante, a ação é exclusivamente de Deus.

E agora vem o ponto X da questão. Se, no plano humano, muitos podem ser os intercessores – homens suplicando a Deus por homens –, lá, no além desta vida temporal, somente UM Ser, conforme a Bíblia, tem autoridade para interceder pelo homem, ante a face de Deus: Jesus (Hb 7.25).

O apóstolo Paulo colocou isso de forma categórica:

“Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Tm 2.5). 

E é bom que se saiba que a convicta veemência de tal afirmação do Apóstolo não resulta de um ponto de vista dele. Trata-se, na verdade, de uma ressonância fidedigna de todo o ensino do seu divino Mestre sobre esse assunto, enfaticamente resumido na declaração crística:

“ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6c).

De fato, examinando-se a doutrina de Cristo, registrada no Novo Testamento, em lugar nenhum se encontrará a orientação para se orar a qualquer outro ser que não seja Deus, usando-se a intermediação de qualquer outro nome que não seja o Nome de Jesus.

Quando os discípulos de Jesus lhe pediram que os ensinasse a orar, Ele disse:

“Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus...” (Mt 6.9).

E aí? – é pertinente perguntar-se. Conforme essa oração-modelo, qual é o destinatário – o Ser, que está nos céus – que se deve invocar? Deus, o Pai. Está claro? E o nome de qual intermediário deve ser tomado, para se poder chegar diante desse Pai sumamente grandioso?

Nesse momento do ensino, o nome do intermediário fica implícito, isto é, fica embutido na identidade filial das pessoas que oram, invocando a Deus como seu Pai celeste. E que nome é esse que concede a tais filhos dos homens a natureza espiritual de filhos de Deus?

É o Nome de Jesus! Como está escrito:

“Mas, a todos quantos o [=Jesus] receberam, aos que creem no seu nome, [Jesus] deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (Jo 1.12).

E, para não haver dúvida alguma, o Mestre divino, em outros momentos de seu ministério, deixa claro que é exclusivamente em seu Nome que a oração deve ser dirigida ao Pai, ou a Ele próprio, que é Deus feito homem.

Confiram-se os seguintes registros do evangelista João, nos capítulos 14 e 16 do seu testamento:

•“E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho” (14.13).

•“Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei “ (14.14).

•“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador” (14.16).

•“Na verdade, na verdade vos digo que tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de dar” (16.23).

•“Até agora, nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis, para que o vosso gozo se cumpra” (16.24).

•“Naquele dia, pedireis em meu nome, e não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai, pois o mesmo

Pai vos ama, visto como vós me amastes e crestes que saí de Deus” (16.26-27).


Sendo Jesus Cristo o Mediador de uma Nova Aliança, no seu sangue (Hb 12.24), ninguém, além d’Ele, tem autoridade ou autorização para, na esfera espiritual, intermediar a ação de Deus em favor do homem. Intercedendo pelos discípulos e por todos os que viriam a crer n’Ele, Jesus deixou bem clara a absoluta exclusividade da sua posição de intercessor, junto do Pai, em favor do cristão. Ele orou:

“Pai, é chegada a hora; [...]. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti só por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. [...]. Eu rogo por eles [...]. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. [...]. Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim. [...]” – Jo 17.1, 3, 9,15, 20. 

E não se pode esquecer o convite que Ele faz a todos os cansados e sobrecarregados:

“Vinde a mim [...] e eu vos aliviarei” (Mt 11.28).

Em suma, a mediação dos homens, na esfera de suas vivências – se for legitimamente bíblica –, consiste em, valendo-se da autoridade do Nome de Jesus, levarem-se uns aos outros à presença do Pai celestial.

 Já a Mediação de Cristo, relativamente aos mediadores humanos, consiste em receber aqueles que, em seu Nome, foram levados à presença do Pai, para que, concedendo-lhes a bênção buscada, o Pai seja glorificado no Filho (Jo 14.13). Tal como aconteceu no episódio do paralítico, em Cafarnaum.

Assim, os intercessores humanos são lamparinas cujas chamas alumiam o trecho a ser percorrido na condução de seus semelhantes até Deus; o Intercessor divino é o Sol, cuja luz opera a Vida no ser dos favorecidos por Sua suprema e singular intercessão.

“Buscai-me e vivei”, diz o Senhor (Am 5.4)

Phonte: D.M


(Maria Helena Garrido Saddi, doutora em Letras, membro da Catedral Evangélica Hebrom. hgsaddi@gmail.com)

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