sábado, 1 de fevereiro de 2014

Fé cristã e política: entre o falatório e a realidade

Edson Camargo
Não é muito difícil para um falastrão qualquer apresentar uma tese verdadeira em si mesma justamente para abrir o caminho para a aceitação de uma série de bobagens. Até crianças do ensino fundamental deveriam saber disso num ambiente cultural como o nosso, no qual tornou-se um vício usar a linguagem da forma mais irresponsável e malandra possível para fins políticos ou por pura egolatria.
Um exemplo sempre presente em conversas entre cristãos, quando o assunto é política é a frase: “o Evangelho não é de direita, nem de esquerda.” Eis uma obviedade, pelo simples fato do que o Evangelho, a Revelação, a Palavra de Deus, “permanece para sempre”. Já a clivagem esquerda/direita é só um meio de mapear linhas de pensamento e ação repleto de limitações, fruto de um período histórico determinado, além de ser facilmente manipulável.
Muito bem. Uma coisa é o Evangelho não ser nem de direita nem de esquerda. Outra é a safadeza em tentar fugir da questão central: todo assunto sério a respeito da condição humana sempre é, em última análise, filosófico e teológico. E aqui articulam-se temas seríssimos: nada menos que a própria Revelação e a possibilidade de entendê-la, a possibilidade de se obter, ou não, conhecimento objetivo da realidade social, e as implicações da doutrina cristã sobre a ação dos cristãos na esfera pública. Só para início de conversa.
Uma coisa é o Evangelho não ser nem de direita, nem de esquerda. Outra é compactuar com quem mente dizendo não haver como analisar questões políticas à luz dos princípios da fé cristã.
Uma coisa é o Evangelho não ser nem de direita, nem de esquerda. Outra é se omitir na crítica a cristãos defensores de agendas políticas anticristãs como as da esquerda, e até a algumas da direita, evocando um bom-mocismo eclesial que disfarça muito mal a covardia, a hesitação em confessar despreparo para tratar do tema ou outros interesses.
É verdade que "o Evangelho não é de direita nem de esquerda". Mas não há como ouvir com séria desconfiança esta sentença. É fácil demais usá-la para negar o mandamento "seja o seu sim, sim, e seu não, não, o que passar disso vem do maligno” (Mt. 5:36) em assuntos públicos. Também é muito fácil afirmar que “o Evangelho não é nem de direita nem de esquerda” com o intuito de fugir de um posicionamento realmente fundamentado no Evangelho em certas questões. Como quase não se ensina por aí a buscar tais posicionamentos, muita gente pensa que é impossível realizar tal tarefa, que na verdade é um dever de todo cristão. Outros sequer se preocupam com o assunto. A crise de discipulado que assola nossas igrejas é algo muito grave.
Também é possível afirmar que “o Evangelho não é nem de direita nem de esquerda” justamente para negar a relevância da fé cristã no debate político, ainda mais numa época em que a política quer invadir todas as áreas da vida, e, por conta desse processo, uma perseguição cultural aos cristãos nos países ocidentais torna-se cada vez mais notória. Mas diga a certos cristãos brasileiros que o evangelho diz respeito a todas as áreas da vida humana que logo a preguiça e a raiva em ter de admitir que ainda tem muito a aprender começa a apresentar seus sintomas, que vão do farisaísmo irracionalista às filisteidades reducionistas vaidosas.
Em certos ambientes brada-se que “o Evangelho não é nem de direita, nem de esquerda”, justamente para negar as origens, teses, meios e fins descaradamente anticristãos do que se define atualmente por esquerda. Que do lado da atual direita também haja gente anticristã defendendo teses anticristãs é dado elementar. Mas negar a total incompatibilidade entre a cosmovisão revolucionária das elites políticas esquerdistas (e aqui se inclui toda a horda politicamente correta da ONU, ONG´s do mega-esquema globalista, potentados da mídia de massa, obamistas e o alto comissariado da União Européia) é atestado de insanidade, ainda mais na atual conjuntura.
É fácil dizer que “o Evangelho não é nem de direita nem de esquerda”. Difícil é fazê-lo com um mínimo de maturidade intelectual, ou seja: levando em conta tudo o que a boa lógica, o bom senso, as Sagradas Escrituras e uma teologia livre de coliformes ideológicos deixam claro.
O fato é que falar sobre o Evangelho não é a mesma coisa que falar com base numa visão profundamente comprometida com o Evangelho. E isso pode ficar claro quando se observa cuidadosamente quem fala, quando fala, para quem fala, por que fala, e os frutos destas declarações.
Enfim, pode-se dizer uma verdade sobre o Evangelho sem ter jamais tentado compreender a fundo o que ele realmente é, sua veracidade intrínseca, sua abrangência, a real natureza do poder e da disputa política, quem são de fato a direita e a esquerda, e com uma visão muito tosca do que realmente está em jogo no atual debate cultural e político.

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