terça-feira, 29 de julho de 2014

Em busca do Jesus histórico


Geraldo Gonçalves


Até a década de 1980 eu não tinha nenhuma dúvida sobre a existência de Jesus. Havia, porém, um detalhe aparentemente secundário, mas de fundamental importância: as diversas Vidas de Jesus que havia lido falavam do Cristo da fé, mas nada do Jesus da História.

Certo dia, quando morava no Sul do então território federal de Rondônia e lia Jesus Libertador, de Leonardo Boff, recebi a visita de um camarada comunista que, à semelhança de um Demônio, colocou um tremendo obstáculo ou dúvida na minha cabeça.

Ao ler o titulo do livro, ele me lançou um olhar frio e desafiador e me perguntou: “ Você
sabia que Jesus nunca existiu?” Ante a minha estupefação, ele completou: “Eu estive na União Soviética; fiquei algum tempo por lá e trouxe comigo o ABC do Comunismo e nele está dito que Jesus nunca existiu e que ele é apenas um mito.

E mais: os evangelhos, as cartas de Paulo e demais escritos daquilo que vocês chamam de Novo Testamento, não passam de lendas inventadas pelos primeiros cristãos.” E o camarada me fez este desafio: provar a existência de Jesus sem recorrer a nenhuma fonte cristã. Imaginem o meu embaraço!

A minha única fonte de consulta, lá naquele fim de mundo era O Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse, da Editora Larousse do Brasil. Nele encontrei: Jesus ou Jesus Cristo, segundo os cristãos, o filho de Deus e o Messias anunciado pelos profetas. Os Evangelhos dizem que Jesus nasceu em Belém, cerca do ano 749 da fundação de Roma, ou seja, no ano 4 ou 5 antes da era que traz seu nome. (...) 

Aos 30 anos de idade, Jesus começou a pregar a sua doutrina na Galileia, depois em Jerusalém, onde foi alvo da hostilidade crescente dos fariseus... (o resto, no dicionário).

Como não dispunha de outras fontes de informação, fui a São Paulo – uma longa viagem de cinco mil quilômetros (ida e volta) e lá, na Biblioteca Municipal, pedi um livro do historiador judeu Flávio Josefo, que eu sabia, era conterrâneo e quase contemporâneo de Jesus, mas não encontrei o que procurava. 

Então recorri ao bibliotecário e disse-lhe que precisava de um livro que falasse do Jesus histórico e ele, o bibliotecário, disse-me: peça Jesus Desconhecido de Dmitry Merejkovsky e Jesus no seu tempo de Daniel-Rops. E eu pensei comigo: meu Deus, mais um comunista? Não, não era; o primeiro era russo, sim, mas cristão, morou na França e escreveu em francês. 

O segundo, cujo nome é Henri Petiot, era de França e da Academia Francesa. Nesses dois livros encontrei o que procurava. Eis o que o historiador latino Públio Cornélio Tácito (Roma c. 55 – c. 120) escreveu sobre Jesus, in Anais, cerca de 116. Depois de haver assinalado os rumores que imputavam a Nero o incêndio de Roma ocorrido em 64, Tácito escreveu: “Para pôr um paradeiro a esses rumores, ele inventou culpados e infligiu as mais cruéis torturas a infelizes repudiados pelas suas infâmias, que eram vulgarmente chamados cristãos. 

O Cristo, do qual lhes vinha o nome, fora condenado à morte no tempo de Tibério pelo procurador Pôncio Pilatos. Reprimida naquele momento a execrável superstição, não tardou a de novo se alastrar não só na Judeia, onde nascera, como até mesmo em Roma, para onde afluem e onde engrossam todos os desregramentos e todos os crimes.” (Jesus Desconhecido, pp.21/22)

Outra testemunha, da mesma época (cerca de 120) é Suetônio (c. 69-c. 125), também historiador latino, nomeia duas vezes os cristãos in Vidas dos Doze Césares; num passo, confirma as perseguições de Nero; noutro diz que “Cláudio expulsou de Roma os judeus, tornados, sob a incitação de Chrestus, uma causa permanente de desordens.” Quem poderia ser Chrestus, senão o Cristo? (Jesus no seu tempo, pp. 15/16)

Dispensados outros testemunhos controversos, restam esses dois valiosos testemunhos não cristãos que, embora tardios, demonstram, sem a menor sombra de dúvida, que Jesus realmente existiu. E Ele continua conosco, todos os dias, conforme prometeu, e caminha ao nosso lado mas, à semelhança dos discípulos de Emaús, não percebemos a sua presença.

(Geraldo Gonçalves, o Quixote - amante de estórias, histórias e História)

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