quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"O DEUS Arminiano não é o mesmo DEUS Calvinista!"


Dizei-me, vós que quereis estar debaixo de Spurgeon, não ouvis vós a Spurgeon?” (Gl 4:21 - paráfrase).
Alguns hiper-ultra-super-nega calvinistas tupiniquins estão lançando um ferrenho ataque contra arminianos, chegando ao extremo de afirmar em suas redes sociais que "o deus dos arminianos não é o mesmo Deus dos calvinistas" e que arminianos estão caminhando, graças a suas doutrinas, a passos largos para o inferno. Citam, para embasar suas assertivas, o sermão AS BÊNÇÃOS DO PACTO, de Charles Spurgeon...Nele, Spurgeon realmente disse:
“Eu absolutamente não sirvo ao deus dos Arminianos! Eu não tenho nada a ver com ele e eu não me curvo diante do Baal que eles criaram! O deus dos Arminianos não é o meu deus, nem jamais o será! Eu não temo e nem tremo diante dele. Um deus mutável pode ser o deus para o Arminiano, mas ele não é o deus para mim. Meu Senhor não muda!” (Spurgeon, AS BÊNÇÃOS DO PACTO, p. 11)
O que dizer acerca disso?

Acima de tudo, Spurgeon era humano e falho como eu o sou. Seus escritos não são o cânon, não são infalíveis nem inerrantes! Nem os dele, nem os de Calvino, nem os de Armínio, nem os meus! Se ele citou tal absurdo em "AS BÊNÇÃOS DO PACTO" parece ter corrigido em "UMA DEFESA DO CALVINISMO"; enquanto em um afirma não servir ao deus dos arminianos, no outro admite que encontrará arminianos no céu. Isto não parece uma contradição? Como um falso deus daria salvação aos que o seguem?

Entendo que somos chamados à defesa da fé cristã. Entretanto, precisamos concentrar esta defesa nos princípios colunares da sã doutrina, deixando as questões secundárias ao crivo da interpretação pessoal de cada crente. Afirmar, por exemplo, que um credobatista é mais cristão que um pedobatista, ou um imersionista é mais cristão que um aspersionista, parece-nos uma luta inglória e desnecessária, tendo em vista que as Escrituras permitem divagações teológicas sobre a fórmula batismal ou sobre a idade para o batismo. Mesmo como calvinista que sou, a crença na doutrina da eleição não é fundamental para levar um crente ao céu. 

Um arminiano é tão eleito quanto um calvinista, e um calvinista abriu sua boca para confessar a Cristo de livre espontânea vontade ao ingressar na Igreja. Xingar quem pensa diferente de mim não vai anular-lhe a filiação divina. Ensinar as doutrinas da graça é meu dever, mas eu preciso ter um mínimo de bom senso e "semancol" para compreender que algumas delas são secundárias. O crente não vai pro céu ou pro inferno, por exemplo, por crer ou descrer no pentecostalismo. É questão secundária.

Entretanto, quando analisamos o sermão "UMA DEFESA DO CALVINISMO" vemos, após uma defesa calorosa da doutrina calvinista, um reconhecimento respeitoso do seu autor, Spurgeon:
"Não obstante, longe de mim sequer imaginar que entre os muros de Sião haja somente cristãos calvinistas ou que, aqueles que não compartilham das nossas idéias não serão salvos. As coisas mais terríveis têm sido ditas acerca de João Wesley, o príncipe dos arminianos modernos. Com relação a ele, só posso dizer que, embora eu deteste muitas das doutrinas que ele pregava, no entanto, em relação ao homem em si, eu o reverencio como a nenhum outro wesleyano e que, se tivéssemos que acrescentar dois apóstolos aos doze, creio que não existiriam dois homens mais capazes do que George Whitefield e João Wesley.

O caráter de João Wesley permanece acima de qualquer suspeita em relação ao seu zelo, santidade, auto-sacrifício e comunhão com Deus; ele viveu muito acima do nível de vida dos cristãos comuns e foi um “dos quais o mundo não era digno”. Eu acredito que existem milhares de homens que não conseguem ver essas doutrinas ou que, pelo menos, não da forma como as coloquei, os quais, contudo, receberam a Cristo como seu Salvador e são tão queridos para o coração do Deus da graça, quanto os calvinistas mais ortodoxos, quer estejam dentro ou fora do céu.." (Spurgeon, UMA DEFESA DO CALVINISMO, texto completo em http://migre.me/ozytt parte citada na p. 13).

Embora as notas de rodapé do editor calvinista afirmem (aleluia!!) que Spurgeon estava errado neste ponto!! Que blasfêmea!! Contradizer escritos canônicos de Spurgeon e declará-lo falível!! (estou, obviamente, usando um pouco de ironia aqui).

Os verdadeiros calvinistas sabem, inclusive o bom Spurgeon, que não depende da crença nesta doutrina para adentrar as portas de Sião. Dizer que "o deus dos arminianos não é o mesmo Deus dos calvinistas" invocando Spurgeon para isso, pode não ser uma blasfêmia, mas tem o mesmo cheiro! Só os moleques, quer homens ou quer mulheres que se autodenominem sábios(as), desprezam os que foram comprados pelo sangue de Cristo, embora pensem diferente nas questões secundárias!

Mas prossigamos...

Vejamos o que Spurgeon, NO MESMO TEXTO, diz sobre predestinação e livre arbítrio...Ele afirma:
“Não creio que haja diferenças entre o que creio e o que crêem os meus irmãos hiper-calvinistas. Difiro deles no que eles não crêem. Eu não acredito em menos coisas do que eles, e sim num pouco mais do que eles e, acredito que seja um pouco mais da verdade revelada nas Escrituras. Não existem somente algumas doutrinas pelas quais devemos dirigir nosso barco para norte, sul, leste ou oeste; à medida em que progredimos, começamos a aprender algo sobre o noroeste e o nordeste e tudo o mais que se situa entre os quatro pontos cardeais.

O sistema de verdades revelado nas Escrituras não se constitui somente de uma linha reta, porém de duas; e nenhum homem poderá obter uma visão correta do evangelho até que ele saiba como olhar para as duas linhas simultaneamente. Por exemplo, eu leio num dos livros da Bíblia: “O Espírito e a noiva dizem: vem. E aquele que ouve diga: vem. Aquele que tem sede, venha, e quem quiser receba de graça a água da vida”. No entanto, sou ensinado em outra parte da mesma Palavra inspirada que “não é daquele que deseja, nem daquele que corre, mas de Deus que mostra misericórdia”.

Eu vejo, por um lado, Deus presidindo em sua providência sobre todas as coisas e, no entanto, não posso deixar de ver também que o homem age como ele bem entende e que Deus tem permitido, em grande medida, que suas ações sejam governadas por seu livre-arbítrio. Entretanto, se eu declarasse que o homem tem liberdade suficiente para que pudesse agir sem o controle de Deus sobre suas atitudes, eu estaria muito próximo do ateísmo.

Se, por outro lado, eu declarasse que Deus controla tudo de tal maneira que o homem deixa de ser livre o suficiente para ser responsável, eu estaria muito próximo do antinomianismo ou do fatalismo. Que Deus predestina e que o homem é responsável, são dois fatos que poucos podem ver claramente. Acredita-se que eles sejam incoerentes e contraditórios, mas não são. A falha está na nossa fraca avaliação. Duas verdades não podem ser contrárias uma a outra.

Se, por um lado, eu sou ensinado em parte da Bíblia que todas as coisas foram predeterminadas, isso é verdade; se, por outro lado, eu encontro em outra parte da Bíblia, que o homem é responsável por seus atos, isso também é verdade. É somente a minha insensatez que me leva a imaginar que essas duas verdades poderiam ser contraditórias. Eu não creio que elas possam jamais ser caldeadas em nenhuma bigorna aqui na terra, mas certamente serão unidas na eternidade.

Elas representam duas linhas quase paralelas, tão próximas, que, quando a mente humana tenta segui-las por uma grande distância, jamais descobrirá que elas são convergentes, porém na verdade elas são e elas se encontrarão em algum lugar na eternidade, num local próximo ao trono de Deus, do qual toda verdade procede.” (Spurgeon, UMA DEFESA DO CALVINISMO, pp. 13-14).
Outro expoente calvinista, o rev. Augustus Nicodemos, repete praticamente estas mesmas palavras, em vídeo bastante popular no Youtube, que alguns hiper-ultra-super-nega calvinistas afirmam, tentando defender o indefensável, que o rev. Augustus estava sendo irônico, quando na verdade, ele cita Spurgeon...

O próprio texto de Spurgeon que defende o calvinismo e que é invocado para tentar afirmar o erro dos arminianos, reconhece que arminianos entrarão na Cidade pelas portas, e que a suposta contradição entre a soberania divina e a responsabilidade humana não é contradição, mas antinômio. Logo, afirmar que "o deus arminiano não é o Deus calvinista", e que os arminianos estão perdidos por causa de sua fé, e outras acusações de mesmo naipe, nem é bíblico, nem spurgeônico, e muito menos calvinista!

A honestidade intelectual ensina que devemos ler o texto todo, e jamais pinçar partes que nos sejam convenientes. Creio que é aí que estes hiper-ultra-super-nega calvinistas revelam sua desonestidade. Assim como neopentecostais pinçam textos convenientes na Bíblia, eles fazem o mesmo com seus reformados favoritos. Nada de novo debaixo do sol!

Parece-me que um dos erros comuns ao calvinismo e ao arminianismo é tentar das status de infalíveis e inerrantes os escritos de seus ídolos! Entretanto, eles próprios se contradizem, como fez Spurgeon nos textos citados de seus sermões. São humanos e falhos! Por isso, seu crivo sempre será a Escritura!

O que dizer desta fala de Spurgeon, completamente antagônica aos princípios calvinistas, comentando 1 Tm 2:3-4? Por que eles, os acusadores do arminianismo, não o usam? Desconhecem que o mesmo Spurgeon que defendia o calvinismo com unhas e dentes tinha esta visão?

“Vocês, muitos de vocês, conhecem bem o método geral pelo qual os nossos velhos amigos calvinistas tratam este texto. 'Todos os homens', dizem eles - 'isto é, alguns homens', se quisesse dizer alguns homens. 'Todos os homens", dizem eles; 'isto é, alguns de todos os tipos de homens', se Ele quisesse dizer isso.
O Espírito Santo, por meio do apóstolo, escreveu 'todos os homens' e, inquestionavelmente, Ele quer dizer todos os homens. Sei como descartar a força do termo 'todos', segundo aquele método crítico que há algum tempo era muito corrente, mas não vejo como se pode aplicar isso aqui mantendo a devida consideração pela verdade. 
Há pouco estive lendo a exposição de um habilidoso doutor que explica o texto acabando com ele; ele aplica pólvora gramatical ao texto, e o faz explodir a título de explicá-lo. Quando li a sua exposição, pensei que teria sido um comentário de capital importância se o texto dissesse: 'Que não quer que todos os homens se salvem, nem que cheguem ao conhecimento da verdade'. Se essa fosse a linguagem inspirada, todas as observações feitas pelo ilustre doutor ser-lhe-iam exatamente fieis, mas como acontece que ela diz, 'Que deseja que todos os homens sejam salvos', as suas observações estão mais de que um pouco fora de lugar.  
Meu amor pela coerência com meus conceitos doutrinários não é suficientemente grande para me permitir alterar conscientemente um único texto das Escrituras. Tenho grande respeito pela ‘ortodoxia’, porém a minha reverência pela inspiração é muito maior. Prefiro cem vezes ou mais parecer incoerente comigo mesmo a ser incoerente com a Palavra de Deus... - Iain Murray, Spurgeon versus Hipercalvinismo. PES. 2006. p. 171-172, coletado AQUI
Portanto, seria importante que, antes de convocar Spurgeon, ou qualquer outro escritor reformado, para as falanges dos hipercalvinistas condenadores dos que pensam diferente, que os tais observassem se os mesmos realmente defendem suas causas! 

Por isso amo Spurgeon, e os demais reformados coerentes e cristãos: são contraditórios e, consequentemente, falhos; defendem suas posturas teológicas com paixão e fervor, mas respeitam opiniões contrárias!

Fonte: Blog do Esquizilton

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