sábado, 7 de fevereiro de 2015

Uma exegese de 1 Timóteo 4:10


Por Alan Kurschner


Pois para isto é que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem.” (I Timóteo 4.10)

Em I Timóteo 4.10, Paulo está exortando Timóteo que a sã doutrina e a piedade persistente deveriam ser o impulso de nossa vida por causa da esperança do Deus vivo — nesta era e na por vir. Nós deveríamos estar confiantes em nossos credos e ética por causa da certeza da salvação. Paulo introduz o verso 10 com o indicador inferencial eis touto gar (pois para isto), seguido pela conjunção hoti (porque), que destaca seu ponto principal: “temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que creem.” Seu ponto principal é corroborado pelo seu uso do tempo perfeito ēlpikamen (temos posto a nossa esperança), que define esta ação. É interessante que o único outro exemplo de um tempo perfeito nesta seção imediata é encontrada no verso 6:

Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, nutrido pelas palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido (parēkolouthēkas)” - I Tm 4.6

Este é um termo incomum no novo testamento, usado apenas quatro vezes (Mc 16.17; Lc 1.3; I Tm 4.6; II Tm 3.10). No contexto de seguir uma crença ou prática, este termo significa “prestar atenção especial, seguir fielmente.” Em outras palavras, para Paulo, seguir a sã doutrina não é sobre uma afirmação estática das declarações credais em papel — é uma ativa, consciente e envolvida adaptação. (Paulo não teria nada a ver com uma "declaração de fé" ambígua de igreja!)

De volta ao verso 10. Na próxima declaração, o que se entende por “que é o salvador de todos os homens, especialmente dos que creem”?

Muitos crentes modernos leem isto com a hipótese de que Cristo veio a terra com a intenção de morrer por cada indivíduo que já viveu; por isso, “que é o salvador de todos os homens”. Mas só aqueles que creem terão sua expiação aplicada aos seus pecados; por isso, “especialmente os que creem.” Portanto, muitos leitores modernos, especialmente arminianos, acreditam que este verso mina qualquer noção de redenção particular e eleição, que é afirmada na teologia reformada.

Porém, nós deveríamos examinar mais que uma leitura prima facie deste verso e fazer a nós mesmos algumas perguntas. Há uma conexão teológica entre “o Deus vivo” e seu qualificador “que é o salvador de todos os homens”? O que “todos os homens” significa aqui para Paulo? Significa todas as pessoas sem exceção ou distinção? E mais importante, como Deus pode ser o salvador daqueles que não creem? Ou há algum outro elemento que tem escapado à nossa atenção?

Uma leitura universalista deveria ser excluída desde que contraditaria o ensino inequívoco de Paulo em seu corpus de que muitos perecerão eternamente.

Depois, a interpretação arminiana lê demais nesta declaração, “salvador de todos os homens”, com duas suposições: (1) que o termo “salvador” deve significar “possível salvador” e (2) ele denota “cada pessoa individual.”

Mas se Cristo morreu por todos os pecados, então não há base para ele punir ou condenar qualquer pecador para a perdição; fazendo assim do arminiano um universalista inconsistente. Que base há para punir o mesmo pecado duas vezes: na cruz e no pecador. Não há nenhuma.

Além disso, o contexto aqui não afirma o que Paulo quer dizer por “todos os homens”. Ele poderia se referir a cada pessoa individual, ou ele poderia se referir a todos os tipos de homens. Mais cedo nesta mesma epístola, no contexto similar de salvação e todos os homens, Paulo deixa claro que ele está se referindo a “todos os tipos de homens”, não cada pessoa individual que já viveu no planeta terra.

Alguns intérpretes tem sugerido que Deus é o “salvador de todos os homens” em um sentido físico-preservador — se você quiser, um salvador de graça comum.” Então ele é um salvador espiritual, especialmente daqueles que creem.

Esta é uma interpretação improvável uma vez que não há nada neste contexto onde Paulo define “salvador” nestas duas formas diferentes. E mais, o v. 8b fornece um contexto soteriológico, “da vida presente e da que há de vir.” E no v. 10 a leitura natural é que Paulo usa o mesmo significado para “salvador” pela humanidade em geral, e crentes em particular.

A interpretação mais plausível deste verso é o que eu chamo de interpretação exclusivismo-monoteístico. O que Paulo está dizendo é que Deus (e por extensão Cristo como redentor) é o único salvador real no mundo, portanto a humanidade não pode encontrar outro salvador competindo fora do Deus vivo. Eles não têm outro salvador para o qual tornar.

Não é por equívoco que a frase “Deus vivo”, um termo que sugere monoteísmo está conectado com este verso. Esta frase é frequentemente encontrada no contexto de politeísmo (At 14.15; I Ts 1.9; Js 3.10; I Sm 17.26, 36; II Rs 19.4). Desde que há um único Deus que é vivo, há somente um salvador para a humanidade abraçar.

Também, nesta mesma epístola Paulo faz uma declaração exclusiva parecida que há um mediador da salvação para humanidade: “pois há um só Deus e mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus homem” (I Tm 2.5). Aqui Paulo conecta isto com a verdade do “único Deus” com apenas um mediador, antecipando o que ele diz dois capítulos depois.

Além disso, isto é similar a declaração exclusiva de Jesus:

E disse Jesus: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao pai senão por mim” (João 14.6)

E na mesma linha, Pedro proclama:

E em nenhum outro há salvação; porque debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, em que devamos ser salvos.” (Atos 4.12).

Para toda a humanidade só há um caminho, verdade, vida, pai, nome, mediador e salvador— especialmente dos que creem.

Finalmente, eu quero concluir com outra interpretação que é convincente. O termo para “especialmente” é malista. George W. Knight III argumenta que este termo aqui deveria ser traduzido “isto é”, funcionando assim como a explicação ou maior esclarecimento da frase anterior. A tradução seria como se segue: “que é o salvador de todos os homens, isto é, dos que creem.” Então esta interpretação não vê “aqueles que creem” como um subconjunto de “todos os homens”; em vez disso, “os que creem” identifica quem são “todos os homens”. Ele escreve:

“A frase [malista pistōn, "especialmente os que creem"] contém a mesma qualificação que Paulo e o NT sempre colocam para receber a salvação de Deus, isto é, “confiar” em Deus como o único salvador. 

Absoluto [pistōn] como usado aqui e em outro lugar no NT refere-se àqueles que creem em Cristo, isto é, os crentes... malista geralmente tem sido traduzido como “especialmente” e considerado como de alguma forma distinguindo aquilo que o segue daquilo que vem antes dele. 

Skeat [“especialmente os pergaminhos”] argumenta de forma persuasiva que [malista] em alguns casos (II Tm 4.13; Tt 1.10, 11; e aqui) deveriam ser entendidos como fornecendo uma melhor definição ou identificação daquilo que o precede e assim o traduz pelas palavras “isto é”. Ele cita vários exemplos das letras de papiro que pareceriam requerer este sentido e que em seus casos particulares excluiriam o sentido alternativo contrário. Se sua proposta estiver correta aqui, o que parece mais adequado, então a frase [malista pistōn] deveria ser traduzida como “isto é, os crentes”. 

Este entendimento também está em linha com a afirmação de Paulo de que todos os tipos e condições de homens estão em Cristo (mesmo às vezes usando [pantes]) e com sua insistência naqueles contextos que todos estão em Cristo e têm salvação pela fé (cf. Gl 3.26-28).” NIGTC, The Pastoral Epistles, 203–4.

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Fonte: Alpha e Ômega Ministries
Tradução: Francisco Alison Silva Aquino

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