quinta-feira, 26 de março de 2015

A Sacralização do Secular

Por Daniel Clós Cesar

São 19h e 30 minutos, o ministério de louvor acaba de deixar seu espaço no palco... digo, púlpito da igreja e o pastor anuncia a nova atração... digo, ministério. Um grupo de quatro adolescentes usando roupas largas, onde se pode notar a marca de três cuecas e uma... deixa pra lá. 

É o ministério de street dance, “Hip Hop for God”... após 15 minutos de música em inglês em uma igreja onde a média de instrução formal dos membros mal ultrapassa o 1º ano do ensino médio o animador... digo, pastor, anuncia a nova atração... droga, perdão, digo... ministério... dois jovens de pouco mais de 6... meses... de igreja... já lideram um ministério que ensina krav maga como técnica de defesa pessoal em escolas e associações na periferia... após algumas demonstrações de como quebrar um braço com três movimentos e romper e traqueia fazendo uso de dois dedos, o pastor volta ao palanque... digo, púlpito... ele pede para os irmãos abrirem a Bíblia, ele lê junto com a igreja Êxodo 31.3, faz uma pequena explicação sobre o versículo e convoca o ministério de teatro... que sobe ao púlpito depois de desviar do rapaz que pinta um quadro no canto do palco...


A peça é linda, dura cerca de 50 minutos, fala de como o homem se perde nos caminhos do pecado pelo mundo, das drogas, do álcool, da perversão sexual e das más companhias... até que ele encontra um cristão, que apresenta a ele Cristo... e anjas dançarinas (uma participação especial do ministério de dança)... o homem, envolto pelas anjas dançarinas e recebido por um Cristo que o regenera, troca suas vestimentas maltrapilhas por um pano branco e dourado (é de TNT, mas é branco e dourado). 

Ao final da apresentação o pastor retorna ao palco... digo, púlpito... e após enxugar as lágrimas, afinal a peça mexeu com todos os presentes, pergunta: “Quem quer aceitar a Cristo como Salvador?” Um pequeno grupo de pessoas vai a frente, não depois de 30 minutos de repetidas vezes o pastor refazer a pergunta e adicionar os benefícios de aceitar a Cristo: “Ele vai mudar sua vida para melhor”, “Ele vai mudar sua História”, “Ele quer mudar sua História”, “Ele deseja ardentemente realizar os teus sonhos”, “Ele pode... O pequeno grupo repete uma oração simples mas profunda: “Jesus, eu te aceito no meu coração”... a igreja diz amém... as anjas voltam a dançar, agora não mais ao som do play-back do Ministério Laguinho mas ao som do ministério de louvor que já divide o palco... digo, púlpito com o pastor, o ministério de street dance, o ministério de teatro e o ministério “porrada gospel” (o do krav maga).

O culto termina, aquele pequeno grupo é convidado a voltar na próxima semana, alguém anota o nome e telefone de cada um deles... quem sabe... quem sabe algum deles retornará na próxima semana...

Talvez você esteja profundamente ofendido com o que acabei de descrever, porque talvez, e apenas talvez, essa seja a sua igreja. Mas antes de me condenar a algum lugar mais profundo que o inferno, quero que você reflita comigo um pouco a liturgia deste culto e o que o move... após isso, você poderá apenas manter a sua ideia de culto e repudiar a minha, sem a necessidade de maldizer ninguém.

O primeiro ponto que eu preciso deixar claro é que sou um admirador convicto de muitas artes. Eu mesmo gosto de desenhar e me considero até um ilustrador amador. Apesar de não ser músico e saber no máximo tocar triângulo, sou admirador de uma dezena de bons cantores e bandas cristãs e seculares... aos que se dedicam a arte de escrever, tenho uma admiração ainda mais especial e profunda, realmente considero-me privilegiado de poder apreciar um bom livro. 

Quanto a arte da interpretação, sou um cinéfilo de carteirinha... então, minha crítica não é a arte em si, acredito que todo ser humano que tem um talento nato para algum tipo de arte tem uma percepção diferente da vida daqueles que apenas a vivem sem nenhuma outra perspectiva angular do mundo. Minha crítica direta aqui é a distorção que líderes cristãos tem feito em relação ao uso da arte na igreja.

A arte não precisa ser rejeitada pela igreja como o foi por muito tempo. Também não se deve fazer uma hierarquização da arte, como existindo arte boa e ruim... o que existe são obras boas e ruins. Uma música, secular pode ser boa ou ruim, assim como uma música dita cristã, se essa no entanto conter ensinos não bíblicos, ela passa a ser uma música ruim. 

Acontece que no desespero de aumentar o interesse do público, pastores estão dispostos a diversificar os produtos oferecidos pela igreja durante um culto, para que assim a amplitude dos clientes em potencial seja maior e portanto mais fácil capitar novos sócios-dependentes.

No culto acima descrito, o louvor é um momento não de adoração-comunitária, mas de apresentação artística daqueles que fazem parte do seleto e nobre grupo do louvor. A dança, ocupa um espaço estranho na liturgia, ela não tem outra função senão a do entretenimento pelo entretenimento. O teatro, ocupa o espaço que deveria ser ocupado pela pregação do Evangelho e ensino da Palavra... e não, peça teatral não é a pregação do Evangelho nem é ensino da Palavra, se isso fosse verdade, bastaríamos então pegar a próxima novela da Record e começar a passar nos cultos de domingo para ensinar sobre o Êxodo.

No mesmo culto, após uma série de apresentações artísticas, um grupo de pessoas é emocionalmente coagido e subornado a ir até a frente do púlpito e repetir uma oração que lhes dará de forma quase que papal e Salvação eterna, sem que eles tenham nenhum entendimento sobre pecado, necessidade de arrependimento e entrega de suas vidas a Cristo, a única “verdade” que lhes foi dita é uma mentira: “eles precisam deixar Jesus entrar no coração”... mas que Jesus? Alguém lhes disse que o Jesus dançarino da peça com as anjas saltitantes não é o Cristo bíblico? E que ser lavado pelo sangue do Cordeiro não é vestir uma capa feita de TNT branco e dourado?

Não é de se admirar que as igrejas no Brasil estão cheias, mas ao mesmo tempo são como um ônibus que sai do bairro, vai até o centro, e depois retorna ao bairro... ele vai cheio na ida e retorna igualmente cheio, mas não com as mesmas pessoas. As igrejas brasileiras estão cheias de membros temporários, pessoas que passam por alguns meses, ou alguns poucos anos, aproveitando o momento na igreja X e pouco tempo depois mudam-se para a igreja Y, porque lá o “mover” está diferente, estão fazendo algo novo ou apenas por que já não aguentam mais o mesmo de sempre.

Não há alicerces profundos que deveriam ser construídos por pastores e líderes que cuidam bem de suas ovelhas. Não regam as pequenas sementes com a poderosa Palavra de Deus para que se tornem árvores fortes. Jovens neófitos e sem nenhuma capacidade intelectual de guiar suas próprias vidas, sem perspectivas de um futuro pessoal, social ou profissional, são tornados líderes ministeriais e conselheiros, é como colocar um cego a guiar outro cego, não caírão os dois no abismo? (Mateus 15.14).

A igreja brasileira não caminha para um momento de avivamento como muito se grita aos quatros cantos, mas corre a passos largos para uma terrível apostasia... a Palavra de Deus não é somente negligenciada, é afrontada domingo após domingo em centenas de púlpitos... Seu Poder e Eficácia para Salvar o homem são substituídos descaradamente por modelos de crescimento e apresentações circenses. É triste, é lamentável, é horrível o que acontece em algumas igrejas... Se não fosse a minha certeza de que a noiva do Cordeiro não se suja com isso, mas sai incólume pois deposita toda sua esperança no Cristo que a justifica... “Teríamos nos tornado como Sodoma, e teríamos sido feitos como Gomorra.” (Romanos  9.29)

Maranata!
***
Daniel Clós Cesar, escravo da liberdade que só se encontra em Cristo.

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