sábado, 30 de maio de 2015

Apologética não é bang-bang


Por Thiago Oliveira

Antes de mais nada, precisamos definir “Apologética”. 

Pois bem, esta palavra significa “defesa verbal”. Quando falamos em Apologética, quase sempre nos referimos a defesa do Evangelho, pois foi no Cristianismo que ela foi desenvolvida. Os apologistas foram aqueles que de maneira sistemática, explanaram e demonstraram o Evangelho como sendo uma fé digna de credibilidade, autenticidade e superioridade com relação as demais religiões. 

Atualmente, as redes sociais disseminaram as práticas apologéticas, sobretudo, em páginas e blogs de confissão reformada, todavia, existe algo preocupante no tipo de apologética que encontramos na websfera.

Defender a fé é uma recomendação bíblica. Mas, gostaria muito que nós pudéssemos meditar nas seguintes palavras do apóstolo Pedro:

“Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.” 
(1 Pedro 3.15)

A primeira coisa a que chamo a atenção é o fato de que antes de defendermos o Evangelho, Cristo precisa ser santificado (i.é. separado) como o Senhor do nosso coração, local de onde procedem as fontes da vida (Pv 4.23). Cristo deve ter o domínio daquilo que pensamos e também deve dominar sobre a nossa conduta. Então, sendo Ele o Senhor, toda a honraria deve ser dada somente para Ele. Lembremos do louvor paulino (Rm11.36): “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém”.

Tendo Cristo o domínio de nosso ser e da nossa prática, estaremos prontos para responder a qualquer um que nos indagar acerca de nossa esperança. O termo “qualquer”, usado por Pedro, é inclusivo e nos remete a todo tipo de circunstância. Desde a defesa perante um tribunal, num contexto de perseguição ao Evangelho, ou até mesmo uma resposta para um detrator da Palavra ou para alguém que verdadeiramente anseie escutar sobre as boas-novas, ou melhor, escutar sobre a esperança que temos em nosso Salvador, no qual cremos piamente que estamos nEle guardados e salvos da ira vindoura que recairá sobre os pecadores no dia do Juízo.

Todavia, a nossa resposta deve ser dada com mansidão. Aqui temos que novamente nos reportar para a santificação de Cristo em nossos corações. Pois, se Ele foi manso (Mt 11.29), porque então nós haveríamos de ser diferentes? Estaria o servo acima de seu Senhor? Absolutamente, não! No entanto esta mansidão tem faltado entre aqueles que dizem ter zelo pela sã doutrina. 

Diversos fóruns em blogs e redes sociais mostram a cólera com que irmãos tratam irmãos. Não falo nem da relação do cristão com um não-cristão. Basta ser de uma denominação ou corrente teológica diferente para vermos um verdadeiro “bang-bang”. Homens que querem vencer seu oponente em argumentos, muitas vezes, para satisfazer seu ego e não para glorificar a Deus.

Alguns destes irascíveis costumam citar Paulo como se a atitude do apóstolo coadunasse com o descabido furor que exalam pelos quatro cantos. Mas, seria mesmo Paulo alguém que defendia o Evangelho com agressividade? Vejamos o que ele ensina:

Em Colossenses 4.6 ele afirma que “a vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um.” Aqui o apóstolo alerta que o modo de se falar é tão importante quanto o conteúdo. A figura de linguagem utilizada, temperar com sal, remete a uma tradução rabínica de tratar a Torá como o sal, conservante da pureza, que torna o alimento agradável ao paladar. Precisamos evitar os extremos. Uma comida insossa é ruim, tal como uma comida muito salgada. 

É preciso então equilibrar a balança, saber quando e como devemos falar do Evangelho, não para ganhar uma discussão, este nunca foi o objetivo paulino, mas sim para ganharmos as pessoas para a Verdade. Para que tenhamos êxito na nossa apologética, é extremamente necessário termos respeito e amabilidade para com o nosso próximo, por mais equivocado que ele esteja. Não quer dizer que devemos aceitar seu erro e sermos indulgentes. Digo apenas que devemos instruir com amabilidade e (porque não?) gentileza.

Os dois primeiros versículos de Romanos 15 nos dizem que os fortes devem suportar a fraqueza dos fracos. Força e fraqueza nesse contexto tem a ver com o conhecimento que adquirimos sobre Deus no decorrer da caminhada com o Senhor. Sabemos que este conhecimento não é meramente intelectual, pois existe aqui o conceito revelacional. Deus se revela a quem Ele bem quer e a uns Ele concede mais compreensão do que a outros. Cabe aqueles a quem muito foi dado, não se utilizarem dessa dádiva para se vangloriar ou agradar a si mesmos. 

Aos mais dotados de percepção das doutrinas bíblicas, que cumpram o trabalho de edificar os mais fracos nas questões da fé. Aqui a fraqueza envolve intelectualidade e, também, moralidade. Todavia, Paulo não nos instrui a tolerar os erros dos que denomina fracos. Ele lança a ideia de suportar, ou seja, conduzir em amor, estes irmãos, mesmo em suas fraquezas, para que eles sejam posterior e sistematicamente edificados no Corpo de Cristo.

É justamente neste ponto que vejo o quão distante estamos da recomendação apostólica de suportarmos uns aos outros em amor (Ef 4.2). Será mesmo que uma postagem de Facebook é um local ideal para a correção? Ali onde as palavras não tem feição e portanto aparentam ser mais frias do que deveriam ser, tentamos convencer irmãos, travestidos de oponentes, a pensarem de maneira coerentemente bíblica. Acontece que, quando somos impiedosos, desproporcionalmente debochados e intelectualmente vaidosos, não podemos cobrar coerência de ninguém. Façamos uma auto-análise.

Ainda usando um texto de Paulo, este quando escreve para Timóteo, dá a seguinte recomendação:

E rejeita as questões loucas, e sem instrução, sabendo que produzem contendas. E ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor; instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade, e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos.” (2 Timóteo 2.23-26)

Esta passagem é fantástica. Paulo diz ao seu discípulo e filho na fé, que ele deve ser manso e não andar contendendo sobre coisas supérfluas. Vejo irmãos se engalfinhando por questões tais como: supra ou infralapsarianismo, batismo por imersão ou aspersão e etc. Não existe aqui uma regra para que não se debata sobre estes determinados assuntos. 

O que existe é uma recomendação para que estes não venham a ser encarados como coisas estritamente necessárias a comunhão, e que não causem divisões entre os membros do corpo de Cristo. Timóteo, mesmo diante dos sectários e hereges, tinha que “instruir com mansidão”. 

Atentemos ao fato que a mansidão é para os que persistem no erro (v.25). Na disciplina pode haver brandura. Ela deve estar atrelada a paciência e ao desejo de ver o arrependimento brotar do coração daquele que estava obstinado a permanecer no erro para que tornem a despertar, libertando-se dos laços diabólicos no qual estão presos.

Outra bela passagem bíblica que nos encoraja a sermos mais piedosos em nossa apologética se encontra em Judas 22 e 23: “E apiedai-vos de alguns, usando de discernimento; E salvai alguns com temor, arrebatando-os do fogo, odiando até a túnica manchada da carne.

Judas escreve aos seus leitores que eles devem ajudar aos crentes que não tem muito discernimento da Palavra, e que por isso chegam a duvidar dela. Qualquer um de nós conhece esse tipo de crente vacilante, que quando se depara com um questionamento cético fica com a sua crença abalada. Portanto, segundo nos diz o apóstolo, é necessário conduzir estes duvidosos para que estes voltem a crer. Uma outra categoria de pessoas a que Judas se refere, são os pecadores que estão perecendo. 

Ele utiliza a figura do fogo consumindo os pecadores e diz que nós deveríamos prontamente salvá-los das chamas. Mas não é Deus quem salva o pecador? Logicamente, a ideia aqui não é colocar a salvação em nossas mãos como sendo autores delas, todavia, somos ministros, por Deus comissionados a anunciar a Palavra da Salvação, como bem frisou Calvino. 

O termo final “odiando até a túnica manchada da carne” é uma admoestação para não nos contaminarmos com o pecado, comparado aqui com roupas sujas de excremento. Do pecado precisamos tomar distância, no entanto, devemos nos aproximar dos pecadores. Foi exatamente isto que Jesus fez durante todo o seu ministério.

Depois de analisarmos estas passagens bíblicas, não nos resta dúvida de que devemos abandonar a síndrome de “Dr. Jekyll”, um clássico personagem da literatura (O Médico e o Monstro) que ao tomar uma poção criada em laboratório se transformava num ser monstruosamente descontrolado. As queixas são muitas. Estou cansado de ver pessoas que foram destratadas em blogs e páginas que se dizem apologéticas. 

Há um desserviço a causa do evangelho toda vez que, por exemplo, um calvinista ofende um arminiano e vice-versa. Precisamos parar de proceder como loucos e aprender de Cristo, que foi manso e suave.

A Verdade deve sempre ser dita e continuemos a combater os falsos ensinamentos que vem sendo propagados, agora em velocidade recorde devido ao avanço dos meios de comunicação. Todavia, esse combate não pode ser feito de maneira irresponsável ao ponto de andarmos na contramão do que as Escrituras estabelecem com relação a apologética. Vamos acabar de vez com esse “bang-bang” e promover o Reino com amor e humildade. Nada é nosso, tudo é dEle.

Soli Deo Gloria.

Fonte: Electus

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