sábado, 31 de outubro de 2015

'Só mentirosos negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas' : A traição da psicologia social



por Luiz Felipe Pondé para Folha

Olha que pérola para finalizar sua semana: "Esta é a grande tolice do mundo, a de que quando vai mal nossa fortuna -muitas vezes como resultado de nosso próprio comportamento-, culpamos pelos nossos desastres o Sol, a Luz e as estrelas, como se fôssemos vilões por fatalidade, tolos por compulsão celeste, safados, ladrões e traidores por predominância das esferas, bêbados, mentirosos e adúlteros por obediência forçada a influências planetárias". William Shakespeare, "Rei Lear", ato 1, cena 2 (tradução de Barbara Heliodora).


Os psicólogos sociais deveriam ler mais Shakespeare e menos estas cartilhas fanáticas que dizem que o "ser humano é uma construção social", e não um ser livre responsável por suas escolhas, já que seriam vítimas sociais. Os fanáticos culpam a sociedade, assim como na época de Shakespeare os mentirosos culpavam o Sol e a Lua.

Não quero dizer que não sejamos influenciados pela sociedade, assim como somos pelo peso de nossos corpos, mas a liberdade nunca se deu no vácuo de limites sociais, biológicos e psíquicos. Só os mentirosos, do passado e do presente, negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas.

Mas antes, um pouco de contexto para você entender o que eu quero dizer.

Outro dia, dois sujeitos tentaram assaltar a padaria da esquina da minha casa. Um dos donos pegou um dos bandidos. Dei parabéns para ele. Mas há quem discorde. Muita gente acha que ladrão que rouba mulheres e homens indo para o trabalho rouba porque é vítima social. Tadinho dele...

Isso é papo-furado, mas alguns acham que esse papo-furado é ciência, mais exatamente, psicologia social. Nada tenho contra a psicologia, ao contrário, ela é um dos meus amores -ao lado da filosofia, da literatura e do cinema. Mas a psicologia social, contra quem nada tenho a priori, às vezes exagera na dose.

O primeiro exagero é o modo como a psicologia social tenta ser a única a dizer a verdade sobre o ser humano, contaminando os alunos. Afora os órgãos de classe. Claro, a psicologia social feita desta forma é pura patrulha ideológica do tipo: "Você acredita no Foucault? Não?! Fogueira para você!".

Mas até aí, este pecado de fazer bullying com quem discorda de você é uma prática comum na universidade (principalmente por parte daqueles que se julgam do lado do "bem"), não é um pecado único do clero fanático desta forma de psicologia social. Digo "desta forma" porque existem outras formas mais interessantes e pretendo fazer indicação de uma delas abaixo.

Sumariamente, a forma de psicologia social da qual discordo é a seguinte: o sujeito é "construído" socialmente, logo, quem faz besteira ou erra na vida (comete crimes ou é infeliz e incapaz) o faz porque é vítima social. Se prestar atenção na citação acima, verá que esta "construção social do sujeito" está exatamente no lugar do que Shakespeare diz quando se refere às "esferas celestes" como responsáveis por nossos atos.

Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros, ou não trabalharmos ou sermos infelizes. Se eu roubo você, você é que é culpado, e não eu, coitado de mim, sua real vítima. Teorias como estas deveriam ser jogadas na lata de lixo, se não pela falsidade delas, pelo menos pelo seu ridículo.

Todos (principalmente os profissionais da área) deveriam ler Theodore Dalrymple e seu magnífico "Life at The Bottom, The Worldview that Makes the Underclass", editora Ivan R. Dee, Chicago (a vida de baixo, a visão de mundo da classe baixa), em vez do blá-blá-blá de sempre de que somos construídos socialmente e, portanto, não responsáveis por nossos atos.

Dalrymple, psiquiatra inglês que atuou por décadas em hospitais dos bairros miseráveis de Londres e na África, descreve como a teoria da construção do sujeito como vítimas sociais faz das pessoas preguiçosas, perversas e mentirosas sobre a motivação de seus atos. Lendo-o, vemos que existe vida inteligente entre aqueles que atuam em psicologia social, para além da vitimização social que faz de nós todos uns retardados morais.


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