domingo, 29 de novembro de 2015

Crônica - Quem não tem uma amiga feminista?




Comentário Irineu Siqueira Neto:

Meu caro irmão, minha prezada irmã, a matéria a seguir possui algumas palavras do mundo, tais como cerveja, trepar, sexo sem casamento, e outras coisas.

Não seja puritano ao extremo e deixe que isso impeça você de constatar a maestria do texto, principalmente no tocante à Igreja Cristã assume uma posição dúbia sobre seu papel moral e social.

Lembre-se: "Examinai tudo. Retende o bem." 1 Tessalonicenses 5:21

(Grifos meu!)


"Para cada adolescente revoltado, tem um pai ou mãe que não ouve a súplica por um limite que nunca lhe deram."

Quem não tem uma amiga feminista? Até mesmo eu, que já falei dela aqui e aqui. Ela é um ser singular que me desperta um carinho inexplicável, muito próximo à misericórdia cristã.

Nossos encontros sempre são repletos de frases e momentos marcantes, por isso os reproduzo em crônicas. Desta vez não foi diferente.

Logo que cheguei de viagem, saí com meu amigo Ganso (não é o jogador) e mais outro, que não vou revelar o nome, para tomar uma cerveja no Capital da Vila da Anchieta, aqui em São José dos Campos. Garrafa vai, garrafa vem, eis que surge minha amiga feminista com uma camiseta do outubro rosa, sem se importar de já estarmos em novembro, quase dezembro.

Era a mesma figura de sempre: tinha os olhos rútilos e o passo desregulado. Os cabelos ondulados sem qualquer aprumo lhe dão um ar selvagem, que flutua entre o desleixo e o sexy quase despretensioso. A mente masculina, que muitas vezes acha uma mulher de pijama mais bonita que maquiada, é mesmo bastante fetichista.

Com olhos lassos de uma volúpia cansada, ela me encara com uma hipótese de sorriso cínico e charmoso. Nas axilas, um pelo sequer. Ela deixou sua beleza respirar, pena que suas flexibilizações ao feminismo têm curta duração.

— Se cuida, se cuida, se cuida seu machista, a América Latina vai ser toda comunista! — Ela cantou, com ritmo e desânimo, antes de me dar olá e me dar bochecha para beijar.
— Oi, sua maluca. Como você está, tudo bem?
— Maluca por quê? Você acha que toda mulher é maluca?
— Desculpa.
— Você é tão machista, só te suporto porque... Não sei porque.
— Eu te acho massa — disse, roubando a gíria que roubei dos nordestinos do acampamento em Brasília.


Ela deu um meio sorriso, cumprimentou os outros dois que me acompanhavam e se sentou.

— Passeando?
— Estou com uma amiga, numa mesa lá fora. Só entrei pra mijar no banheiro.
— Muitos detalhes.
— Mulher não mija?
— Faz xixizinho.
— Machista!


Era uma provocação saudável. O fanatismo de minha amiga feminista é muito elástico. Depende de diversos fatores que até hoje não consegui enumerar. Humor, vida pessoal e frustrações recentes são alguns.

Pedi outro copo para o garçom, percebendo que ela ficaria ali por um tempo, sobretudo porque notei que ela jogava um charminho para aquele meu amigo, o qual omiti o nome. Quando o copo chegou e fui servi-la, ela disse que tinha mão e que não precisava da minha “gentileza”. Disse gentileza num tom profundamente sarcástico. — E, aliás, não estou bebendo, ela concluiu.

Achei estranho. Minha amiga feminista sempre estava bebendo e, mais do que isso, sempre estava bêbadinha. Podia jurar que ela estava bêbada, ali, naquele instante.

— Por que não?

— Tô tomando remédio. Prozac, Rivotril e outros antidepressivos.

Disse isso com um espasmo de orgulho, quase exibicionista. Para ela, assim como para muitos, ter depressão é charmoso, lembra filme noir ou nouvelle vague. São os suicidas de Lana Del Rey: queriam estar mortos, mas não se matam. Eis o niilismo de nossos tempos, onde Sartre do Wikipédia é festejado.


Logo notei que meu amigo, aquele que omiti o nome, correspondia aos sinais e puxava assunto. Mudou a postura, a entonação da voz, os gestos já não eram tão naturais, a barba era coçada o tempo todo, etc, etc.

— Viva o feminismo — disse minha amiga, sem mais nem menos, erguendo o copo, numa ironia melancólica. Viva, responder e brindamos. Num descuido, ia voltar o copo à mesa, mas ela me impediu: — beber sem brindar, sete anos sem trepar.

Sorri, levei o copo à boca, sorvi a cerveja e sorri. Lá estava minha amiga feminista. Devia trepar regularmente com os mais diversos parceiros — o próximo já se acentuava — no afã de se sentir mais feliz, mas logo em seguida precisava se entorpecer de remédios, quando não de bebidas ou outras drogas.

Fiquei pensando: Será que ela não percebe que a resposta não está ali? Até quando ela abraçará o feminismo, se afastando de sua natureza e se aproximando da sepultura? Se a cada dia que passa as mulheres estão mais tristes, sozinhas e melancólicas, é porque acatam o feminismo que destrói o feminino e subverte a natureza da mulher, dizendo que é social o que é natural.

Ai quem me dera poder dizer isso a minha amiga feminista, sem temer por uma cusparada na cara.

Foi quando apareceu a amiga feminista de minha amiga feminista. Pequena, magra, frágil, bem diferente de minha amiga, mas com as mesmas convicções e ódios, ou muito mais. Seus olhos faiscaram ao ver sua amiga (ou minha amiga?) sentada numa mesa com três homens.

Se eu tivesse visto os olhos de Valerie Solanas, presumo que seria como ver aqueles: negros, pequenos e desregulares; cheios de convicções confusas e medo castrado. Minha amiga nem se despediu, foi “chispando”, como a moça de O Mito, de Carlos Drummond de Andrade (mas de novo?)

Da parte superior, olhei-as saindo. Dava para se sentir de longe o desespero e a sensação de deriva que as habitam. Lembrei-me de minha última crônica e pensei: Neste mundo de abundância e permissões irrestritas, os jovens buscam na fé, seja ela de qual for, justamente o que não encontram nos dias de hoje: normas, valores e um caminho que possam lhe trazer sentido às vidas.

Para cada adolescente revoltado, tem um pai ou mãe que não ouve a súplica por um limite que nunca lhe deram. 

No ocidente niilista e existencialista, onde estes jovens encontrarão o que procuram? Ou o Islã toma o lugar moral da Igreja, ou definhamos por conta própria, duvidando de tudo, menos de nós mesmos, os mais imperfeitos, nutridos de muita auto-ajuda.

Lá de cima, vi minha amiga feminista oferecendo a boca e tendo um beijo recusado. Uma grande, a outra pequena; uma firme, a outra dúbia. Uma mulher, duas mulheres, seguindo, sem rumo e convictas de estarem caminhando para algum lugar.

Phonte: Reaça

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