segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Islamismo, ou Sunismo versus Xiismo: a questão do Islã na geopolítica

corão

“Sabe-se que os sunitas formam, hoje, o maior ramo do Islão: cerca de 84% do total dos muçulmanos.  A origem da expressão sunita pode ter derivado da palavra Suna (Sunna), que se refere aos preceitos estabelecidos no século VIII segundo os ensinamentos de Maomé e dos quatro califas ortodoxos (obs. minha:  khalif, em árabe, quer dizer: “sucessor” e, por extensão, de Maomé).

O termo também pode significar “um caminho moderado”, expressando uma posição mais neutra do que aquelas tidas como mais extremadas, como é o caso dos xiitas (mas o atual
Estado Islâmico, que é sunita, tem se revelado a mais extremista das facções islâmicas, acrescento eu).

Estes implicam o segundo maior ramo de muçulmanos e consideram Ali, o genro e primo do profeta Maomé, como o seu sucessor legítimo, e consideram ilegítimos os califas sunitas que assumiram a liderança da comunidade muçulmana após a morte de Maomé” (texto de Maristela Basso, reproduzido em Rede Liberal em 9/2/2015).

Só houve um momento de união entre os árabes, foi durante o governo do próprio Maomé. Com a morte do profeta, as dissenções se espalharam pelo mundo árabe.

Na realidade, não se pode falar em “nações” árabes, porque não há unidades nacionais, mas sim tribais e de facções religiosas, como os sunitas e xiitas.

No filme Lawrence da Arábia, de David Lean, bastante fiel à realidade histórica, o tenente do Exército Britânico, T.E. Lawrence, consegue realizar uma proeza digna de Maomé:

Consegue unificar as tribos árabes, mas não as fazendo aceitar um deus único, Allah, pois isto Maomé já tinha feito há muito tempo, porém para expulsar os invasores provenientes do Império Otomano.

Os otomanos e/ou turcos eram de religião muçulmana, mas não de etnia árabe (um ramo da etnia semita).

Como se sabe, o Império Otomano (Turco) acabou depois da Primeira Guerra, com a fundação da República Turca, mas durante a Guerra ele era aliado do Kaiser alemão e inimigo dos britânicos, por sua vez,  aliados dos árabes na Arábia Saudita e na Síria.

Expulsos os otomanos, foi feita uma grande reunião em Damasco (Síria). Lawrence, conhecido pelos árabes como El Orans e reconhecido como seu grande líder de guerra, propôs então a criação de uma grande nação árabe.

Imediatamente, um morubixaba de uma tribo lançou uma objeção: “Árabe? Eu não sei o que quer dizer isto. Eu sou da tribo X”. Seguiram-se outros morubixabas dizendo: “E eu sou da tribo Y” E outros ainda: “E eu sou da tribo Z, e assim por diante.

Unidos na guerra, desunidos na paz! – assim são os “árabes”, nome que designa uma etnia semita, “irmãos” dos judeus e descendentes de Ismael, filho bastardo de Abraão com a escrava Agar, oferecida por sua esposa Sara a ele porque ele desejava um herdeiro, mas ela estava estéril, conforme diz a Torah (o mesmo que o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia).

Como sabemos, a esterilidade e a impotência são dois motivos aceitos para o divórcio, não só no judaísmo como também nas três grandes religiões abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islamismo, na ordem da Revelação.

O Iraque possui uma minoria sunita, mas a maioria dos iraquianos é xiita, como uma maioria dos iranianos, embora estes não sejam de etnia semita, mas sim ariana. O maior país islâmico, a Indonésia, também não é de etnia semita, porém malasiana.

Por meio de “voto declarado”, Saddam Hussein, que era sunita, assumiu o poder e o exerceu de forma totalitária perseguindo os xiitas. Acabou provocando uma guerra sangrenta contra o Irã. Much ado about nothing! (Muito barulho por nada)!

Com a ocupação do Iraque pelos americanos, Saddam Hussein foi deposto, julgado por uma corte de Justiça iraquiana e condenado à morte na forca.

Mas a ocupação terminou quando o “grande estadista” Obama decidiu que o Iraque estava pacificado e tinha se tornado uma democracia.

M’engana qu’eu gosto! Só haverá democracia em países árabes quando o Saci andar de patinete, embora formalmente a Turquia e a Jordânia sejam democracias, como a Venezuela o é a seu bolivariano modo.

E tanto era assim, como julgava Obama, que tinha havido uma votação secreta – ao contrário do voto declarado dos tempos de Saddam Hussein – e o partido deste mesmo, o Baat (sunita), tinha perdido as eleições. Coisa que não é de surpreender, uma vez que os xiitas sempre foram a maioria no Iraque,

Assumiu o governo de transição Al-Malaki, mas que era de um partido xiita. Resultado: os perseguidos passaram a ser os sunitas.

Parece até o cristianismo católico que, de perseguido na Antiguidade, passou a perseguidor na Idade Média. A Santa Inquisição, a heresia dos Cátaros e a dos Albigenses, estão aí mesmo, para não me deixar mentir.

Conta-se que quando o exército do rei Filipe Augusto invadiu uma cidade do sul da França dominada pelos cátaros, o comandante da tropa de invasão, conde Simon de Montfort, foi procurar o bispo supervisor da mesma alegando que não sabia distinguir quem era e quem não era cátaro.

E o piedoso bispo deu uma resposta direta: “Mate-os todos! Deus saberá reconhecer os seus”. Upa-lê-lê! Este bispo parece até um líder terrorista muçulmano.

E é como eu sempre digo: quando os árabes não têm nenhum inimigo externo – como o Império Otomano na Primeira Guerra – eles brigam com eles mesmos, sunitas contra xiitas. Os dois consideram, um ao outro, como infiéis.

Segundo penso, islamismo é um flatus vocis; o que existe na realidade é sunismo e xiismo, unidos apenas pelo mesmo deus, Allah, mas separados em tudo o mais.

Um general sunita de Saddam Hussein fugiu para o norte do Iraque e acabou fundando o Estado Islâmico, que é na realidade um califado sunita pretendendo retomar os grandes califados d’antanho, como o Califado de Bagdá (Iraque).

E o Califado Islâmico se estendeu para o leste da Síria, estabeleceu sua capital em Raka, mas pretende se expandir por todo o mundo árabe com franco apoio da sunita Arábia Saudita, patrimônio perpétuo da dinastia Saud que nem a dos Kim na Coréia do Norte.

Hitler dizia: “Hoje a Europa, amanhã o mundo”, e o morubixaba do Estado Islâmico bem poderia ter dito: “Hoje parte da Síria e do Iraque, amanhã o Oriente Médio e depois de amanhã a Europa” e depois, Insh’Allah!, o mundo.

Se você não está com medo, é porque não leu – ou leu mas não levou a sério – Samuel Huntington: O Choque de Civilizações e Guy Sorman: A Invasão dos Bárbaros.

A meu ver, um título que ficaria melhor, para a obra de Huntington, seria: A Barbárie Islâmica Contra A Civilização Ocidental.

Estão aí mesmo os massacres das Torres Gêmeas e o de Paris, só para não me deixar mentir. E isto para não falar nos pescoços não-sunitas degolados pelo Califado em Raka e outras cidades da Al-Jazira (nome árabe do norte da Mesopotâmia e, posteriormente, de um famoso canal de TV árabe).

Boa parte da Síria é comandada pelo ditador Bashar Al-Assad, tão ou menos xiita quanto o Ayatolah do Irã. Não é de surpreender, portanto, que o Estado Islâmico sunita, também conhecido como Isis, que estabeleceu sua capital em Raka (Síria), esteja combatendo o regime de Al-Assad.

Com os democratas no poder, Obama combate toda e qualquer ditadura no Oriente Médio e redondezas. Interviram na Líbia e depuseram Kadhafi, e o que aconteceu com a queda do facínora líbio? O caos, com muitas facções rivais brigando umas com as outras pelo poder totalitário.

Obama apoiou a revolta da Praça Tahir (Cairo) e uma ditadura foi substituída por outra, a da Irmandade Muçulmana (facção terrorista). E a Primavera Árabe da Hilária Clinton transformou-se no Inverno da Nossa Desesperança de John Steinbeck.

Finalmente, Obama decidiu combater, ma non troppo, a ditadura de Bashar Al-Assad fornecendo armas para os guerrilheiros sunitas. E combater os sunitas do Isis, mas por meio de ataques aéreos cirúrgicos, uma vez que o “pacifista” e “politicamente correto” Obama recusa-se a pôr boots on the ground.

Ora bolas, isto é o mesmo que dar um chutão num grande formigueiro. Imediatamente, as laboriosas formigas operárias começam a trabalhar, em breve tempo os reparos serão feitos e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.

Mas o “pacifista” Obama não bombardeia os grandes poços de petróleo e os meios de transporte do mesmo, principal recurso econômico do novo Califado, que ele vende a preço abaixo do preço de mercado e sem o qual ele se torna incapaz de sustentar uma guerra.

Nunca me esquecerei daquele óbvio ululante proclamado por um general naquele filme sobre a Guerra de Secessão americana: “Um exército, para lutar, precisa comer”, dito diante da falta de suprimento para seus soldados.

Mas nem Obama nem Hollande, nem mesmo Putin, perceberam esse óbvio, “que grita e esperneia diante de seus olhos e ouvidos”, como diria o saudoso Nelson Rodrigues.

Por que não? Não posso censurar quem pense que Obama é “parente” de Osama, na realidade um grande Muslin-lover, como certamente Benjamin Netanyahu o vê, principalmente após seu acordo nuclear com iranianos carentes de credibilidade, colocando em sério risco a segurança no Oriente Médio.

Obama fornece armas para os sunitas sírios e iraquianos derrubarem a ditadura xiita de Al-Assad. Suponhamos que consigam: a Síria terá uma democracia? Nunca! Tomará o poder uma facção sunita aliada do Estado Islâmico, para fortalecer o mesmo!

É por isto que Putin – que de democrático nada tem, mas é uma raposa política das mais felpudas – bombardeia o Estado Islâmico e os rebeldes sunitas sírios, enquanto aliado de Bashar Al-Assad. “Se é para a Síria ter sempre um ditador, fico com o que aí está e com quem tenho feito bons negócios”, deve ter pensado o novo czar da Rússia.

Como os tempos mudaram neste período de pós-guerra fria! O Presidente dos Estados Unidos é “socialista” e “pacifista” e o manda-chuva da Rússia está mais preocupado com o gasoduto russo, grande fonte de renda para seu país.
  
   

Sobre o autor

Mario Guerreiro

Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

Fonte: Instituto Liberal

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