sábado, 26 de dezembro de 2015

O Mistério e a Glória da Encarnação


Por Mark Jones

Chegamos naquela época do ano em que muitos cristãos celebram a encarnação do Filho de Deus. Ao pensar a respeito e meditar sobre a encarnação, aqui estão algumas verdades para se ter em mente.

A encarnação tem sido chamada de milagre dos milagres.

Ninguém além de Deus poderia pensar em uma “obra” assim. De fato, ninguém além de Deus poderia realizar uma obra tão difícil e gloriosa como a encarnação do Filho de Deus. Ela é a “a maior demonstração da sabedoria, bondade, poder e glória de Deus” (James Ussher). Ou, como Goodwin colocou de forma bela, “Céu e Terra se encontram e se beijam, a saber, Deus e homem”.

A encarnação deve nos deixar maravilhados

Por quê? Porque, como Bavinck diz, é “completamente incompreensível para nós como Deus se revela e, de certa forma, se faz conhecido, nas coisas criadas: eternidade no tempo, imensidão no espaço, infinidade no finito, imutabilidade na mudança, o ser que era tudo se tornando em nada. Esse mistério não pode ser compreendido; só pode ser gratamente reconhecido. Mas mistério e contradição não são sinônimos”.

A encarnação é o fato central da história e da confissão da igreja

“Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne” (1 Timóteo 3.16). Mesmo antes da Queda, Deus decidiu eternamente que o Filho deveria assumir a natureza humana, consistindo de corpo e alma. Como o Filho eterno, que não tem início nem fim, ele sempre foi conhecido como aquele que se tornaria “o encarnado”. Mas o que significa para o Filho de Deus se fazer encarnado?

A encarnação é um ato do Deus triúno

Todas as três pessoas da Trindade tem parte na encarnação do Filho de Deus. Em resumo, a autoridade do Pai, o amor do Filho e o poder do Espírito Santo estão trabalhando na gênese do Deus-homem, Jesus Cristo.

Hebreus 10.5 se baseia no Salmo 40.6 para falar do corpo que foi preparado para Cristo pelo Pai: “… antes, um corpo me formaste…”. O autor de Hebreus trata diretamente da humanidade de Cristo, incluindo um detalhe importante sobre quem “formou” o corpo que o Filho tomaria. Com “corpo”, o autor, por uso de uma sinédoque (a parte pelo todo), se refere à alma também. No contexto de Hebreus 10, a natureza humana de Cristo é necessária para Cristo poder oferecer um sacrifício.

O Pai “ordenou, formou, apropriou e permitiu que a natureza humana de Cristo viesse a existir e cumprisse o que lhe devia cumprir quando veio ao mundo” (William Gouge). Deus trabalha dessa forma com todos os seus servos a quem ele equipa para realizar tarefas especiais, especialmente seu Filho, que foi enviado pelo Pai à semelhança de carne pecaminosa (Romanos 8.3). 

Deus preparou um corpo sem pecado e habilitou Cristo com os dons e graças necessários para realizar a obra do mediador. Por fim, o Filho precisava de um corpo para poder oferecer um corpo. Ele precisava de um corpo para que sua ressurreição corpórea pudesse ser o protótipo da ressurreição dos nossos corpos.

Se o Pai foi responsável, como arquiteto mestre, por “projetar” e “preparar” o corpo que o Filho assumiria, o Espírito Santo, como um construtor mestre, foi o responsável pela formação de fato da natureza de Cristo no ventre de Maria: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lucas 1.35). 

O Espírito Santo carrega a responsabilidade da vida espiritual e física de Jesus (Mateus 1.18, 20). Ussher fala do ventre de Maria como a “câmara-noiva” onde o Espírito “costurou esse nó indissolúvel entre nossa natureza humana com sua Divindade”. Que privilégio para o Espírito Santo, forjar a natureza humana de Jesus para a obra da redenção e, por consequência, da glorificação futura.

A decisão de fato, entretanto, de assumir a natureza humana, pertence ao Filho. Tudo que Jesus faz por seu povo deve ser voluntário, não forçado. Isso inclui a decisão de tomar para si a união de si mesmo com a natureza humana verdadeira (corpo e alma). Essa decisão pode ser chamada de “A decisão”, em termos de seu significado temporal e eterno para a humanidade.

O significado da encarnação é destacado pelo envolvimento trinitário de Deus nesse ato tão grandioso.

A encarnação é gloriosa

Na união das naturezas humanas e divinas, a maior distância possível permanece. O criador é identificado com uma criatura. Em Cristo, se vê a eternidade e a temporalidade, a bênção eterna e o sofrimento temporal, onipotência e fraqueza, onisciência e ignorância, imutabilidade e mutabilidade, infinidade e finitude. 
Todos esses atributos contrastantes se juntam na pessoa de Jesus Cristo. Como o puritano Stephen Charnock testificou de forma tão eloquente:

“Que maravilha que as duas naturezas infinitamente distantes fossem tão mais intimamente ligadas do que qualquer outra coisa no mundo. Que a mesma pessoa tivesse tanto glória quanto sofrimento; uma alegria infinita na Divindade, e um sofrimento inexprimível da humanidade! Que o Deus assentado no trono se tornaria um bebê na manjedoura; o criador trovejante se tornasse um bebê chorando e um homem sofrendo; a encarnação espanta os homens sobre a terra e os anjos no céu”.

A encarnação abre a possibilidade de comunhão entre Deus e o homem

O Filho, para usar as palavras de Warfield, “desceu uma distância infinita para alcançar a mais alta exaltação concebida pelo homem” (Filipenses 2.6-11). Deus não pode ter comunhão com o homem exceto por alguma forma de condescendência voluntária. Tal rebaixamento divino na encarnação não é apenas voluntária, mas também a mais gloriosa possibilidade, porque, através de Cristo, somos levados a Deus.

Afinal de contas, se Jesus fosse, em todas as coisas, apenas um homem, ele estaria na mesma distância infinita para Deus como nós estamos. Da mesma forma, se Jesus fosse, em todas as coisas, apenas Deus, ele estaria apenas do outro lado da mesma distância. Como o Mediador, entretanto, ele estreita o abismo entre o Deus infinito e o homem finito. Tudo que pertence a Deus, Jesus possui. Tudo que faz alguém verdadeiramente homem, Jesus possui. Dificilmente poderíamos melhorar o testemunho de Charnock:

“Ele tinha tanto a natureza que foi ofendida quanto a natureza que ofendeu: a natureza para agradar a Deus e a natureza para nos agradar: uma natureza onde ele experimentalmente conheceu a excelência de Deus, que foi agredida, e entendeu a glória devida a Ele, e consequentemente o tamanho da ofensa, que seria medida pela dignidade de sua pessoa: e uma natureza onde ele seria sensível às misérias contraídas pelo, e aguentar as calamidades devidas ao, ofensor, para que ele pudesse tanto ter compaixão quanto fazer a propiciação devida. Ele tinha duas naturezas distintas capazes das afeições e sentimentos das duas pessoas que o compunham; ele era tanto o juiz dos direitos de um quanto dos deméritos do outro”.

Jesus aprendeu e Jesus sabia de todas as coisas; Jesus morreu e Jesus dá vida para todos os seres viventes; Jesus foi amamentado por sua mãe e provê o alimento à sua mãe com o que ela o alimentava. Apenas a encarnação do Filho de Deus pode explicar essas afirmações. Assim, dizemos com Lutero:

“Todo o louvor a Ti, Deus eterno,

Que, revestido de sangue e carne,

Faz da manjedoura Teu trono,

Quando todo o universo Te pertence.

Aleluia!”

A encarnação do Filho de Deus significa que Jesus é eternamente Deus e homem

Ele não pode abrir mão de sua humanidade após ascender ao céu, como muitos cristãos imaginavam, e ainda o fazem. A união é indissolúvel; ele é o Filho de Deus ressurreto em poder, de acordo com sua humanidade (Romanos 1.4).

Isso nos mostra o quanto Deus ama “a carne” (isso é, a natureza humana). Deus se identifica para sempre com a humanidade por causa da encarnação. Assim, o céu um dia será um lugar “encarnado” nos Novos Céus e Nova Terra. Não “pecaminoso”, mas certamente um lugar onde seremos verdadeiramente humanos, porque seremos perfeitamente conformados, de corpo e alma, ao homem Jesus Cristo (Filipenses 3.20-21; 1 Coríntios 15.49).

Nosso pecado inerente será completamente abolido. Para que corpos e almas possam ser redimidos, Jesus deveria possuir um corpo e uma alma, visto que o que não fosse assumido por Cristo não poderia ser restaurado. Um não é mais importante que o outro, como se desejássemos o dia em que deixaremos nossos corpos para trás e nos tornaremos almas “flutuantes”. Longe disso. Desejamos o dia em que nossos corpos e almas serão ambos transformados à semelhança do glorioso corpo de Cristo (1 João 3.2).

A encarnação explica por que o céu será para sempre

Como estamos (corpo e alma) unidos a Jesus Cristo, nosso noivo (que possui tanto corpo quanto alma), o céu nunca acabará. Uma dessas coisas precisaria acontecer: Jesus precisaria deixar de existir, ou Deus precisaria pecar. Ambos são impossíveis. Por que Deus teria que pecar? Por que Deus precisaria aprovar nosso divórcio, algo que ele odeia (Malaquias 2.16), para que deixássemos de existir. A união entre a noiva e o noivo no céu é garantida pela imutabilidade de Deus, e pela de Cristo também, que mantém a união que não pode ser dissolvida.

A lei de Deus será cumprida no céu, tanto por Cristo quanto pelo seu povo. Nós, que entraremos no descanso do Sábado (Hebreus 4.11) não só iremos amar o Senhor nosso Deus com todo o nosso coração, alma, mente e forças (isso é, o primeiro, o segundo e o terceiro mandamentos), mas também iremos amar nosso noivo (o sétimo mandamento). O tipo de amor que Cristo terá por sua noiva nos manterá completamente a salvo de desejar qualquer outro amor.

A encarnação deve ser imitada

Paulo escreve “Tende em vós o mesmo sentimento” antes de descrever tudo o que esteve envolvido no Filho de Deus se humilhar até a morte, e morte de cruz (Filipenses 2.5-11). Depois das palavras “Cristo, nosso Redentor”, as palavras “Cristo, nosso Exemplo” são as mais precisas para os cristãos. Não nos é dito que devemos imitar um pedinte para exemplificar humildade, mas que devemos imitar o Deus glorioso. 

A graça da humildade cristã começa ao imitar a encarnação do Filho de Deus. Para imitar a encarnação, precisamos entendê-la; e para entendê-la, precisamos meditar nela. Sim, de fato, grande é o mistério de nossa religião:

“O criador do homem se fez homem,

para que Ele, Regente das estrelas, pudesse ser amamentado por Sua mãe;

para que o Pão sentisse fome,

a Fonte sentisse sede,

a Luz dormisse,

o Caminho se cansasse da jornada;

para que a Verdade fosse acusada de falso testemunho,

o Mestre fosse açoitado,

a Fundação fosse suspensa no madeiro;

para que a Força fosse enfraquecida;

para que o Cuidador fosse ferido;

para que a Vida morresse.”

– Agostinho de Hipona


Traduzido por Filipe Schulz no Reforma21

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