terça-feira, 26 de abril de 2016

Crianças torturadas em centro de umbanda: Juíza recebe denúncia de outros 20 casos suspeitos de tortura em ritual


Denúncias vieram à tona após menina de 10 anos ser internada no HUT. Criança apresentou sintomas de intoxicação e cicatrizes em formato de cruz.

A juíza da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Melo, recebeu do Conselho Tutelar a denúncia de que mais de 20 crianças teriam sido submetidas a torturas durante rituais no mesmo salão de umbanda que fica a 20 km da cidade de Timon, no Maranhão. 

Os casos vieram à tona após uma menina de 10 anos ser internada em estado grave apresentando sintomas de intoxicação, cicatrizes pelo corpo em formato de cruz e a cabeça raspada. As filhas
da dona do salão religioso negaram que exista qualquer tipo de tortura no rituais realizados no local.

“Para evitar que elas tenham o mesmo destino da menina de 10 anos internada com intoxicação, autorizei o Conselho Tutelar a recolher qualquer criança desacompanhada que apareça com as mesmas características dessa vítima (cabelo raspado e cicatrizes em forma de cruz). Elas serão levadas para um abrigo, podendo os pais ter a suspensão da guarda ou até mesmo a destituição do poder familiar. O Conselho tem 24 horas para informar esses casos”, falou a juíza.

A menina está desde o dia 14 internada na UTI do Hospital de Urgência de Teresina (HUT). De acordo com o médico e diretor da unidade, Gilberto Albuquerquer, a criança já apresentou falência dos sistemas nervoso e renal. Médicos aguardam o laudo de exame pericial feito no líquido ingerido por ela para poder abrir protocolo e investigar a morte cerebral.

Os pais da vítima informaram à polícia que frequentavam um salão de umbanda em Timon, no Maranhão, para tratar a asma da filha e pagariam R$ 3 mil pelo tratamento. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.

Na avaliação da juíza Maria Luiza, nesse caso, as crianças estão em situação de risco, sendo obrigadas a tomarem chás ou bebidas tóxicas, e cortadas com lâminas ou objetos pontiagudos. “Não acredito que isso seja religião, mas sim crime de tortura", declarou a juíza.

Juíza Maria Luiza de Moura Melo Freitas também acompanha caso
Maria Luiza de Moura Melo disse também que irá comunicar o juiz da comarca de Timon para punir os responsáveis pelo salão de umbanda. Segundo ela, essas pessoas podem ser punidas por lesão corporal e crime de tortura. "Cabe ao Ministério Público tipificar a responsabilidade criminal e pedir o fechamento do local onde os rituais são feitos", falou.

O delegado geral de Polícia Civil do Piauí, Riedel Batista, reiterou que o caso da menina de 10 anos será acompanhado pela DPCA e os demais registros de tortura que tenham sido praticados no salão de umbanda em Timon serão investigados pela Polícia Civil do Maranhão.

A juíza lembrou ainda que há um ano apareceu outro caso parecido. Cerca de 30 crianças foram encontradas com os familiares reclusas em um cativeiro na capital. Elas seriam obrigadas a tomar uma sopa com veneno de rato.

Filhas de dona de salão negam tortura


Em entrevista ao G1 na semana passada, duas filhas da proprietária do salão de umbanda, onde os pais levavam a menina, negaram que as pessoas que frequentam o local sejam torturadas. Sem quererem se identificar, as mulheres afirmaram que os cortes nos praticantes de umbanda são superficiais e feitos com o consentimento dos responsáveis.

“São pequenos cortes feitos no corpo, como se fossem uma raladura qualquer. A retirada de sangue do corpo da pessoa simboliza a vida. Do mesmo modo, as pessoas têm a cabeça raspada para simbolizar o renascimento, já que todos os seres nascem sem cabelos. 

Não praticamos tortura com ninguém, até mesmo porque quem deita santo [termo usado para quem passa pelo ritual] sabe o que está sendo feito, no caso da criança os responsáveis aceitam tudo”, relatou uma das mulheres

Liquido que a criança pode ter ingerido  (Foto: G1)
Liquido que a criança pode ter ingerido 
Uma das filhas da proprietária do salão de umbanda afirmou que ela e seus filhos passaram pelos procedimentos várias vezes e nunca sentiram nada e negou o uso de bebidas nos rituais. De acordo com a mulher, o ritual acontece da seguinte forma: a pessoa doente fica recolhida no quarto durante sete dias, recebendo apenas orações.

“Nós temos algumas cicatrizes pelo corpo, mas quase imperceptíveis e nunca sentimos efeitos colaterais. Sempre passamos por isso quando sentimos algum problema de saúde ou de qualquer outra coisa. Além disso, não existe o uso de garrafada [mistura de ervas] para os praticantes de umbanda”, afirmou a mulher.

Sem deixar fazer o registro de foto ou vídeo, as mulheres mostraram algumas marcas pelo corpo e apresentaram os filhos com a cabeça raspada, informando que eles passaram pelos mesmos rituais. “Eu tenho marcas nos braços e no pescoço e meus filhos também. Eles também tiveram as cabeças raspadas. Isso para nós é normal, como qualquer outra religião”, disse uma das filhas.

Mais denúncias

Além da menina de 10 anos internada, o Conselho Tutelar IV de Teresina investiga se outras três crianças também teriam sido torturadas em rituais de magia negra. Segundo a conselheira Socorro Arrais, elas apareceram na escola com os cabelos raspados e cicatrizes em forma de cruz feitas com lâminas.

"Já entregamos estas novas denúncias à DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente] e encaminhamos o relatório com todos os casos à Justiça. Estamos tentando identificar os pais dessas crianças e evitar que elas tenham o mesmo destino da menina de 10 anos", comentou a conselheira.

Estado de saúde

Para o diretor técnico do Hospital de Urgência de Teresina (HUT), Fábio Marcos de Sousa, a substância tóxica ingerida pela menina determinou um quadro neurológico grave e irreversível, que teve caráter progressivo.

"Coletamos material no estômago da garota e a família também entregou um frasco de vidro contendo o líquido supostamente ingerido pela menina. Encaminhamos tudo para um laboratório em Goiás e a análise do teor da bebida deve sair em 10 dias. Somente com este laudo em mãos vamos abrir o protocolo para confirmar a morte encefálica da paciente", explicou o médico.


Local frequentado pela família de menina que tomou coquetel (Foto: Reprodução/TV Clube)

Fonte: G1

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