sábado, 30 de abril de 2016

Nosso desastre começa nas faculdades e universidades de economia

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O indivíduo comum, que tem ensino médio completo, possui instintivamente algumas noções básicas de economia.

Ele sabe, por exemplo, que se a quantidade de dinheiro na economia aumentar, isso tende a pressionar os preços para cima. Ele também sabe que o governo, assim como uma família, não deve gastar mais do que arrecada. E sabe também que, se o governo se endividar, o certo seria conter suas despesas.

Esses conhecimentos corretos e sensatos são, tragicamente, exclusividades de quem não possui capacitação formal de Ciências Econômicas — diga-se, diploma de economista. A partir do
momento em que você adentra o mágico universo das faculdades de economia, toda a realidade se torna ficção e tudo o que é ficção passa a ser tratado como se fosse a mais indiscutível realidade.

Para os catedráticos das Ciências Econômicas, toda a sabedoria popular a respeito das noções básicas de economia se equipara à física de Newton, que foi sobrepujada pela de Einstein. A sabedoria popular não se compara aos lampejos profundos que apenas esses catedráticos possuem.

A realidade acadêmica

E lá vamos nós. O aluno entra para o curso de economia tendo em mente que o governo criar dinheiro gera inflação e tendo a noção de que o governo se endividar não pode ser algo bom para a economia. Eis que ele começa a cadeira de Introdução à Economia com um professor formado pela Unicamp.

Em dado momento, o mestre "demonstra" que o aumento de gastos estimula a renda e o emprego. Ele conta a estória de um menino que é muito arruaceiro e joga uma bola de futebol na janela de uma padaria. Um mero leigo em economia diria que aquilo é ruim, pois o dono terá de gastar com o conserto, e, tendo de gastar com o conserto, terá menos capacidade para contratar mais pessoas e fazer novos investimentos.

Mas o keynesiano, iluminado que é, vê uma grande beleza naquela destruição. Graças àquele guri hiperativo, o padeiro terá de contratar um vidraceiro, o qual terá agora uma fonte de receita a mais. E este, por sua vez, terá pagar seus fornecedores, que agora terão uma renda a mais, e assim por diante. O dinheiro vai circular, gerando uma multiplicação de renda inversamente proporcional à propensão a poupar daquela sociedade.[1]

Além dessa história, o professor também começa a plantar sementes na mente de seus pupilos recém-chegados do vestibular. Como quem não quer nada demais, diz que "a inflação tem muitas causas". A própria hiperinflação brasileira, por exemplo, teve como principal causa a indexação (e não o aumento explosivo da oferta monetária feita pelo governo), culpa desses agentes econômicos que insistem em adaptar suas expectativas. Assim, já no primeiro semestre, a cabeça do aluno começa a ser derretida para, mais à frente, ser remodelada por outras cadeiras.

A professora de História do Pensamento Econômico não insinua; diz, com todas as letras, que déficit público é bom. O déficit faz a roda da economia girar. O governo não é como uma família que tem de conter despesas e se virar com seu orçamento, pois, veja bem, ele pode emitir títulos e também se financiar via inflação. Não há razão para essa austeridade malvada. E completa dizendo que "Hayek e esses neoliberais em geral" são tudo contra juros baixos porque não entendem a importância do crédito na economia.

O principal, no entanto, é a Teoria Macroeconômica. Ela é o cerne dessa fábrica de diplomados em Economia que acreditam piamente que o governo aumentar os gastos e o Banco Central manipular os juros são medidas que criam um genuíno crescimento econômico. E que medidas como contenção de gastos e redução da inflação só servem para agradar ao mercado financeiro, sendo meras maldades que não têm como afetar variáveis reais de maneira positiva.

Essa crença advém do ensino da curva IS-LM, mostrada abaixo.



A linha vermelha IS (de Investment—Savings, ou Investimento—Poupança) é uma reta decrescente que, de maneira resumida, mostra o agregado do consumo das famílias, investimento das empresas e gastos do governo. Se o governo financiasse um aumento de despesa simplesmente subindo os impostos sobre o setor privado, a curva ficaria inalterada, pois o aumento dos gastos do governo contrabalança devido à maior arrecadação será contrabalançada pela redução dos gastos do setor privado em decorrência dos maiores impostos. 

Para evitar esse resultado indesejado, o governo deveria incorrer em um déficit (aumentar os gastos por meio do endividamento) para sustentar seus dispêndios extras. Assim, a curva se move para a direita, aumentando o produto agregado, que se convenciona simbolizar por Y (no eixo X).

Como muito crédito foi tomado, sobra menos fundos para empréstimo. Os juros (simbolizados por "i", no eixo Y) sobem. Mas tal resultado indesejado não é nada que os oráculos do politburo monetário Banco Central não possam resolver. Para evitar esse aumento dos juros, basta injetar mais moeda na economia que, como mágica, aparecerão mais unidades monetárias nos bancos para se emprestar e, assim, eles cobrarão menos juros.

Isso é ensinado quando se mostra que a linha azul crescente LM (de Liquidity preference—Money supply, ou Preferência por Liquidez—Oferta Monetária) não só é movida para a direita, engrossando o produto, mas também diminui de altura na ordenada, representando a queda dos juros. Ou seja: os expansionismos fiscal e monetário estimulam a economia porque o primeiro aumenta a demanda agregada e o último reduz os juros, possibilitando novos investimentos.

E assim, aquela pessoa que entra no curso de Ciências Econômicas sabendo que um Banco Central com política frouxa só consegue criar inflação, pois não altera variável alguma da economia real, sai da faculdade dizendo amém para compras maciças de títulos públicos no open market, em nome da liquidez. 

E é assim que alguém entra na Economia com o entendimento de que o estado se endividar até o pescoço vai causar uma crise termina o curso e se torna "defensor de políticas indutoras do crescimento". Por exemplo, se os países da União Europeia aceitarem realizar as medidas de corte impostas proposta pela Alemanha, eles estarão se enforcando numa espiral recessiva!

Afinal, os alunos de Economia, no seu intento de apenas conseguir o diploma, não costumam tomar a iniciativa de procurar outros meios de conhecimento. Por que ser autodidata se ele pode receber tudo mastigadinho do professor? Porque, logicamente, daria trabalho conhecer teorias que dizem o contrário do que lhe é ensinado. Ele teria de, ó céus, usar seu raciocínio crítico para confrontar essas visões entre si e julgar qual faz mais sentido.

Imagine se ele ousasse estudar a Escola Austríaca de Economia e descobrisse que o expansionismo monetário estimula investimentos que, se no início parecem sensatos, no final acabam se revelando insustentáveis. O aluno veria que a poupança é o que possibilita um real crescimento duradouro, e não a simples criação de dinheiro para ser emprestado.

Por exemplo, a abstenção de consumo de carros (poupança) faz diminuir a produção destes bens de consumo, o que libera recursos escassos e insumos para a produção de bens de capital, que são investimentos que aumentarão a produção no futuro. Porém, no momento em que o Banco Central e o sistema bancário criam novas unidades monetárias, há uma ilusão de que há mais poupança (mais dinheiro disponível para ser investido) do que de fato há. É o começo de uma bolha de crédito.

O consumo de carros se mantém inalterado, assim como a demanda por seus insumos, que agora está ocorrendo em todos os setores da economia. Consequentemente, a expansão do crédito faz aumentar a demanda por recursos e por mão-de-obra em todos os setores da economia, desde indústria e construção civil até os setores de serviço, varejista e comércio em geral. Todos passam a requerer mais mão-de-obra e mais recursos por causa do aumento generalizado da demanda gerada pela expansão do crédito.

Essa disputa por mão-de-obra e por recursos leva ao encarecimento de ambos.

Quem investiu pensando que o momento era propício por causa dos juros baixos manipulados pelo Banco Central, ao longo do tempo verá que os fatores de produção estão encarecendo continuamente (pois a demanda por eles foi estimulada pela criação artificial de crédito). Se o investimento for de maturação muito longa, os custos aumentarão demais e o projeto se tornará inviável, devendo ser liquidado. Esse é o momento considerado como estouro da bolha.

Perceba que é exatamente a política de estímulo monetário ao crescimento a responsável por criar uma crise. Essa é a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.

E, se o governo tentar "retomar o crescimento com políticas anticíclicas", isto é, aumentar os gastos, ele só sufocará ainda mais o setor produtivo. Pelo lado financeiro, ele pressiona os juros para cima. Pelo lado real, ele está consumindo capital e mão-de-obra que poderiam estar na iniciativa privada, encarecendo estes fatores de produção.

Imagine, por exemplo, a redução que haveria no custo dos aluguéis para as empresas se o governo cortasse gastos e, para isso, fechasse um ministério e pusesse para vender o prédio. Um ótimo estímulo para a economia do país possibilitada justamente pela austeridade fiscal.

Só por conta própria

Mas, é claro, se você quiser aprender sobre isso tudo que foi explicado por alto, dependerá da própria curiosidade para fuçar na internet e outros meios. Porque, se você perguntar sobre os austríacos, dificilmente o professor saberá lhe responder. Se questionar algum mantra keynesiano, kaleckiano ou cepalino, certamente levará como resposta "isso é o que os ortodoxos dizem", com um sorrisinho de desdém.

Não é que tudo que se ensine na faculdade seja inútil, ou que nada no ferramental teórico da IS-LM seja aproveitável. Ele é um modelo de curto prazo que tem lá as suas aplicações. Principalmente quando você é um governante que tem, num horizonte próximo, uma reeleição. Durante alguns anos, a economia, de fato, parece reluzir. Quando o longo prazo chegar, a culpa será do sucessor.

É difícil acreditar em coincidência quando um conjunto de teorias econômicas tão convenientes para quem está comando do estado seja propagado mais fortemente nas faculdades federais. As particulares também ensinam esse conteúdo, mas sem aquela ênfase de quem esteja pensando "o que nós deveríamos fazer se fôssemos o governo?". O curso é mais voltado para o mercado de trabalho do que para a formulação de engenharia socialpolíticas públicas.

Assim, você pode escolher.

Ou você toma a pílula que o manterá no conforto de acreditar que todo o conhecimento a ser adquirido está num corpo docente que idolatra Marx e Kalecki, falando numa terminologia que inclui, em pleno séc. XXI, "burguesia e proletariado" e "exército industrial de reserva" (isso quando não estão tendo orgasmos mentais por repetir "o trabalhador gasta o que ganha e o capitalista ganha o que gasta").

Ou você escolhe a pílula que vai deixá-lo sem chão durante meses, pois você não saberá no que acreditar.

Seus professores vivem mostrando que o gasto, por si só, é benéfico ("Não, meu querido, para se investir em uma obra — como um estádio de futebol para a Copa — não precisa haver utilidade para aquela construção faraônica."); que o governo tem de tributar os ricos para que eles não poupem demais da sua renda disponível e causem uma eventual crise por falta de demanda agregada ("Sim, meu querido, tente gastar como se não houvesse amanhã, você vai enriquecer pelo multiplicador! Não tem como dar errado."); e que o governo também deve estimular o consumo via crédito pra aquecer a economia. ("Não, meu querido, isso não vai gerar uma crise de inadimplência no futuro!").

Só que, ao pensar um pouco, ao somente usar a lógica, você vê que faz sentido que as pessoas poupem. Que, se elas consumirem toda a sua renda para tentar levar a economia a uma espiral infinita de crescimento, elas irão, na verdade, ficar pobres. E que, se um empreendimento não tem uma demanda que dê retorno, ele é prejudicial, já que haveria outros projetos que valeriam mais a pena.

Mas, quando tantos professores ensinam o contrário, leva um tempo para se decidir.

Nossos guias seguem essa cartilha - não seja como eles

Por que será que Dilma Rousseff e Guido Mantega pensavam que aumentar os gastos a cada ano não levaria o país a uma crise de dívida? Por que eles martelaram os juros dos bancos para baixo, pressionando o Banco Central a reduzir a SELIC e o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprimir seu spread? Por que liberaram crédito a rodo por parte do BNDES?

Não descarto que essas tenham sido ótimas oportunidades para que políticos pudessem abocanhar seu quinhão com desvios de dinheiro público. Mas a ex-presidente e seu antigo ministro se formaram em faculdades que ensinavam exatamente essa teoria econômica pró-estatismo. Por pura ignorância, eles acreditavam, de coração, que seus modelos pudessem levar a algum crescimento sustentado.

Não queira ser assim. Você pode pesquisar sobre Escola Austríaca, Teoria Austriaca dos Ciclos Econômicos, Mises, Hayek ou qualquer outro termo que lhe interesse na internet. Não tem de concordar com tudo o que os austríacos dizem. Pode preferir outra escola de pensamento.

Apenas não seja um idiota útil que ajuda a alimentar essa falida e desastrosa Matrix intelectual.

[1] N. do E.: se um moleque quebra uma vidraça de uma padaria, obrigando seu proprietário a incorrer em gastos para trocar a vidraça, um economista keynesiano diria que tal ato de vandalismo foi bom para a economia, pois, ao ser obrigado a gastar dinheiro com uma vidraça nova, o padeiro não apenas irá estimular o mercado de vidros, como também irá estimular toda a economia.

O vidraceiro terá mais dinheiro para gastar com seus fornecedores, e os fornecedores terão agora mais dinheiro para gastar com outros setores da economia. Toda a economia sairá ganhando. A vidraça quebrada proporcionou dinheiro e emprego em várias áreas.

Porém, há as consequências que não são vistas. O padeiro ficará com menos dinheiro, fazendo com que ele deixe de comprar um terno. Se antes ele teria a vidraça e o terno (ou o equivalente em dinheiro), agora ele terá apenas a vidraça. O alfaiate deixou de ganhar dinheiro. Os fornecedores do alfaiate deixaram de ganhar dinheiro. Igualmente, os fornecedores de insumos para a padaria — plantadores de trigo, criadores de fermento, cultivadores de leite etc. — também deixarão de ganhar dinheiro, pois a padaria teve de economizar para trocar a vidraça.

O que o vidraceiro ganhou, o alfaiate, todo o setor de tecidos e todo o setor de fornecedores perderam. Estes não poderão gastar este dinheiro com outros setores da economia. Sendo assim, não houve nenhuma criação líquida de emprego. Em suma, se a vidraça não houvesse sido quebrada, o proprietário da padaria poderia ter gasto seu dinheiro para melhorar sua situação em vez de meramente restaurá-la. Isto é o que não é visto

Carlos Marcelo Velloso Wendt é estudante de Ciências Econômicas pela UFRGS e Administração com linha de formação em Comércio Internacional pela PUCRS.

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