quarta-feira, 27 de abril de 2016

Queda Ciclovia Tim Maia: Incompetência ou descaso? Técnicos alertam, em 1926, para ‘acção da água’ na Gruta da Imprensa, na Niemeyer



Amanda Prado*

Quase cem anos depois de inaugurado, o “Viaducto Rei Alberto”, construído para receber o monarca da Bélgica em sua visita ao Brasil, voltou ao centro das atenções com a queda de parte da Ciclovia Tim Maia, no último dia 21 de abril. 

Embaixo do viaduto, que foi criado para amenizar as sinuosidades da Avenida Niemeyer, três aberturas em forma de arco dão sustentação à estrutura. Pela semelhança com uma gruta, de onde se pode ver o mar com maior proximidade, passou-se a chamar a área de Gruta da Imprensa. 

São muitas as lendas e as histórias que giram em torno não só do lugar, mas do próprio nome.

Era 1919, quando as obras de ampliação da avenida foram iniciadas pelo prefeito Paulo de Frontin e aceleradas já no início dos anos 20 na gestão de Carlos Sampaio, que se apressou em fazer retoques de embelezamento da cidade para receber o rei belga. Sampaio não poupou investimentos nos serviços de acesso à Gruta. Quem passa pela via não vê, mas quem desce a escada de pedras que dá acesso à região afirma, com precisão: a vista é de encher os olhos. A origem do nome, em contrapartida, flutua entre duas versões. 

A primeira diz que o nome “Gruta da Imprensa”, o pequeno recanto entre as praias do Leblon e São Conrado, foi uma homenagem do prefeito Carlos Sampaio aos jornalistas que trabalhavam na prefeitura, naquele período, e o acompanhavam em suas excursões pelas obras, conforme O GLOBO publicou na sua edição das 17 horas do dia 10 de março de 1926.

Ponto turístico indispensável daqueles tempos, a Gruta já foi ladeada por jardins e banquinhos por onde transitavam famílias com seus piqueniques de fim da tarde. Casais apaixonados também. Um bar chegou a ser cogitado para o local, mas os técnicos responsáveis pelas vistorias alegaram falta de segurança na região e ainda bradaram que o desaparecimento da Gruta estaria próximo, devido à “fácil deterioração pela acção da água”. 

E os especialistas vislumbravam “o effeito a considerar da água do próprio mar, de grande actividade chímica, e que inicia uma corrosão que actua de baixo para cima”. 

O ano era 1926. Talvez ficassem impressionados ao saber que, 90 anos depois, tudo continua lá. Mas é fato que, com o passar dos anos, a sombra dos arcos imponentes caíram no rol dos pontos de lazer cariocas esquecidos. Antes sinônimo de prosa e churrasco entre amigos, a Gruta foi virando um lugar perigoso, pouco recomendado para quem quisesse se arriscar pelo caminho deserto.

A cena mais corriqueira das décadas de maior movimento era composta por homens com seus molinetes a tiracolo: os pescadores. O que não faltam entre as histórias deles são lendas e mistérios. Alguns chegaram a contar que famílias inteiras teriam sido engolidas pelas águas e que houve até casos de gente descendo pedra abaixo atrás do dinheiro levado pelo vento, segundo reportagem do jornal publicada em 9 de abril de 1984. 

Na década de 80, a poluição das praias da Zona Sul passava a mudar o tipo de peixe mais fisgado pelos frequentadores. Diziam eles que, quando limpo, o trecho era rico em corvinas e cocorocas, mas a sujeira expulsou os bons e deixou só baiacus.


Um acontecimento social que dominou o entorno do Morro Dois Irmãos e a Avenida Niemeyer, entre os anos 1933 e 1954, e reunia até 300 mil espectadores para assistir aos torneios tem a ver com a segunda versão para o nome da Gruta. Eram as corridas de automóveis do Circuito da Gávea, ou “Trampolim do Diabo”, assim chamado devido ao caminho à beira de precipícios, com descidas e subidas íngremes, muitas curvas e diferença de solo nas pistas. 

Na época, alguns jornalistas esportivos acompanhavam as provas apoiados na mureta da Gruta. Um dos episódios mais marcantes dessa área do Circuito foi protagonizado pelo piloto Chico Landi. Em alta velocidade, o paulista, consagrado primeiro ídolo brasileiro do automobilismo, quebrou os dentes ao bater na mureta da Gruta, em uma das corridas de baratinhas.

Em 1935, o pintor Álvaro de Almeida presenteou a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) com um quadro em que figurava o pequeno esconderijo à beira mar. Na ocasião, o jornalista Carlos Maul, então conselheiro da ABI, assim falou, agradecido: “É um quadro que tem para nós dupla valia: a de ser uma obra de beleza e a de fixar um dos mais formosos aspectos da paisagem carioca em que um governo da cidade perpetuou o nome da nossa classe. Esse quadro avivará em nosso espírito a memória do símbolo que ele exprime: a resistência heroica a todas as tempestades”.

Para o historiador Nireu Cavalcanti, o acontecimento trágico do dia 21 de abril na ciclovia expôs as falhas de um projeto que poderia ter sido mais bem elaborado, em contrapartida com a estrutura quase centenária que permaneceu intacta.

— A ressaca não é uma novidade naquela região. A tragédia traçou um paralelo entre dois momentos da engenharia carioca, e mostrou que regredimos. Diferentemente dos antigos engenheiros, hoje, com toda a tecnologia de que dispomos, não fomos capazes de construir algo de acordo com as condições reais do local.

Entre as décadas de 20 e 30, a Gruta da Imprensa chegou a ser procurada por pessoas a fim de cometer suicídio. Um crime que marcou o Rio também teve como cenário as proximidades do local. Foi o assassinato de Cláudia Lessin Rodrigues, em julho de 1977. 

Ali também houve fatalidades. Um caso de grande repercussão foi a morte do jogador gaúcho Ari Ercílio, zagueiro do Fluminense, tragado pelas ondas que batiam nas pedras onde ele pescava, em novembro de 1972, acompanhado da mulher, Helena. 

Dois dias após a tragédia, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, eterno tricolor, publicou em sua coluna no GLOBO do dia 22 de novembro: “Ari estava mais vivo do que nunca. Já voltava. Mas resolveu dar mais dois ou três passos. E veio a queda. Seu corpo desliza, rola, mergulha. Por que pescar ali, onde o pescador está a um milímetro da vertigem, olhando cara a cara o precipício? Outros já morreram naquele local ou nas proximidades.”

*Estagiária sob supervisão do editor Gustavo Villela


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