sexta-feira, 1 de abril de 2016

Trindade Santa: O “evangeliquês” brasileiro precisa conhecer Niceia



No século IV havia muitas divergências a respeito das doutrinas de Deus e de Cristo. Visando resolver as questões, a igreja celebrou seu primeiro concílio universal, a fim de diminuir os conflitos doutrinários. 

Esse concílio ficou conhecido como Concílio de Niceia, foi convocado e presidido por Constantino. Na ocasião foi estabelecida a doutrina da Trindade, expressa no Credo de Niceia (oficialmente chamado de Credo Niceno-Constantinopolitano).

 
Assim como no século IV, tenho percebido em nossos dias a dificuldade que cristãos têm de explicar e fundamentar essa doutrina. Ao visitar algumas igrejas, observo membros que, na tentativa de explicar a Trindade, ensinam heresias. Já presenciei um professor, em um estudo para jovens, negar a doutrina da Trindade, afirmando que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito é apenas o espírito de Deus. Também tenho sido muito questionado por jovens e adolescentes quanto a essa temática, a maioria busca saber como fundamentar essa doutrina na Bíblia ou como entendê-la.

Esse quadro me preocupa, pois estou convencido de que a doutrina da Trindade é a principal da Bíblia, ela é fundamental. Será que o “evangeliquês” brasileiro precisa voltar a Niceia? Nesse cenário escrevo este texto, visando ajudar os cristãos brasileiros a entenderem e explicarem a Trindade quando questionados.

Antes de definir Trindade e explanar como a doutrina se fundamenta nas Escrituras, gostaria de dizer o que ela não é. Trindade não é a noção de que Pai, Filho e Espírito Santo são apenas manifestações distintas da mesma pessoa, Deus o Pai (Sabelianismo). Trindade não é a noção de que que Deus se apresentou de três modos distintos (Modalismo). Trindade não é a noção de que na essência de Deus há três pessoas que coexistem em um relacionamento hierárquico (Subordinacionismo).

Quando se fala de Trindade, precisa-se reconhecer que estamos diante de um paradoxo. Isso significa que a doutrina da Trindade parece conter verdades contraditórias, mas é um ensino bíblico. Por exemplo, a Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana ou a Humanidade e Divindade de Cristo, não se sabe como elas se relacionam mas crer-se que ambas são ensinos bíblicos, o mesmo pensamento se aplica à Trindade. 

Portanto, antes de qualquer definição, é necessário entender e reconhecer que o paradoxo da Trindade é uma verdade que está acima da nossa capacidade de entendimento. 

Digo isso porque a maioria das heresias relacionadas a doutrina da Trindade, que tenho ouvido nesses anos na membresia das igrejas, é consequência da tentativa de explicar a Trindade de forma que faça sentido racional e lógico.

Wayne Grudem define a doutrina da Trindade do seguinte modo: "Deus existe eternamente como três pessoas - Pai, Filho e Espirito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe um só Deus" [1]. Gosto dessa definição pois ela traz três verdades que são necessárias para entender e explanar a Trindade: (1) Deus é três pessoas; (2) As três pessoas são plenamente Deus; (3) Só há um Deus. Também creio que essa definição é adequada para um texto objetivo, como é o caso.

É popular dizer que a doutrina da Trindade encontra-se somente no Novo Testamento. Porém, no Antigo Testamento encontra-se várias passagens que demonstram que Deus existe em mais de uma pessoa (Gn 1.26; 3.22; 11.7; Is 6.8), o que começa a lançar luz na primeira verdade da definição apresentada acima. Muitos teólogos também usam Isaías 61.10 para afirmar que essa doutrina está presente no Antigo Testamento mesmo que não explicitamente.

No Novo Testamento a doutrina aparece de forma explícita e claramente pode-se perceber que Deus é três pessoas distintas. João 1.1-2 diz que "Ele estava no princípio com Deus", se Ele, o Verbo (que é revelado como Cristo nos versos 9-18), "estava com" significa que é uma pessoa distinta. Outros textos fazem distinção entre o Filho e o Pai: Jo 17.24; Hb 7.25; 1Jo 2.1. 

Além disso, em João 16.7 percebe-se a diferença pessoal entre Jesus e o Consolador (que é o Espirito Santo). Encontra-se também alguns versos em que as três pessoas aparecem juntas: Mt 28.19;1Co 12.4-6; 2Co 13.14; 1 Pe 1.2; Ef 4.4-6; Jd 20-21.

Cada uma das três pessoas são plenamente Deus. É evidente que o Deus Pai é plenamente Deus em todo o antigo Testamento, onde Deus é reconhecido como Senhor soberano e em alguns textos do Novo Testamento (At 4.24; Mt 26.39; Mt 6.9-10). Em João 1.1-4 é notório que Jesus é plenamente Deus, além de outros textos como: Jo 20.28-29; Hb 1.1-3; Tt 2.13; 2 Pe 1.1; Rm 9.5. Em Isaías 9.6 a profecia apresenta o Messias como "Deus Forte". 

O Espirito Santo também é plenamente Deus, basta observar textos como: At 5.3-4; 1Co 3.16. Entendendo que Deus Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as "expressões trinitárias" que aparecem nos textos que foram apresentados no parágrafo acima (Mt 28.19; 1Co 12.4-6; 2Co 13.14; 1 Pe 1.2; Ef 4.4-6; Jd 20-21), também podem ser usados como base para afirmar que o Espirito Santo é plenamente Deus. 

Vale observar que, afirmar que as três pessoas são plenamente Deus, implica em crer que tais são iguais em poder e que andam em comunhão perfeita e indissociável (pois Deus é perfeito e imutável: Jó 11.7; Sl 102.25-27).

Deus é três pessoas, as três pessoas são plenamente Deus porém há só um Deus. É claro nas Escrituras que existe somente um Deus: Dt 6.4-5; 1 Rs 8.60; Is 44.6-8; 45.5-6,21-22; Rm 3.30; Tg 2.19. Conclui-se que Deus é três pessoas distintas: Pai, Filho e Espirito Santo. O Pai é plenamente Deus, o Filho e plenamente Deus e o Espirito Santo é plenamente Deus. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Espirito, o Espirito não é o Pai (pessoas distintas). Porém, não são três deuses, mas é apenas um Deus. Eis o paradoxo, eis o mistério da Trindade.

Em Efésios 1.3-14, Paulo mostra como o Deus trino trabalha no plano de redenção. Do verso 3 ao verso 6, Paulo apresenta a obra do Pai, que é aquele que planeja. Do verso 7 ao verso 12, ele apresenta a obra do Filho, que é aquele que executa o plano, redimindo e remindo os que haviam sido eleitos pelo Pai. No verso 13 e 14, o Apostolo apresenta a obra do Espirito Santo, que é aquele que tem aplicado esse plano na vida dos eleitos do Pai. 

Repare que no fim de cada bloco encontra-se a expressão "para louvor da sua glória". Todos os atos de Deus na história são para louvor da sua própria glória. Nós somos beneficiados e Deus recebe a glória. Cito o início de uma oração Puritana:
TRÊS EM UM, UM EM TRÊS, DEUS DA MINHA SALVAÇÃO, Pai celestial, Filho bendito, Espírito eternal, Eu te adoro como único Ser, única Essência, Único Deus em três Pessoas distintas, Por trazeres pecadores ao teu conhecimento e ao teu Reino. Ó Pai, tu me amaste e enviaste Jesus para me redimir; Ó Jesus, tu me amaste e assumistes minha natureza; Derramastes teu sangue para lavar meus pecados, Consumaste justiça para cobrir a minha iniquidade; Ó Santo Espírito, tu me amaste e entraste em meu coração, Lá implantaste a vida eterna, Revelaste-me as glórias de Jesus... [2]
Entendendo que você compreendeu a doutrina da Trindade, creio que a melhor forma de você explicá-la para alguém é, primeiramente, mostrando que é um paradoxo. Depois apresentando as três verdades sobre a Trindade (Deus é três pessoas - As três pessoas são plenamente Deus - Só há um Deus) fundamentando-as nas Escrituras. Caso você esteja explicando para um não cristão, ao final, apresente o plano de redenção a ele, crendo que Deus soberanamente fará Sua vontade.

Diante de uma verdade tão gloriosa, como a doutrina da Trindade, termino citando Agostinho de Hipona, faço das palavras dele as minhas: 

"Senhor, único Deus, Deus Trindade, tudo que disse de ti nesses livros de ti vem. Reconheçam-no os teus, e se algo há meu, perdoa-me e perdoem-me os seus. 

AMÉM." [3]

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Referências Bibliográficas:

[1] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 165
[2] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. VIII.
[3] AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p. 557.

Sobre o autor: Lucas Ramos Pereira é seminarista da Primeira Igreja Batista em Palmeiras, Belo Horizonte/MG.
Imagem: Council of Nicaea 325, de Fresco in Capella Sistina, Vatican - 1590, via Wikipédia. Arte: Bereianos

2 comentários:

  1. Muito Bom.. Parabéns pelo trabalho.

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  2. Caro articulista.

    Nesse artigo procura-se defender o dogma da trindade, cuja autoria, diga-se, é da Igreja Católica, assimilado pela Reforma, e seguido pelos sem números de segmentos evangélicos, justamente para não demonstrar que estava se afastando das bases do Cristianismo, representado pelo catolicismo até o momento da reforma feita por Lutero.

    E para manter tal dogma até hoje arranjam-se argumentos, os mais diversos possíveis, chegando a fugir-se da lógica, como utilizar-se de argumentos como esse aqui usado, em que é dito:


    “Wayne Grudem define a doutrina da Trindade do seguinte modo: "Deus existe eternamente como três pessoas - Pai, Filho e Espirito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe um só Deus" [1]. Gosto dessa definição pois ela traz três verdades que são necessárias para entender e explanar a Trindade: (1) Deus é três pessoas; (2) As três pessoas são plenamente Deus; (3) Só há um Deus. Também creio que essa definição é adequada para um texto objetivo, como é o caso.”

    Com relação à definição de Grudem e à conclusão tirada, concordando com ela, lembro que, para quem não conhece o cristianismo e sabe que a sua doutrina tem como base o monoteísmo judaico, fatalmente irá deduzir que o cristianismo é uma religião politeísta, uma vez que tem três deuses, já que, pelo que diz o Wayne, “Deus existe eternamente como três pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe um só Deus", repito o que está escrito.


    Já quando você afirma que:


    “É popular dizer que a doutrina da Trindade encontra-se somente no Novo Testamento. Porém, no Antigo Testamento encontra-se várias passagens que demonstram que Deus existe em mais de uma pessoa (Gn 1.26; 3.22; 11.7; Is 6.8), o que começa a lançar luz na primeira verdade da definição apresentada acima. Muitos teólogos também usam Isaías 61.10 para afirmar que essa doutrina está presente no Antigo Testamento mesmo que não explicitamente.”


    Para mim, soa como uma confirmação do que Grudem diz, ou seja, pelo dogma existem três pessoas, uma vez que, nas passagens citadas de Gênesis, os verbos são empregados no plural, como “FAÇAMOS o ser humano...” (Gn 1,26); “Eis que agora o ser humano tornou-se como UM DE NÓS...” (Gn 3,22); “PORTANTO, VINDE! DESÇAMOS! CONFUNDAMOS a linguagem...” (Gn 11,7), o que denota a existência de mais de uma pessoa.


    Pelo que aí está, com base no Wayne Grudem, fica caracterizada a existência de três – Pai, Filho e Espírito Santo – em função do pronome usado na primeira pessoa do plural (NÓS), o que, ao invés de tornar os três em um, estabelece a distinção dos três, o que me faz supor que, de acordo com essa maneira de entender, o Universo foi criado e é governado pelos três, havendo uma hierarquia entre eles, o que torna mais claro, ainda, que o cristianismo [com a Trindade] é uma religião politeísta, já que tem três deuses hierarquicamente organizados.


    E essa ideia de hierarquia fica perfeitamente identificada conforme o que está escrito em Jo 14,26, que diz:
    “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.”
    Veja que a hierarquia está perfeitamente definida, pelo fato de Jesus dizer: “o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome...”. Ora, meu caro, pelo que está escrito aí, a pedido do Deus Filho, o Deus Pai vai mandar o outro Deus, que nada mais é do que o Espírito Santo; veja que um PEDE, outro MANDA e outro OBEDECE; há ou não há uma hierarquia? Como há hierarquia, não há que se falar em igualdade, o que elimina a ideia de unidade; consequentemente, a dedução a que se pode chegar é a de que temos um Deus em três níveis hierárquicos, em decorrência de Jo 14,26... Ou não é isso o que se pode deduzir do que lá está escrito? Assim, em decorrência dessa hierarquia todo o arcabouço da Trindade cai por terra, já que, se não há igualdade, não pode haver unidade, ainda que os propósitos sejam os mesmos.

    Abraços. Frazão

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