segunda-feira, 20 de junho de 2016

A guerra das universidades contra a verdade


Por Roger Scruton

Há enorme relutância hoje entre os jovens para assumir certezas, e essa relutância se revela na linguagem. Em qualquer assunto onde haja possibilidade de discordância, coloca-se um ponto de interrogação no final da frase. 

Para reforçar a postura de neutralidade, inserem-se palavras que cumprem a função de “aviso legal”. Entre elas, a favorita é “tipo”. A despeito do quão inflexível eu possa ser em relação ao fato que a Terra é esférica (ou não!), surgirá alguém para sugerir que ela é “tipo, esférica?”

De onde surgiu essa hesitação onipresente? Em minha opinião, ela está ligada à nova ideologia da não-discriminação. A educação moderna almeja ser “inclusiva”, o que significa nunca soar demasiadamente certo de algo, para não deixar desconfortável quem não comunga de suas crenças. Na verdade, a própria afirmação de que se trata de “crenças” derrama certa suspeita sobre o que dizemos. 

O correto são “pontos de vista”. Afirmar certezas em uma sala de aula hoje em dia invoca sempre olhares de desconfiança – não porque se possa estar errado, mas pela extravagância do próprio ato de ter certezas e, mais estranho ainda, querer comunicá-las a outrem. Quem tem certezas exclui, desrespeita o direito que todos temos de formar pontos de vista sobre aquilo que importa.

Todavia, basta olhar de perto a própria ideia de inclusividade para entender que ela não tem nada a ver com liberdade. Os estudantes estão mais prontos que nunca para exigir que se negue palanque a quem fala ou pensa de forma errada. Falar ou pensar de forma errada, entretanto, não significa discordar das crenças dos estudantes – afinal, eles não têm crenças. 

Significa pensar como se realmente houvesse algo em que pensar – como se realmente houvesse uma verdade a ser buscada, e que faz sentido, uma vez que a encontremos, falar dela demonstrando certezas. Aquilo que talvez tenhamos tomado como liberdade de pensamento revela-se em realidade ausência de pensamento: recusa a crenças e uma reação negativa a quem demonstre tê-las. O pecado capital é negar-se a encerrar cada frase com um ponto de interrogação.

Assim como muitas das mudanças em nossa linguagem e cultura nos últimos 25 anos, o objetivo é descobrir, e também proibir, as formas ocultas de discriminação. Quase todo sistema de crença que no passado pareceu objetivo e importante é agora desprezado como um “ismo” ou uma “fobia”, de forma que aqueles que aderem a suas proposições são vistos como fanáticos ideológicos.

Nos anos 1970, quando o feminismo começou a adentrar a cultura pública, surgiu a questão de se não haveria, afinal de contas, distinções radicais entre os sexos que explicassem por que os homens eram bem sucedidos em algumas esferas e as mulheres em outras. As feministas se rebelaram contra a ideia. 

Como resultado, elas inventaram o “gênero”, que não é uma categoria biológica, mas uma maneira de descrever características maleáveis e culturalmente mutáveis. Você pode não escolher seu sexo, mas pode escolher seu gênero. E era isso que as mulheres estavam fazendo – redefinindo a feminidade, como uma forma de ocupar um território antes monopolizado por homens. Daí em diante, a biologia foi retirada de cena e o gênero tomou seu lugar.

Essa estratégia teve tanto sucesso que agora “gênero” substituiu “sexo” em todos os documentos sexuais, e a sugestão de que diferenças sexuais são bem definidas foi relegada à classe de pensamentos proibidos. Já que gênero é um construto social, as pessoas devem ser livres para escolher o seu, e quem achar o contrário é um opressor e um fanático. 

Mesmo uma feminista pioneira como Germaine Greer é proibida de dar palestras em campi, porque sua crença em diferenças sexuais reais e objetivas pode ameaçar estudantes vulneráveis que ainda precisam decidir qual seu próprio gênero. Diferença sexual foi marcada como uma área perigosa, sobre a qual crenças, mesmo as de Germaine Greer, não são indicadas.

Onde isso tudo vai parar, ninguém sabe. Uma por uma, todas as antigas certezas estão sendo denunciadas como “ismos” e “fobias”. Você acha que os humanos são distintos de outros animais? Então você é culpado de “especismo”. Acha que existem distinções reais e objetivas entre homens e mulheres? “Transfobia”. 

Acha que atitudes que levam a assassinatos em massa são suspeitas? “Islamofobia”. A única certeza sobre o mundo em que vivemos é que, se você acredita que existem distinções reais e objetivas entre pessoas, então é melhor ficar quieto, especialmente quando for verdade.

Roger Scruton

Publicado originalmente na The Spectator Life.

Tradução publicada na revista Amálgama.

Tradutores: Daniel Lopes e Pedro Novaes

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