domingo, 26 de junho de 2016

Inquisição: A pena dos açoites


Como se não bastasse a perda total dos bens, os prisioneiros da Inquisição que não eram assassinados tinham frequentemente que levar uma grande quantidade abusiva de açoites para expiar seu “crime”. Estes açoites eram considerados parte da “penitência eclesiástica”, que não tinha nada de puramente espiritual. Eymerich faz menção em seu manual ao Concílio de Béziers, que prescrevia:
Todos os domingos e festas, entre a Epístola e o Evangelho, os condenados dirigir-se-ão descalços, vestidos unicamente com a roupa de penitência, e com varas na mão, até o celebrante, que os chicoteará, perguntando-lhes, depois, que crime estão expiando.[1]
Mostrando toda a sua face piedosa e misericordiosa, a Igreja castigava suas vítimas com “apenas” duzentos açoites. Foi assim que o protestante britânico Isaac Martin foi castigado, levando 200 chibatadas em público[2]. Às vezes, eram 400 açoites. 

Apenas para efeito de comparação, Nosso Senhor Jesus Cristo levou 39 açoites em sua crucificação. Sim, a Igreja Romana conseguia ser muito mais selvagem e desumana do que o próprio antigo Império Romano, bastante conhecido por sua crueldade. Nem os muçulmanos radicais xiitas costumam castigar alguém com tantos açoites. 

O mais grave de tudo é que a punição covarde das 200 chibatadas não era algo raro ou excepcional. Muito pelo contrário, chegava a ser uma punição-padrão para os penitenciados no auto da fé.

Ricardo Palma, que, como já mencionado, foi o autor da maior pesquisa já realizada nos arquivos da Inquisição de Lima, no Peru, detalha diversas vezes em seu livro este tipo de castigo sendo infligido às vítimas da Igreja. 

Por exemplo, o auto da fé de 13 de abril de 1578 puniu com 200 açoites Diego Marrón, simplesmente por intimidar certas testemunhas que depunham contra um compadre seu[3]. Já o auto da fé de 13 de abril de 1578 castigou o escrivão Pedro Hernández com os mesmos 200 açoites, pelo crime de “pacto com o demônio”. Além disso, ele foi desterrado para as Índias[4].

Palma conta ainda sobre a condenação do alfaiate Pedro Bermejo, que ocorrera no auto da fé de 13 de abril de 1578:
Pedro Bermejo, alfaiate, afirmava que a caridade era menor do que a fé, e que São Paulo podia ter errado porque foi homem. Como castigo por essas afirmações, e em lugar de lhe ser dito: “Alfaiate, volta à tua agulha e aos teus pontos”, foi condenado a duzentos açoites, abjuração de vehementi e a ter a cidade por cárcere durante seus anos, como castigo de ser impenitente relapso.[5]
No auto da fé de 13 de abril de 1578, o frei Gaspar de la Huerta foi condenado aos mesmos 200 açoites por ter feito missa sem ser sacerdote. Como se não bastasse, foi enviado às galés a remo e sem soldo, para sofrer por mais cinco anos[6]. Ana de Castañeda, por ter proferido “obscenidades e bruxarias”, padeceu 200 açoites no auto da fé de 17 de junho de 1612[7]

Já o senhores Alfonso de Medina e Benito de la Peña, acusados de bigamia, foram castigados com 200 açoites no auto da fé de 20 de dezembro de 1694[8]. A Inquisição de Lima chegou ao ponto de condenar aos 200 açoites José Rivera, apenas por ter servido de testemunha num segundo casamento de um amigo[9]. A mesma punição foi dada a Antônio Cataño, pelo mesmo pecado[10].

Pela suspeita de feitiçaria, Antônia Osório foi castigada com 200 açoites no auto da fé de 23 de dezembro de 1736. A Inquisição, ainda insatisfeita com esta pena, decidiu que ela deveria ser humilhada em público, fazendo-a percorrer a cidade em lombo-de-burro, despida da cintura para cima, enquanto suportava os duzentos açoites[11]. A escrava Maria Tereza de Malavia sofreu a mesma pena que a anterior. Palma comenta que, “graças à Inquisição, não se encontra hoje uma bruxa nem para dor de dentes na capital do Peru, tão fecunda em feitiçarias há um século e meio”[12].

Juan de la Cerda, pelo mesmo crime de bigamia, sofreu os 200 açoites no auto da fé de 23 de dezembro de 1736, e ainda teve que ficar cinco anos preso em Valdívia, no Chile[13]. Juan Batista Gomes, por ter se casado três vezes, foi castigado com os 200 açoites e com mais seis anos na prisão de Valdívia[14]. Ana Maria Pérez, por se achar profetiza, foi punida com 200 açoites e outros cinco anos de prisão[15]. José Nicolás Michel, um bruxo tão poderoso que “transformava em negras as pessoas brancas”, padeceu 200 açoites em via pública e ainda passou mais seis anos na prisão[16].

Por ter se divorciado e se casado outra vez, Maria Atanásia sofreu 200 açoites pela Inquisição, além de ser desterrada de Lima por cinco anos[17]. Outra mulher, Maria Fuentes, “teve a sorte de que três homens alegassem ao mesmo tempo o direito de propriedade sobre ela, e a desgraça de que a Inquisição reclamasse diretos nesse negócio”[18]. Foi condenada a 200 açoites e a três anos de prisão[19]. Juan Antônio Pereira, por judaizante, foi condenado às 200 chibatadas e a mais dez anos no presídio de Valdívia[20].

Por negar a transubstanciação, Juan Fuller teve que abjurar e levar 100 açoites[21]. Já o francês Juan de Marselha acusou todos os clérigos de viver amancebados, e que, se o metessem na Inquisição, diria aos inquisidores um par de verdades! Por essa insolência sofreu 100 açoites[22]. Em 1563, Gregorio Ardid, de Múrcia, foi condenado à escravidão nas galés por seis anos e a mais 100 chibatadas por quebrar o sigilo da Inquisição, e pelo mesmo crime Cristóbal de Arnedo recebeu 200 açoites e foi enviado às galés por oito anos[23].

Palma explica que os penitenciados saíam pelas ruas, em estado de humilhação, para receber, no mínimo, meia centena de chicotadas[24], embora a maioria levasse 100 ou 200. Em 1587, o cirurgião Damián Acen Dobber foi castigado pela Inquisição com nada a menos que 400 açoitespor supostamente ter feito uma oração muçulmana, embora nem isso fosse provado[25]. É preciso ser um demônio para castigar um ser humano com 400 açoites. Os terroristas do ISIS passam longe de tamanha crueldade.

Mas nem com isso os inquisidores sedentos de sangue estavam satisfeitos. A respeito do herege que não abjurasse, Eymerich diz que “será surrado até a morte como um herege impenitente”[26]. Ou seja, o indivíduo levava indefinidas chicotadas atrás de chicotadas, até que, depois de tanta brutalidade, perdesse os sentidos e morresse. Era essa a moral da Igreja Católica.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".

Por Cristo e por Seu Reino,

Phonte: Heresias Católicas


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[1] EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 166.
[2] NAZÁRIO, Luiz. Diversão e Terror: Dos autos-de-fé ao cinema nazista. In: Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e anti-semitismo (ed. GORENSTEIN, Lina; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci), 2ª ed. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005, p. 383.
[3] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 21.
[4] ibid, p. 22.
[5] ibid.
[6] ibid.
[7] ibid, p. 30.
[8] ibid, p. 50.
[9] ibid.
[10] ibid.
[11] ibid, p. 66.
[12] ibid.
[13] ibid, p. 68.
[14] ibid.
[15] ibid, p. 76.
[16] ibid, p. 79-80.
[17] ibid, p. 80.
[18] ibid.
[19] ibid.
[20] ibid, p. 82-83.
[21] ibid, p. 42.
[22] ibid.
[23] GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.
[24] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 140-141.
[25] GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2007.
[26] EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 56.

2 comentários:

  1. gostei muito desse pequeno estudo, só queria se na medida do possível sempre nos mandasse algumas literaturas e livros sugestivos para leitura.
    obrigada pela atenção

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  2. hummmm e vc gosta de Malafaia e Edir macedo e Waldomiro que não açoita mas arranca o dinheiro dos pobres oq é quase a mesma coisa

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