quinta-feira, 1 de setembro de 2016

No Butão, cristãos se reúnem secretamente dentro de um táxi


“A nação é basicamente pacífica e não somos perseguidos de forma violenta, mas há várias restrições e elas estão aumentando nos últimos tempos”

O táxi chegou ao anoitecer e o líder cristão Jeremiah* estava ao volante. Mesaque*, outro líder, Tenzin*, membro de sua igreja e um colaborador da Portas Abertas correram ao seu encontro. Para quem estava do lado de fora, aquela cena era muito comum: apenas um taxista e três passageiros. 

Mas dentro daquele táxi estava começando uma reunião secreta entre cristãos. Eles se cumprimentaram “Jai Mashi”, que para os butaneses quer dizer “A graça de Deus esteja com você”. A noite estava fria e a neblina cada vez mais forte. Eles oraram e então iniciaram a conversa.

Jeremiah abriu duas folhas de papel, eram intimações que ele havia recebido da polícia, mas estavam em inglês. O idioma oficial no Butão é o dzonga, mas como o inglês é amplamamente falado no país e até mesmo ensinado nas escolas, o governo incentiva seu uso, é por isso que todos os documentos emitidos pelas autoridades são sempre em inglês. 

Na primeira folha, um aviso do governo, pedindo a Jeremiah para fechar sua igreja e se mudar para outro local a fim de evitar conflitos; na segunda, o apelo que ele mesmo tinha feito às autoridades, há três semanas, logo após a visita dos oficiais, que levaram a ordem de encerramento das atividades até ele.

Mesaque disse que essa é a primeira vez que vê o governo pedindo para uma igreja se mudar e ainda formalmente. Tenzin comentou que para haver a emissão de um documento governamental, deve realmente ser algo muito importante. Alguns dias antes, no domingo (7 de agosto), quinze policiais foram até a igreja, na hora do culto. “Eles entraram batendo as portas e gritando ‘vocês não têm autorização para estar aqui’. E então agora recebemos essa carta do governo”, explicou Jeremiah.

O Cristianismo cresce no Butão

Não há igrejas registradas no país e, normalmente, os trabalhos evangelísticos são realizados dentro das casas dos fieis, que não o fazem com barulho para não incomodar seus vizinhos. A nação é conhecida por rejeitar o cristianismo, ocupando o 38º lugar na atual Classificação da Perseguição Religiosa. 

Embora constitucionalmente seja permitida a presença de outras religiões no Butão, o budismo permanece ligado à identidade nacional e tem prioridade na agenda do governo. “A nação é basicamente pacífica e não somos perseguidos de forma violenta, mas há várias restrições e elas estão aumentando nos últimos tempos”, comenta Tenzin que também é especialista em cultura no seu país.

Fechamento da igreja

Jeremiah continua com sua história: “Eu pedi à polícia para nos dar mais alguns dias, assim teríamos tempo de embalar nossos pertences e nos mudar com calma. Mas eles exigiram a desocupação imediata, então tivemos que sair”, conta. “Essa região tem experimentado uma pressão cada vez maior na perseguição aos cristãos, não com violência física, mas somos pressionados de todos os lados”, exclama Mesaque. 

Ele comenta que quando os proprietários ficam sabendo que o imóvel foi alugado para uma igreja, então aumentam demais o valor do aluguel. “Eles estavam pagando 11.500 ngultruns (moeda butanesa – equivalente a 171 doláres), e o valor subiu para 25.000 ngultruns (373 dólares).

Os trabalhos continuam


Outro líder cristão, que costumava receber a visita dos irmãos em sua casa, foi acusado pelos vizinhos de ter uma igreja funcionando no local, mas nesse caso, a propriedade era dele. Mesmo assim, ele sentiu o preconceito da comunidade. “Fico triste por nós, cristãos; não temos um lugar para nos reunir como corpo de Cristo”, disse. “Eu não vou deixar que o governo nos faça sentir derrotados, quero continuar com os trabalhos da igreja”, disse Jeremiah, antes de finalizar a reunião em seu táxi. 

Mezaque e Tenzin se comprometeram a orar por ele. Através da ajuda dos colaboradores locais, a Portas Abertas apoia os cristãos perseguidos no Butão através de seminários e treinamentos.

*Nomes alterados por motivos de segurança.

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