terça-feira, 27 de dezembro de 2016

“Fantástico” tenta desconstruir arca de Noé. Assista!!


De vez em quando, a mídia popular secular escancara seus preconceitos, suas contradições e seus paradoxos. A título de comparação, quando a rede Globo de televisão veicula reportagens sobre espiritismo, astrologia e/ou festas católicas que envolvem romarias, adoração de imagens e coisas afins, geralmente o faz em tons positivos, quase com reverência. 

Certa vez, em um programa matinal, a emissora expôs a fé da apresentadora em sua peregrinação religiosa e em suas demonstrações de penitência. A matéria foi exibida sem críticas, com todo o respeito que, evidentemente, essas coisas merecem. 

Ocorre que esse respeito e essa “imparcialidade” são relativos, e isso pode ser visto claramente quando o assunto em questão são eventos ou conceitos bíblicos e, pior, quando o tema em pauta é o criacionismo. 

Aí realmente mudam de tom, deixando claro que preferem respeitar a crença na suposta influência dos astros e dos búzios, nas aparições de supostas almas penadas e na pretensa energia mística de pedaços de madeira, a acreditar que o Universo tenha sido criado pelo Deus da Bíblia e que as histórias de Gênesis sejam factuais.

Vimos um claro exemplo disso ontem à noite. Em pleno Natal, o programa semanal de variedades “Fantástico” levou ao ar uma reportagem sobre a réplica da arca de Noé construída no Estado do Kentucky, nos Estados Unidos. 

A seguir, vamos analisar alguns pontos da reportagem que pode ser vista no vídeo logo abaixo, assista:


1. O vídeo começa com a frase “qualquer criança conhece essa história”, numa possível tentativa de logo de cara infantilizar o assunto. Sim, as crianças conhecem a história de Noé, mas adultos também se dedicam ao estudo do tema, e há muitas pesquisas sobre isso que poderiam ter sido mencionadas na matéria (confira aqui e aqui).

2.
O repórter Felipe Santana mostra a cozinha da arca e diz que seus criadores acreditam que a família de Noé era vegetariana, “apesar de ter muitos animais dentro da arca”. 

Mas é evidente que deveriam ser vegetarianos, afinal, os animais mantidos na embarcação (um par de animais “impuros” e sete pares de animais “limpos”) eram um verdadeiro patrimônio, e, naquele momento, uma raridade. Se a família de Noé se pusesse a comê-los, poderia acabar por extinguir algumas espécies. É bom lembrar que a dieta originalmente determinada por Deus para os seres humanos e para os animais foi a vegetariana

A permissão para comer carne veio somente após o dilúvio, em caráter de emergência. Daí a quantidade maior de animais liberados para consumo humano (ou “limpos”).

3. O repórter diz, também, que os criadores da arca não acreditam que animais possam ter sido extintos pela seleção natural. Não sei de onde ele tirou isso, pois os criacionistas acreditam, sim, nos efeitos da seleção natural e em seu potencial de eliminar organismos menos adaptados às condições em que vivem. Não acreditam é no poder “criador” às vezes atribuído à seleção natural, como mecanismo promotor de evolução. 

Como o nome já diz, ela apenas seleciona o que já existe, mas não promove aprimoramentos que dependeriam de novos aportes de informação complexa e específica, o que é cientificamente improvável, pois informação depende de uma fonte informante.

4. A matéria comete o erro clássico de confundir ciência com cientistas, e afirma que a evolução é “a teoria mais aceita pela ciência”. A ciência não “aceita” nada, não “pensa” nada, não “supõe” nada. Ciência é método, é ferramenta, é um ótimo recurso não inventado pelo ser humano, mas usado por ele para compreender a realidade que o cerca. Os cientistas (com toda a sua subjetividade, suas crenças e seus pressupostos) é que “aceitam”, “pensam” e “supõem”. 

Assim, o correto seria dizer que a evolução é a teoria mais aceita por muitos cientistas, não todos, afinal, há aspectos dessa teoria que sequer são científicos (são filosóficos) e há muitos cientistas que não aceitam todos os aspectos do evolucionismo, justamente por não serem científicos. A matéria do “Fantástico” simplifica demais a questão e promove o clássico ufanismo darwinista.

5. Citam o conhecido exemplo do pescoço da girafa e afirmam que as mais altas foram selecionadas pelo fato de conseguirem alcançar as folhas verdes do alto das árvores. E os animais que não dispunham de pescoções, como “se viravam”? Por que não se tornaram extintos? E os mecanismos complexos de que a girafa dispõe para poder viver com aquele pescoção (confira aqui)? 

Teriam “surgido” assim complexos nas girafas altas e não nas mais baixas? Nas baixas seria desnecessário. Nas altas seria vital desde o princípio, pois a girafa não sobreviveria sem esses mecanismos. Fica fácil apresentar uma teoria simplificando tudo como se fosse uma historinha para crianças (e tiveram a coragem de começar a matéria dizendo que a arca de Noé é história infantil!).


6. Em seguida, Santana diz que o “pessoal” (intenção de descredibilização?) que criou a arca acredita no criacionismo, segundo o qual “tudo” e “todos” foram feitos por Deus. Outra simplificação generalista. Criacionistas não acreditam, por exemplo, que Deus criou o tubarão, o leão e o mosquito Aedes aegypti do jeito que são. 

Deus criou os tipos básicos de animais e estes passaram por modificações morfológicas, fisiológicas e comportamentais. Sofreram diversificação de baixo nível, de modo que os seres vivos que hoje habitam a Terra (nós, inclusive) são descendentes modificados das primeiras criaturas. Criacionistas não são fixistas, como tenta afirmar nas entrelinhas a matéria do “Fantástico” (confira material adicional aqui, aqui, aqui e aqui).

7. Santana diz que, para trabalhar na arca do Kentucky, é proibido ter outra religião, ser a favor do aborto ou ser gay. É evidente que é preciso haver identificação do funcionário com a ideologia que ele vai defender. Ou são permitidos em universidades públicas professores criacionistas para lecionar a cadeira de Evolução, por exemplo? 

Michael Behe, em seu livro A Caixa Preta de Darwin, conta o caso de um cientista que perdeu a chance de assinar uma coluna sobre ciência em um grande jornal norte-americano pelo simples fato de ter dito que acredita no Gênesis. Por que a reportagem tenta destacar o que seria um tipo de preconceito criacionista, ao passo que ignora situações semelhantes “do outro lado”?

8. Pouco depois da metade do vídeo, é apresentada aquela que é considerada a maior polêmica relacionada com a réplica da arca: a presença de dinossauros a bordo. 

Na sequência do erro cronológico de dizer que a Bíblia localiza a história da arca há seis mil anos vem outro erro conceitual: Santana diz com ênfase na narração que “a ciência acredita que os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos”. Já vimos que a ciência não acredita em nada. Quem acredita são os cientistas. 

Pelo menos Santana utilizou o verbo correto: “acredita”. Sim, porque, apesar do relativo consenso, não é unanimidade entre os cientistas que os dinossauros tenham vivido e se tornado extintos há tantos milhões de anos. 


O “Fantástico” perdeu a oportunidade de discutir e esclarecer esse assunto. Na verdade, acabaram por complicar ainda mais. Depois de Santana afirmar categoricamente que “isso aqui nunca aconteceu”, referindo-se à presença de dinossauros na arca, a matéria exibe enquetes com pessoas mal informadas sobre criacionismo, que dão respostas superficiais, e, em seguida, traz uma entrevista com o doutor em biologia genética pela Universidade de Harvard Nathanael Jeanson. 

Ele menciona a descoberta de tecidos moles em fósseis de dinossauros e pergunta como isso é possível, se esses fósseis têm tantos milhões de anos? Na busca de resposta, Santana entrevistou Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que simplesmente se limitou a explicar o processo de fossilização, quando matéria orgânica é substituída por minerais. 

Nada disse ou explicou sobre a presença de tecidos moles não fossilizados nesses fósseis supostamente tão antigos – isso, sim, é fantástico! Mas o “Fantástico” ficou devendo essa explicação aos seus telespectadores. (Leia mais sobre os achados de tecidos moles em fósseis de dinossauros. Clique aqui.)

9. Santana afirma também que, “segundo a ciência, o homem nunca viveu no mundo dos dinossauros”. Nem vou repetir que a ciência não diz nada (ops! Já repeti), vou apenas dizer que existem, sim, evidências da convivência entre humanos e dinos (confira aqui e aqui). 

O que ocorre é que, infelizmente, os cientistas evolucionistas e setores da mídia comprometidos com a cosmovisão naturalista-darwinista ou ignoram essas evidências ou as minimizam, porque não se encaixam em seu modelo conceitual preestabelecido.

10.
Santana diz que a instituição que construiu a arca quer que o criacionismo e o evolucionismo sejam ensinados nas escolas, a fim de que os alunos conheçam os argumentos de ambos os lados e possam decidir em que acreditar. Há algo de errado nisso? 

Não é no ensino do contraditório que realmente se pode aprender, e aprender a pensar, inclusive? Por que esse receio de promover a discussão crítica das insuficiências da teoria da evolução? 

(Na verdade, essa é exatamente a proposta de entidades como a SCB e deste blog, que não apoiam o ensino do criacionismo em escolas públicas. Saiba por quê.)

11. A reportagem termina com estas palavras do repórter: “Com uma estrutura deste tamanho [a arca], eles querem tentar convencer que a deles é a história certa. E você? Em qual você acredita?” Mas o que a matéria passa é a seguinte ideia: “O evolucionismo é sinônimo de ciência, o criacionismo é essa bobagem que lhe mostramos. 

Em que você acredita?” A reportagem comete o clássico equívoco “vendedor de jornais” de apresentar a ciência em conflito com a religião, sem mencionar que ambas podem andar juntas e em harmonia, mesmo com metodologias distintas (confira aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

O lado bom da matéria (porque nem tudo são espinhos) é que deram certa visibilidade ao criacionismo e chamaram a atenção dos telespectadores para o assunto do dilúvio e da arca de Noé. Que cada um busque as informações corretas a fim de formar sua opinião. 

Para a infelicidade de certos setores da mídia, hoje a informação e os dados estão mais disponíveis para os que desejam conhecer a verdade.

Phonte: Michelson Borges

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