segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A Aposta de Pascal


"Consideremos este ponto e digamos o seguinte: “Ou Deus existe ou não existe.” Mas qual das alternativas devemos escolher? A razão não pode determinar nada: existe um infinito caos a nos dividir. No ponto extremo desta distância infinita, uma moeda está sendo girada e terminará por cair como cara ou coroa. Em que você aposta?"

Blaise Pascal, Pensamentos (edição póstuma, 1844)


De acordo com Pascal, de um jeito ou de outro, todos nós jogamos dados com Deus, mesmo ele não jogando dados com o Universo.

Pascal admitiu que é impossível “provar” que Deus existe – de fato, afirmou ele, a razão humana é incapaz de provar qualquer coisa com certeza. Isso daria a pensar que Pascal era agnóstico, mas não é verdade. Afinal, para ele, a principal pergunta residia no fato se convinha a alguém acreditar na existência de Deus, e sua resposta era que você seria tolo se não acreditasse. 

Isso faz de Pascal um teísta, posto que ele tentou mostrar matematicamente que seria um péssimo negócio não acreditar em Deus.

A matemática que Pascal empregou trabalhava no campo das Probabilidades, que ele ajudou a inventar (ele esperava convencer especialmente seus amigos aristocráticos, que eram jogadores fanáticos). Bom, no modo de ver de Pascal, a crença ou a descrença que você possa ter em Deus implica uma aposta.

Ora, se Deus existe e a “Sagrada Escritura” são verdadeiros, sua crença vai dar-lhe (em tese) infinita felicidade após a morte. Se Deus não existe, tudo o que você teria a perder acreditando no dito cujo seriam os prazeres finitos de uma vida finita. 

Mesmo porque, se você acha que as chances da existência de Deus são próximas de zero – Pascal sugere que elas estão perto de 50 % – a única coisa racional que você pode fazer é jogar o jogo. E como qualquer percentagem finita do infinito tende a ser infinita também, o raciocínio mediante este conceito mostra que você deve acreditar em Deus.

Indo pelo outro lado da moeda, se você se recusar a acreditar em Deus e estiver errado, você será condenado às penas infernais, pois será um pecador. E tomando por base que as probabilidades que isso aconteça são enormes, não restaria nada mais a você do que seguir o glorioso Deus e viver feliz para sempre.

E claro que você poderia ainda resistir à razão, mas isso só aconteceria se você permitisse que suas paixões sufocassem o que você tem de melhor. De acordo com nosso amigo Pascal, os desejos podem ser controlados se você proceder como se acreditasse em Deus e participar de bons cultos cristãos. 

E se você se acostuma com isso, termina por descobrir que, largando seus hábitos pouco saudáveis, você fica até mesmo mais feliz que antes e isso, na visão de Pascal, é o verdadeiro pagamento da aposta. Interessante, não é mesmo?

Se você é um desavisado, o argumento de Pascal pode soar “arrumadinho”, mas devemos imaginar que ele era um grande matemático e sabia trabalhar com números infinitos, e como tal processo acaba por se tornar uma tarefa ardilosa. 


Pela lógica de Pascal, você seria levado à busca de qualquer promessa de felicidade infinita, religiosa ou não, como a coisa mais racional a ser feita, em caso de haver uma remota chance de sucesso. (Digamos que exista 1% de probabilidade de que a Fonte da Juventude exista; você deveria largar tudo agora e ir em busca dela).

Muito bem, para que a Aposta de Pascal funcione, você tem que tomar como certas muitas das coisas que ele quer provar – que, se Deus existe, Ele é infinito, onisciente, onipotente, e o verdadeiro autor da Bíblia. Mas, naturalmente, existe um número infinito de outras possibilidades – por exemplo, que Deus exista mas que, na realidade, não ligue muito para o comportamento das pessoas ou (o mais danoso para o argumento de Pascal) que Deus exista mas não seja realmente um ser infinito.

Ainda há o caso de que Deus exista, mas é totalmente diverso de tudo que se imaginou a respeito dele, parecendo-nos tão estranho quanto nossos pensamentos, sensações e desejos seriam a uma ameba. E ninguém (muito menos Pascal) poderia provar que uma dessas descrições de Deus seja mais acertada do que outra. 

Mesmo porque, ninguém andou batendo um papinho como o Todo-Poderoso nos últimos milênios, a despeito do quer o pessoal tem alegado. Alegado, mas sem provas.

Voltando ao assunto, é muitíssimo mais difícil agir com base em crenças que você não tem do que Pascal gostaria de admitir. (E supõe-se que Deus haveria de saber se você estava sendo sincero ou só jogando, afinal ele é onisciente, certo?)

No âmbito da natureza humana, prazeres certos geralmente prevalecem sobre os incertos, por mais sedutores que sejam estes últimos. No calor da paixão, possibilidades infinitas podem vir a parecer bem infinitesimais. A crença em alguém que lhe proverá de bênçãos e presentes e não sei mais o quê mostra que, no fundo, as pessoas acreditam para ter algo em troca. 

O que é ridículo e justifica a frase de Einstein: “Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível.”

Imaginar que devemos acreditar num Deus, apostando todas as fichas nele porque essa seria a melhor idéia mostra o quão tola e egoísta é essa mente. E mais: prova que Deus não pode ser bondoso, ao final das contas. 

Se eu preciso acreditar nele para ter certeza de ter uma vida plena de satisfação e bem-aventurança, com uma promessa de um pós-vida assegurado, mostra que ele (Deus) é rancoroso, mau e que não ama tanto assim seus filhos.

Afinal, ele é (em tese) onisciente e sabe de antemão qual número eu apostarei na roleta celestial.

Phonte: Ceticismo Net

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