terça-feira, 29 de agosto de 2017

Em meio à crise no Brasil, evangélicos destacam-se como a principal força conservadora


No maior país católico do mundo, o movimento evangélico poderia selecionar o próximo presidente do Brasil

Julio Severo

Introdução. A Esquerda americana está de olho na influência crescente dos evangélicos conservadores do Brasil. “The Nation,” a revista mais antiga dos Estados Unidos, publicada desde 1865, produziu neste mês um artigo especial, intitulado “Em meio à crise no Brasil, bancada evangélica destaca-se como uma força política,” sobre o poder político dos evangélicos brasileiros.

É importante ver o que “The Nation” está dizendo, não só porque é a revista mais antiga dos EUA, mas também porque é progressista e esquerdista e está preocupada com a influência evangélica brasileira. Se a Esquerda americana, que é a Esquerda mais poderosa do mundo, está preocupada com os evangélicos no Brasil, é um excelente sinal para os evangélicos brasileiros.

O artigo seguinte, ainda que editado, corrigido, adaptado e “conservadorizado” por minha perspectiva como um homem dentro do evangelicalismo brasileiro, é em grande parte baseado no artigo do “The Nation”:

Embora o Brasil permaneça o maior país católico romano do mundo, em décadas recentes um crescimento enorme entre evangélicos está desafiando a hegemonia católica. Em 1970, a percentagem de católicos brasileiros estava em 90 por cento; hoje, mal chega a 50 por cento. Durante o mesmo período, a percentagem de evangélicos subiu de 5 por cento para mais ou menos 30 por cento, graças aos esforços evangelísticos agressivos de igrejas pentecostais e neopentecostais. De ponta a ponta no Brasil, líderes evangélicos estão lutando para lidar com o crescimento de seu rebanho. Shopping centers, cinemas pornográficos e boates abandonados se tornaram lugares improváveis de adoração.

Tal transformação radical no panorama religioso do Brasil deu origem a debates sobre a emergência de uma “Direita Cristã Brasileira” — um movimento semelhante à Direita Cristã Americana em sua capacidade de transformar a política. Os líderes evangélicos já desempenharam um papel crucial na derrubada de Dilma, e a influência deles parece que vai aumentar nos próximos anos. Foi Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados e um dos evangélicos mais proeminentes do Brasil, que liderou a iniciativa de impeachment contra Dilma por mudar reservas de várias contas estatais para esconder um déficit orçamentário antes das eleições de 2014.

Embora isso fosse uma violação da lei, os dois presidentes anteriores recorreram à mesma espécie de remendagem orçamentária sem nenhuma consequência. “Cunha encenou uma golpe constitucional,” de acordo com Paulo Iotti, especialista constitucional do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, uma ONG homossexualista com sede em São Paulo. Mas numa fatalidade do destino, o próprio Cunha foi condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e envio ilegal de dinheiro para o exterior.

Em março, um juiz o sentenciou a 15 anos de prisão, uma das sentenças mais duras já dadas a um político no Brasil. Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estão envolvido em escândalos e corrupções maiores, nunca foram enviados à prisão. Eles estão completamente livres. Cunha foi a primeira grande vítima da “Operação Lava Jato,” uma rede anticorrupção que até agora apanhou 60 por cento do Congresso do Brasil e também o presidente Temer.

Cunha deveria ser um exemplo para todos os que entretém a ilusão de que o crescimento político dos evangélicos resolverá os males da política brasileira. A corrupção no Brasil é endêmica desde sua descoberta 500 anos atrás. É um mal histórico que se vê como incurável. O governo brasileiro herdou plenamente o sistema português de pilhagem dos brasileiros. A coroa portuguesa católica era notória por saquear o Brasil e suas riquezas, principalmente por meio de impostos abusivos, e os brasileiros são historicamente conhecidos por evadirem tal pilhagem governamental.

A expansão do evangelismo protestante não aconteceu da noite para o dia. Os protestantes chegaram ao Brasil primeiramente no século XIX, com o estabelecimento de imigrantes europeus de grandes denominações protestantes, como os presbiterianos, os luteranos e os anglicanos. As igrejas pentecostais clássicas, como as Assembleias de Deus, vieram depois. 

Uma segunda onda de protestantes chegou na década de 1940 com o advento da Igreja do Evangelho Quadrangular, importada da Califórnia pelos pregadores Harold e Mary Williams. De sua base em São Paulo, a Quadrangular rapidamente se tornou uma das igrejas de crescimento mais rápido no Brasil. O principal apelo deles era eventos de reavivamento inspirados nas campanhas evangelísticas de Billy Graham. Recordando os primeiros dias de seu evangelismo no Brasil, Harold Williams comentou que enquanto estava numa cruzada de Graham, veio-lhe a ideia de que “os brasileiros adoram circo. Acho que eles se sentiriam atraídos por uma tenda de circo para assistir a um culto de reavivamento.”

Uma terceira e última onda veio no final da década de 1970 e 1980 com o surgimento do movimento neopentecostal, inclusive muitas comunidades evangélicas. O televangelista americano Rex Humbard, cujos programas de TV eram transmitidos no Brasil desde 1975, teve um papel decisivo em evangelismo geral e expansão do movimento neopentecostal no Brasil. O programa “Clube 700,” apresentado pelo Rev. Pat Robertson, que orava na TV brasileira com seu dom de revelação, foi também um inspiração poderosa.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada pelo Bispo Edir Macedo em 1977, é um caso excepcional, pois adota práticas rejeitadas por todas as outras igrejas neopentecostais. O fundador da IURD apoia abertamente o aborto e sua denominação rejeita profecias e revelações como “demoníacas,” ensinando que Deus só fala por meio da Bíblia e nada mais. A IURD, cujo fundador vive nos Estados Unidos, aderiu a uma postura pró-aborto e cessacionista bem comum na PCUSA, a maior denominação presbiteriana dos EUA.

Exatamente como a PCUSA apoiou os esquerdistas Bill Clinton e Barack Obama, a IURD apoiou os esquerdistas Lula e Dilma no Brasil.

Não há escassez de explicações para as razões por que o evangelismo protestante está tendo sucesso. Os dados de pesquisas de opinião pública indicam “uma conexão mais pessoal com Deus,” uma experiência de adoração mais ativa e uma igreja com uma ênfase maior em valores morais. Outra linha de pensamento frisa as estruturas mais democráticas das igrejas protestantes em comparação com as estruturas da Igreja Católica.

Como o movimento da Maioria Moral do Pr. Jerry Falwell nos EUA no início da década de 1980, o qual liderou o surgimento da Direita Cristã Americana, líderes evangélicos brasileiros entraram no embate político motivados por um senso de indignação moral. Esses líderes apontam para a decadência moral que ocorreu no Brasil sob o Partido dos Trabalhadores de Lula e de Dilma. Eles condenam o crescimento do secularismo; o advento do “casamento” gay, imposto pelo Supremo Tribunal Federal em 2011; a crescente aceitação do aborto, embora seja ilegal; e a onipresença da pornografia. Seu espaço preferido de protestar contra o afundamento do Brasil no pecado é a Marcha para Jesus, uma reunião anual que atrai centenas de milhares em São Paulo. Realizado um pouco antes da famosa parada do orgulho gay de São Paulo, o evento mostra uma agenda evangélica dominada pela oposição à agenda gay e ao aborto.

Ao construir seu ativismo contra o declínio moral, os evangélicos brasileiros tomam como exemplo o conservadorismo evangélico americano, um processo facilitado pelas muitas ligações transnacionais que ligam as comunidades evangélicas brasileiras e americanas. No final da década de 1980, de acordo com o jornal New York Times, havia já 2.800 missionários protestantes dos EUA no Brasil, e “dezenas” de diferentes igrejas e missões com sede nos EUA. A Rede de Televisão Trindade (Trinity Broadcast Network), com sede na Califórnia, é a maior rede de televisão religiosa do mundo e alcança 220 cidades brasileiras em 23 estados brasileiros, cobrindo 45 milhões de pessoas.

Com a influência americana, a Editora Betânia publicou em 1998 pela primeira vez no Brasil um livro lidando com os desafios da militância homossexual. Intitulado “O Movimento Homossexual,” o livro pioneiro, escrito por Julio Severo, foi baseado em ações homossexualistas americanas que poderiam ser copiadas no Brasil — e acabaram realmente sendo copiadas.

O conservadorismo de Severo é resultado de suas experiências com missionários conservadores americanos, inclusive programas televisivos de Rex Humbard e Pat Robertson, e livros de escritores evangélicos conservadores americanos. Seu livro foi distribuído gratuitamente entre membros do Congresso Nacional em 2004. A Editora Betânia no Brasil foi fundada por missionários americanos.
Severo deu o discurso de abertura na primeira conferência da Frente Parlamentar Evangélica em Brasília em 2004. Ele tratou das ameaças variadas do movimento homossexual. A conferência estava cheia de parlamentares evangélicos e dos líderes evangélicos mais proeminentes do Brasil.

A primeira revista da Frente Parlamentar Evangélica também apresentou um artigo de Julio Severo contra a agenda homossexual.

Em 2012, Silas Malafaia, o líder mais proeminente das Assembleias de Deus no Brasil, publicou no Brasil a versão em português do livro “A Estratégia (the Agenda) o Plano dos Homossexuais para Transformar a Sociedade,” escrito pelo Pr. Louis P. Sheldon. O livro de Sheldon foi também distribuído gratuitamente entre membros do Congresso Nacional.

Significativo também é que nas últimas duas décadas várias organizações cristãs americanas, muitas veteranas nas guerras culturais dos EUA, abriram escritórios no Brasil. Uma chegada notável é o Centro Americano de Lei e Justiça (CALJ) do televangelista Pat Robertson, com o estabelecimento de uma filial brasileira, o Centro Brasileiro de Lei e Justiça, ligado a Silas Malafaia. O CALJ, uma alternativa direitista à entidade de extrema esquerda União das Liberdades Civis Americanas dos EUA, é famoso por defender a definição bíblica do casamento (ajudou a redigir a Lei de Defesa de Casamento) e por defender os direitos de Primeira Emenda dos cristãos nos EUA.

Apesar de suas e origens e admiração mútua, a população evangélica brasileira não é uma cópia de papel carbono da população evangélica americana. A Direita Cristã Americana é notável por seu ecumenismo com a Igreja Católica e com a Igreja da Unificação, fundada pelo Rev. Moon, que se apresentava como um novo “messias” para cumprir o que Jesus Cristo não conseguiu supostamente cumprir. A razão para tal união era que Moon era antimarxista e conservador. 

Mas tal ecumenismo é mal o caso no Brasil, onde os evangélicos estão em guerra com a Igreja Católica por causa da questão do “privilégio católico.” Igrejas evangélicas querem que o governo lhes conceda os mesmos benefícios fiscais tradicionalmente dados só à Igreja Católica, tais como apoio para escolas, monastérios e seminários católicos. Muitos evangélicos brasileiros também miram agressivamente doutrinas católicas, como a adoração a Maria, como sua principal preocupação evangelística.

O meio principal para a participação dos evangélicos na política é a Frente Parlamentar Evangélica, indiscutivelmente o lobby mais eficaz no Congresso Nacional. Seu crescimento espelha o crescimento do movimento evangélico. Em 1985, a bancada evangélica tinha 17 membros; em 2006, seus membros haviam crescido para 57, ou 12,5 por cento da Câmara dos Deputados, que tem 513 vagas. Em 2014, 93 membros ou 15 por cento da Câmara dos Deputados e cinco membros do Senado (um órgão com 81 membros) pertenciam à bancada. Essas percentagens se tornam mais importantes quando se considera a fragmentação do sistema partidário brasileiro. 

O partido principal geralmente comanda menos de 20 por cento do Congresso. A maioria dos membros da bancada evangélica vem de denominações pentecostais. A maioria deles, ou todos, são “pastores” ou “bispos” de suas respectivas denominações. As pesquisas indicam que ter o título de “pastor” ligado ao seu nome aumenta as chances políticas dos candidatos “tornando a conexão religiosa mais visível.”

A bancada evangélica tem sido a única força no Congresso Nacional a bloquear a agenda homossexual. Líderes evangélicos argumentam que os projetos de lei pró-homossexualismo concedem direitos gays especiais para supremacistas gays e prejudicam a liberdade religiosa, tal como a liberdade de os pastores citarem versículos da Bíblia que condenam a homossexualidade. Enquanto a Esquerda brasileira copia a Esquerda americana em seus esforços para impor a agenda homossexual no Brasil, a bancada evangélica tem sido encorajada por Malafaia, Severo e outros a copiar o conservadorismo evangélico americano.

Com as eleições presidenciais marcadas para o próximo ano, um estouro de boiada de candidatos já está fazendo de tudo para chegar à presidência, e os eleitores evangélicos poderiam acabar coroando o ganhador. Mas isso dependerá da capacidade da população evangélica apoiar um único candidato. Diferente dos evangélicos americanos, os evangélicos brasileiros não são dedicados a nenhum partido. Durante a última eleição presidencial, por exemplo, o voto evangélico foi para a evangélica Marina Silva, ex-ministra do meio-ambiente no governo Lula que concorreu sob a bandeira do Partido Socialista Brasileiro. Marina ficou em terceiro lugar.

Os pentecostais são geralmente conservadores em questões como aborto e homossexualidade, mas Marina é um caso especial. Ela se converteu para as Assembleias de Deus, mas suas raízes ideológicas na Igreja Católica, principalmente a Teologia da Libertação, nunca foram abandonadas. Mesmo assim, ela foi enganosamente retratada na mídia evangélica americana em 2014 como “conservadora.”

Marina provavelmente concorrerá de novo, assim como seu velho patrão, Lula, presumindo que ele consiga recorrer da condenação de corrupção que pode mandá-lo para a cadeia por quase 10 anos. Outro concorrente possível é Sérgio Moro, o juiz federal encarregado da Operação Lava Jato, que realmente sentenciou Lula. Ainda outro candidato sério é João Doria, o magnata midiático e ex-estrela do programa “O Aprendiz,” que no ano passado chocou o mundo político ao se eleger prefeito de São Paulo, a maior cidade da América Latina.

Doria é bastante semelhante a Trump, tendo o mesmo histórico esquerdista e ambos eram estrelas do programa “The Apprentice” (O Aprendiz). A preocupação evangélica é que ele não é contra a agenda homossexual, exatamente como Trump não tem se oposto à agenda homossexual. Embaixadas americanas sob Trump continuam promovendo essa agenda das trevas, embora ele tenha, sob pressão evangélica, barrado soldados transgêneros nas forças armadas. Malafaia e outros líderes pentecostais acham que podem exercer a mesma pressão num possível presidente Doria.

Outro candidato possível para os evangélicos poderia ser o deputado federal Jair Bolsonaro, um político direitista que comparou o “casamento” de mesmo sexo à pedofilia. Bolsonaro, que é conhecido por louvar o regime militar no Brasil, é admirado entre evangélicos por sua oposição à agenda homossexual. Mas ele é mais bem conhecido por suas palavras e temperamento descontrolado. 

Ainda que ele tivesse sido batizado no Rio Jordão, em Israel, em 2016 num golpe publicitário político para sinalizar uma conversão ao evangelicalismo, o tempo tem sido suficiente para desmentir isso. Não existe nenhum sinal de um Bolsonaro “evangélico” e o pastor pentecostal que o batizou, o Pastor Everaldo, é um estrategista político astuto. Desde o batismo “evangélico,” o relacionamento e golpe publicitário dos dois azedaram e ambos se separaram. 

Entre os evangélicos, o principal ponto negativo de Bolsonaro é suas conexões estranhas com o Rasputim brasileiro, Olavo de Carvalho, um imigrante brasileiro autoexilado nos EUA que sistematicamente defende a ideia escura de que os evangélicos, principalmente a América protestante, inventaram um alegado “mito” da Inquisição, que torturava e matava judeus e protestantes. Para Carvalho, a Inquisição era boa e necessária, uma verdadeira “campeã” de direitos humanos. Ele se tornou notório no Brasil na década de 1980 por suas atividades astrológicas e por ter fundado a primeira escola brasileira de astrólogos.

Quer Doria ou Bolsonaro, ambos católicos, consigam receber apoio entre evangélicos é algo incerto. Contudo, se a experiência americana com Trump serve de exemplo, Doria em seu empreendorismo e Bolsonaro em sua oposição à agenda homossexual são elegíveis para receber apoio evangélico. Se um candidato pentecostal aparecer, Doria e Bolsonaro não terão chance. Mas seja o que for que acontecer, um paradoxo claro já é visível: Num país famoso por sua cultura hedonista, seu sincretismo católico com as religiões africanas e seus carnavais carregados de sexo, o conservadorismo cristão tem entre os evangélicos sua representação mais poderosa.

Com informações da revista “The Nation.”

Ohonte: GospelPrime

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