quinta-feira, 23 de agosto de 2018

"Paraíso Socialista": Venezuelanos compram carne estragada para poder consumir proteína

Consumidores examinam carne estragada, misturada à carne fresca, oferecida em Mercado em Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto (Foto: AP Photo/Fernando Llano)
Consumidores examinam carne estragada, misturada à carne fresca, oferecida em Mercado em Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto

Frequentes blecautes em Maracaibo provocaram panes em refrigeradores e açougues passaram a oferecer produto com preços reduzidos. ‘Cheira um pouco mal’, admite consumidor, que diz lavar carne com limão e vinagre para alimentar os filhos.

Moradores de Maracaibo, na Venezuela, estão fazendo fila para comprar carne estragada depois que nove meses de blecautes provocaram panes em refrigeradores e açougueiros passaram a oferecer o produto em promoções.

Algumas pessoas passam mal ao consumir a carne, mas, com a grave crise econômica do país, assumem o risco porque este é o único jeito através do qual conseguem comprar algum tipo
de proteína.

“Cheira um pouco mal, mas você enxagua com um pouco de vinagre e limão”, diz Yeudis Luna, pai de três meninos que comprava pedaços escurecidos em um açougue da segunda maior cidade da Venezuela.

Os venezuelanos enfrentam a pior crise econômica da história do país. Serviços básicos como água tratada e eletricidade se tornaram luxos.

O presidente Nicolás Maduro atribui as dificuldades à uma guerra econômica desencadeada pelos Estados Unidos e outros poderes capitalistas. O governador do estado de Zulia, onde fica Maracaibo, Omar Prieto, recentemente afirmou que os frequentes blecautes estavam sendo reparados, mas o alívio ainda não chegou.

Consumidores examinam carne estragada, misturada à carne fresca, oferecida em Mercado em Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto (Foto: AP Photo/Fernando Llano)
Consumidores examinam carne estragada, misturada à carne fresca, oferecida em Mercado em Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto

A extensa cidade portuária de Maracaibo, às margens de um vasto lago, já serviu como um centro de produção do petróleo da Venezuela, produzindo cerca de metade do petróleo bruto do país, despachado para o mundo todo.

Uma ponte sobre o Lago Maracaibo permanece como um lembrete dos tempos melhores. A longa estrutura de oito quilômetros, construída há cinco décadas, antigamente brilhava durante a noite com milhares de luzes, ligando a cidade ao resto da Venezuela. Maracaibo era limpa e fervilhava com restaurantes internacionais.

Hoje, as luzes da ponte não brilham mais e as plataformas de petróleo quebradas se espalham pelo lago com as margens encharcadas de óleo. Os antigos shopping centers luxuosos se transformaram em ruínas e os negócios internacionais foram embora.

Nos últimos nove meses os moradores de Maracaibo enfrentaram blecautes frequentes. As coisas pioraram em 10 de agosto, quando um incêndio destruiu uma linha de energia principal de fornecimento da cidade de 1.5 de habitantes.

As unidades de refrigeração pararam de funcionar e a carne começou a apodrecer. Ao menos quatro açougues têm vendido carne estragada em Las Pulgas, o mercado central de Maracaibo.

O açougueiro Johel Prieto disse que a falta de energia estragou um lote inteiro de carne. Ele moeu e misturou com carne fresca e vermelha em uma tentativa de disfarçar o dano.

Carne vendida em açougue do mercado central de Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto (Foto: AP Photo/Fernando Llano)
Carne vendida em açougue do mercado central de Maracaibo, na Venezuela, no dia 19 de agosto 

Uma bandeja de carne moída e outros cortes acinzentados em exposição em seu balcão atraía moscas – e um fluxo constante de clientes. Alguns usam o produto para alimentar seus cães, diz Prieto, mas outros o cozinham para suas famílias.

“Claro que eles comem a carne – graças a Maduro”, disse Prieto. “A comida do pobre é comida estragada”.

Do outro lado do corredor, em outro stand, um açougueiro – sem camisa e fumando um cigarro – oferece bandejas com pedaços escurecidos.

“As pessoas estão comprando”, disse José Aguirre, que estava descarregando frango estragado.

Luna, um manobrista de 55 anos, levou um quilo para casa, sabendo que estava vencido, mas disposto a fazer o possível para tornar a carne comestível.

Sua mulher partiu no ano passado para a Colômbia, abandonando ele e seus filhos, de seis, nove e dez anos. Ele diz que ela não conseguia mais suportar a fome e que não teve mais notícias dela.

Para preparar a carne, Luna diz que primeiro a enxagua com água e depois deixa de molho durante a noite em vinagre. Ele espreme dois limões e deixa ferver com um tomate e meia cebola.

Luna e seus filhos comeram.

“E u tinha medo de que eles fossem passar mal porque são pequenos”, diz. “Mas só o menor teve diarreia e vomitou”.

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