domingo, 10 de fevereiro de 2019

Aborto e desumanização: como o amor cristão é a resposta em um mundo consumista


Em janeiro, um projeto de lei foi apresentado nos Estados Unidos que legalizaria o aborto tardio (após 27 semanas de gestação) e “pós-parto”, provocando outra rodada de debate nacional sobre o assunto.

Embora o projeto de lei tenha sido criticado e, em última análise, não tenha passado, o fato de que isso seria formalmente proposto diz muito sobre a aceitação popular do aborto hoje. Cada vez mais aclamado como uma manifestação sadia e saudável da autonomia do corpo, o movimento pró-escolha quase ignora a humanidade da criança no útero.

No início, a conversa centrava-se na vida e na humanidade, fazendo perguntas como: “Em que ponto uma massa de células pode ser considerada uma pessoa?” Ou “Quando a vida
realmente começa?”. Argumentos sobre o batimento cardíaco ou a atividade cerebral do feto, também como o grau de risco para a vida da mãe, alimentaram a compreensão do tribunal sobre como limitar e regular o aborto induzido.

Uma rampa escorregadia

Apesar da negação total dos progressistas na década de 1970 de qualquer tipo de falácia da rampa escorregadia, isso não é mais o caso. A legislação tornou-se cada vez mais permissiva ao longo dos últimos quarenta anos, permitindo o aborto eletivo durante os dois primeiros trimestres e reduzindo drasticamente os requisitos anteriormente rigorosos em relação ao aborto no terceiro trimestre. 

A recente aprovação do projeto de lei que permite o aborto eletivo de última hora em Nova York foi recebida com aplausos e grande satisfação quando, mais uma vez, os “direitos aos seus corpos” das mulheres foram mantidos.

Em outras palavras, a vida não é mais o fator determinante para decidir se uma gravidez pode ou não ser abortada, e a compreensão que temos acerca da necessidade de uma mulher interromper uma gravidez cresceu de cenários literais de “vida e morte” para incluir o tempo e a conveniência (agora a razão #1 para as mulheres escolherem abortar). 

De uma perspectiva externa, declarações como “Não trataremos mulheres como éguas de cria” e “As mulheres não deveriam ter que levar a cabo uma gravidez se não quiserem”, soam louváveis ​​e libertadoras, mas realmente se resumem a uma premissa: os adultos simplesmente têm mais importância do que as crianças. Se uma mulher não quer sustentar a vida de seu filho, ela não deveria ser obrigada a fazê-lo – qualquer que seja sua razão, seja até o nascimento da criança ou talvez depois que ela nasça. 

A vida não tem mais valor intrínseco, e sugerir que alguém sacrifique seus planos, desejos ou seu corpo por uma criança simplesmente porque ela está viva, agora é considerado retrógrado, opressivo e escandaloso. Isso ficou claro para através de uma série de posts e comentários em um fórum popular na Internet sobre bebês nascidos com síndrome de down. 

A crença da maioria esmagadora era de que nenhum pai deveria ser sobrecarregado com o cuidado de uma criança com necessidades especiais, e se um casal soubesse que seu feto tem síndrome de down ou quaisquer outros problemas, eles deveriam simplesmente abortar. Além disso, esse curso de ação seria “o melhor resultado” para todos os envolvidos, já que evitaria que uma criança sofresse desnecessariamente por meio de pais intimidadores ou frustrados. 

Desta forma, podemos evitar o sofrimento desnecessário e, finalmente, eliminar completamente os distúrbios do desenvolvimento. Mais uma vez, isso pode parecer bom no início – até mesmo misericordioso – mas, ao examinarmos a questão, isso se traduz em algo como: “Essa pessoa não merece viver porque sua vida me causará transtornos”, ou, ainda mais assustador: “Indivíduos com distúrbios de desenvolvimento não merecem viver”.

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Levando o argumento até as últimas consequências

Como chegamos a este ponto? Parte da resposta está na retórica e na falta de pensamento crítico. É muito bom dizer “tenho direito ao meu próprio corpo”. Outra coisa, no entanto, é perceber que isso significa que “meu direito ao meu corpo é mais importante do que o seu direito ao seu corpo”, e implica que aqueles que são poderosos ou contribuem de alguma forma são mais importantes do que aqueles que não são e não contribuem. 

Graças a uma série de fatores, a filosofia caiu no desprestígio da cultura popular, e a prática de seguir um argumento até sua conclusão lógica desapareceu com ela. Como resultado, achamos que estamos dizendo uma coisa e somos forçados a seguir suas conclusões para, alguns anos depois, percebermos a extensão total do que esse pensamento significa. 

Outra parte da resposta, penso eu, é o consumismo. O valor não é mais objetivo ou inerente, mas inteiramente determinado pela demanda. Uma pessoa não tem valor inerente; seu valor se estende apenas até onde contribui e participa da sociedade. Se são considerados um fardo, se são impotentes, indizíveis, outros, então eles não têm valor e sua vida está sujeita aos caprichos de todos ao seu redor. 

E, como todos os ciclos da história, isso parece começar com os bebês – seguidos pelos doentes e deficientes, os idosos, até que finalmente estejamos engajados com a eugenia plena. 

Se você é um naturalista científico, não há problema nisso – na verdade, isso é até mesmo desejável. Eliminar os não-contribuintes, acabar com os deficientes mentais, eutanizar os idosos e os aflitos, são todos movimentos que tornam a raça humana mais forte.

Ao purificar a raça humana, garantimos uma melhor sobrevida global e, presumivelmente, aumentamos a felicidade geral. A sobrevivência do mais forte pode parecer dura, mas para o naturalista é uma inevitabilidade, uma lei da natureza e, em última análise, para melhor.

Um salto irracional

Como explicar o desconforto, então, a reação instintiva da maioria das pessoas contra essa ideia, uma vez exposta? Como podemos ao mesmo tempo aplaudir o projeto de lei que permite abortos tardios eletivos e exigir compaixão por crianças famintas e empobrecidas? Como podemos aprovar a “eliminação” dos distúrbios do desenvolvimento simplesmente matando aqueles que os têm e, ao mesmo tempo, chorar pelo sofrimento do protagonista em “Uma Lição de Amor” (I am Sam)?

“Isso é diferente”, dizem eles. “Essas pessoas estão sofrendo”. Sim, são pessoas que sofrem – pessoas que nada contribuem para nós, que não têm poder e que querem desesperadamente viver. A diferença real, então, parece ser que podemos vê-los – vemos os comerciais tristes em que nos dizem que um real por dia mudará a vida de alguém; fazemos viagens humanitárias, nos relacionamos com eles e voltamos para casa nos sentindo bem. 

Mas não vemos a criança em nossa barriga, a criatura alienígena reagindo aos sons de diferentes vozes, afastando-se da dor no útero, sonhando, aprendendo, se desenvolvendo (embora tenha sido demonstrado repetidas vezes que essas coisas estão acontecendo). 

Não vemos o potencial da criança, não vemos o desejo dela de viver. Não vemos nada além de nossa própria conveniência e conseguimos nos convencer de que sabemos o suficiente do futuro para decidir se a vida dessa pessoa valerá a pena.
Eles saberão que somos cristãos por causa de nosso amor

Como nós, então, como cristãos, nos levantamos contra esta onda de impiedade e egocentrismo, onde o valor é atribuído ao invés de ser inerente? Como combatemos o consumismo que transforma pessoas em mercadorias, que torna o valor em algo condicional?

Com o amor.

Isso não significa dizer coisas legais e fazer com que as pessoas se sintam bem. A ideia não é que sejamos educados, complacentes, evitando opinar por medo de sermos acusados de “julgar”, deixando que as pessoas ao nosso lado façam o que quiserem para alcançar o conforto e a felicidade. Também não quer dizer que vamos utilizar clichês teológicos a alguém que está sofrendo, dar um tapinha em suas costas e ir embora.

Não. Refiro-me ao amor exigente, aquele que está presente, que está envolvido, que é paciente, gentil, abnegado. O amor que mantinha os cristãos presentes em cidades repletas de praga cuidando dos enfermos que haviam sido abandonados por todos os outros. Refiro-me ao amor que levou os cristãos a resgatar centenas de bebês rotineiramente deixados à própria sorte para morrer. 

Agora, mais do que nunca, temos que amar e amar muito – sacrificar a nós mesmos, nossas vidas, nossos desejos, por aqueles que nos cercam. Temos que estar dispostos a fazer o oposto que o mundo nos ensina, ou seja, a entregarmos nossas vidas e nos colocarmos em último lugar. 

Sabemos que todos os seres humanos possuem a imagem de Deus, que todos os seres humanos têm valor inerente, independentemente de sua inteligência, saúde, idade, desenvolvimento ou contribuição. Temos que nos apegar ao amor, à misericórdia e à compaixão, nos ancorarmos contra as violentas ondas de consumismo e naturalismo que já estão começando a se agitar ao nosso redor. 

Que todos os pobres e fatigados venham até nós, que os fracos e aqueles que não têm voz sejam protegidos, que os marginalizados sejam trazidos para o rebanho. Não se engane – isso é difícil. É complicado. 

Não há respostas fáceis ou soluções simples. É doloroso. E vai se tornar cada vez mais. Isso é cada vez mais contracultural e, eventualmente, é o que nos fará diferentes. Eles saberão que somos cristãos por causa de nosso amor.

 

Carrie Myatt Silveira é graduada em filosofia pelo Gordon College e mestre em estudos bíblicos e em pensamento cristão pelo Gordon-Conwell Theological Seminary. Sua área de estudo concentra-se em filosofia da mente e teologia

Phonte: Tu Porém

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