sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Extermínio de Cristãos no Oriente Médio

A maioria das igrejas ao redor e em Mossul, Iraque, foram profanadas ou destruídas pelo ISIS. Foto: Torre dos Sinos da Igreja de São João quase totalmente destruída (Mar Yohanna) na cidade de Qaraqosh, perto de Mossul, 16 de abril de 2017. (Foto: Carl Court/Getty Images)

"Eu não acredito nessas duas palavras (direitos humanos), não há direitos humanos. Mas nos países ocidentais há direitos dos animais. Na Austrália eles protegem os sapos... Considerem-nos sapos, aceitaremos isso, apenas protejam-nos para que possamos ficar em nossa terra." — Nicodemus, arcebispo ortodoxo siríaco da região metropolitana de Mossul, National Catholic Register.

"São aquelas mesmas pessoas que vieram aqui há muitos anos. Nós os aceitamos. Nós somos o povo autóctone dessa terra. Nós os aceitamos, abrimos nossas portas para eles e fizeram com que nós virássemos minorias em nossa própria terra, depois refugiados em nossa própria terra. E isso irá acontecer com vocês se não acordarem." — Nicodemus, arcebispo ortodoxo siríaco da região metropolitana de Mossul.

"A ameaça aos pandas provoca mais sentimentos emotivos" do que a ameaça de extinção dos cristãos no Oriente Médio. — Amin Maalouf, escritor franco/libanês, Le Temps.


Converta-se, pague ou morra. Há cinco anos essas eram as "alternativas" que o Estado Islâmico (ISIS) dava aos cristãos de Mossul, então terceira maior cidade do Iraque: abrace o Islã, pague o imposto sobre a religião ou morra pela espada. Naquela época o ISIS marcava as casas dos cristãos com a letra árabe ن (N), a primeira letra da palavra "Nasrani" ("Nazarene," "Cristão") em árabe. Via de regra os cristãos não podiam levar mais do que algumas roupas nas costas e fugir da cidade, lar dos cristãos por 1.700 anos.

Dois anos atrás, o ISIS foi derrotado em Mossul e seu califado desmoronou. Os extremistas no entanto conseguiram fazer a "limpeza" quanto aos cristãos. Antes da ascensão do ISIS havia mais de 15 mil cristãos na cidade. Em julho de 2019, a instituição católica beneficente Ajuda à Igreja que Sofre revelou que somente cerca de 40 cristãos voltaram à cidade. De uns tempos para cá, Mossul "comemora o Natal sem cristãos".

Esse genocídio cultural, graças à indiferença dos europeus e de muitos cristãos ocidentais, mais preocupados em não parecerem "islamofóbicos" do que defenderem seus próprios irmãos, lamentavelmente deu certo. O padre Ragheed Ganni de Mossul, por exemplo, havia acabado de celebrar a missa em sua igreja quando os islamistas o assassinaram. Em uma de suas últimas cartas Ganni escreveu: "estamos à beira do colapso". Isso foi em 2007, quase dez anos antes do ISIS erradicar os cristãos de Mossul. "O mundo 'fez vista grossa' enquanto os cristãos estavam sendo mortos?" Perguntou o Washington Post. Com certeza.

Traços de um passado judaico perdido também vieram à tona em Mossul, onde a comunidade judaica viveu por milhares de anos. Agora, 2 mil anos depois, tanto o judaísmo como o cristianismo foram efetivamente aniquilados. A existência deles acabou. La Vie compilou o testemunho do cristão Yousef (não é seu nome verdadeiro), que fugiu na noite do dia 6 de agosto de 2014, instantes antes do ISIS chegar. "Foi um êxodo para valer", salientou Yousef.

"Era um mar de gente, eu não conseguia ver o início nem o fim da procissão. Crianças chorando, famílias arrastando pequenas malas. Velhos sendo carregados nas costas dos filhos. As pessoas estavam sedentas, estava quente demais. Perdemos tudo de uma vida toda, ninguém nos defendeu".

Algumas comunidades, como os minúsculos bolsões cristãos em Mossul, estão praticamente perdidos para sempre", escreveram dois especialistas americanos na revista Foreign Policy.

"Estamos à beira do precipício da catástrofe, se não agirmos logo, em questão de semanas, os pequeníssimos traços das comunidades cristãs no Iraque poderão, em sua maioria, serem erradicados por meio do genocídio, cometido contra os cristãos no Iraque e na Síria".

Somente em Mossul 45 igrejas foram vandalizadas ou destruídas. Nenhuma sequer foi poupada. Hoje há apenas uma igreja em funcionamento na cidade. Ao que tudo indica o ISIS também queria destruir a história cristã. Eles tinham como alvo o Monastério dos Santos Behnam e Sarah, fundado no Século IV. 

O monastério sobreviveu à conquista islâmica do Século VII e às invasões que se seguiram, mas em 2017, cruzes foram destruídas, celas saqueadas e as estátuas da Virgem Maria decapitadas. O padre iraniano Najeeb Michaeel, que salvou 850 manuscritos do Estado Islâmico, foi ordenado em janeiro último como novo arcebispo católico caldeu de Mossul.

O ISIS junto com a Al Nusra, braço da al-Qaeda na Síria, seguiu o mesmo padrão quando seus militantes atacaram a cidade cristã de Maalula. "Eles talharam os rostos dos santos, de Cristo, espatifaram estátuas", disse recentemente o padre Toufic Eid à agência do Vaticano, Senhor:

"Os altares, as iconóstases e a pia batismal foram despedaças. Mas o que mais me chamou a atenção foi a queima dos registros de batismo. É como se eles quisessem apagar nossa fé".

No cemitério da igreja de São George em Karamlesh, um vilarejo a leste de Mossul, o ISIS desenterrou um corpo e o decapitou, aparentemente só porque ele era cristão.

A sorte dos cristãos de Mossul é parecida com a dos cristãos de outras regiões do Iraque. "A União Internacional para a Conservação da Natureza tem várias categorias para definir o risco de extinção que diversas espécies enfrentam hoje", escreve Benedict Kiely, fundador da Nasarean.org, que ajuda cristãos perseguidos do Oriente Médio.

"Usando a porcentagem da população em declínio, as categorias vão desde 'espécies vulneráveis' (declínio de 30% a 50%), a 'perigo crítico de extinção' (80% a 90%) e finalmente extinta. A população cristã do Iraque encolheu cerca de 83%, colocando-a na categoria de perigo crítico de extinção".

Desavergonhadamente tem sido e ao que tudo indica, ainda é totalmente indiferente a sorte dos cristãos do Oriente Médio. Conforme coloca o arcebispo ortodoxo siríaco Nicodemus da região metropolitana de Mossul:

"Eu não acredito nessas duas palavras (direitos humanos), não há direitos humanos. Mas nos países ocidentais há direitos dos animais. Na Austrália eles protegem os sapos... Considerem-nos sapos, aceitaremos isso, apenas protejam-nos para que possamos ficar em nossa terra.

"São aquelas mesmas pessoas que vieram aqui há muitos anos. Nós os aceitamos. Nós somos o povo autóctone dessa terra. Nós os aceitamos, abrimos nossas portas para eles e fizeram com que nós virássemos minorias em nossa própria terra, depois refugiados em nossa própria terra. E isso irá acontecer com vocês se não acordarem."


"A cristandade no Iraque, uma mais antigas, se não a mais antiga do mundo, encontra-se perigosamente perto da extinção", Bashar Warda, arcebispo de Irbil, capital do Curdistão iraniano, assinalou em Londres em maio: "os que estão entre nós para ficar deverão estar prontos para o martírio". Warda também acusou os líderes britânicos de "correção política" em relação à questão do medo de serem acusados de "islamofobia." "Vocês continuarão tolerando essa infindável perseguição organizada contra nós" perguntou Warda. "Quando a próxima onda de violência cair sobre nós, haverá demonstrações em seus campi com cartazes dizendo: somos todos cristãos?"

Esses cristãos ganharam espaço nas TVs e jornais apenas e tão somente ao custo de seu sangue, desaparecimento e sofrimento. Sua tragédia ilumina nosso suicídio moral. Segundo as palavras do escritor franco/libanês Amin Maalouf: "esse é o grande paradoxo: acusa-se o Ocidente de querer impor seus valores, mas a verdadeira tragédia é a sua incapacidade de transmiti-los... 

Às vezes temos a impressão que os ocidentais de uma vez por todas se apossaram da cristandade... e dizem a si mesmos: nós somos os cristãos, o restante dos cristãos não ocidentais são apenas um residual arqueológico fadado a desaparecer. A ameaça aos pandas provoca mais sentimentos emotivos" do que a ameaça de extinção dos cristãos no Oriente Médio.

Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.

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