quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Fuga do por Tédio

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Por Fabio Blanco

Sabe o que diferencia as pessoas? Aquilo que elas escolhem para fugir do tédio. Ninguém pode negar que há uma boa dose de tédio na vida de todo mundo. Mesmo os mais ativos e aventureiros, sentem, de vez em quando algum vazio existencial. Aliás, como dizia um padre do deserto, a tristeza não tem morada e muito desses que vivem como moscas, sem parada, de um lado para o outro, sempre em busca de uma nova experiência, muitas vezes são os que mais sofrem desse buraco no meio da alma.

De qualquer forma, é universal a experiência de sentir-se preso a uma rotina sem sentido, a um cotidiano que parece mais um desenrolar aleatório de acontecimentos. Afinal, a vida não é um roteiro de aventura. Ela parece mais um filme de Bergman – com ou sem sua atmosfera
característica.

Então, cada um busca uma maneira de escapar dessa pasmaceira. A maioria faz isso da forma mais óbvia: encontrando jeitos de movimentar-se corporalmente. É por isso que as academias, os entretenimentos, os jogos, as viagens de lazer, as reuniões sociais são as atividades preferidas das pessoas. Todas elas são maneiras de fugir da monotonia. No fim das contas, a vida de um monte de gente se resume aos momentos em que sua rotina é quebrada e são estes que representam, para esse pessoal, a verdadeira a vida, aquilo que vale a pena, para o que realmente vive.

Mas há algumas almas um pouco mais perturbadas para as quais a mera quebra da rotina é insuficiente. Elas precisam de mais. Sua sensação de insatisfação é tão maior que um mero churrasco no final de semana não serve para aliviar a claustrofobia diária. São estes que se metem nas aventuras mais inusitadas, que fazem aquilo que os comuns acham que já é demais. São estes que movem o mundo, de fato. São os loucos. E alguns destes, quando não conseguem transformar esse incômodo em algo produtivo, em atividade saudável, são os que tem a tendência de se afundar em alívios mais prejudiciais, como a bebida, a drogas, o sexo extremo e tudo aquilo que a criatividade é capaz de inventar para tentar resgatar esses espíritos da melancolia. Outros são um pouco mais espertos, e se lançam na religião, na política, na carreira – formas mais inteligentes de dar algum sentido à vida e preencher seus espaços.

O inusitado é que eu escrevo tudo isso por refletir sobre a minha própria vida. Não sou um aventureiro e estou longe de ter uma vida agitada. Passo a maior parte do meu tempo sentado em minha escrivaninha, lendo ou escrevendo. Os livros são minha viagem e escrita é o meu entretenimento. Inclusive, acho as reuniões sociais um porre e se eu puder fugir de todo tipo de festa, faço isso sem titubear.

Quem pudesse observar minha vida, de um homem absorto entre as letras, em silêncio, quase imóvel, concluiria que se trata de alguém satisfeito, de alguém que não sofre dos males do tédio, que não precisa fugir da tristeza e da melancolia, que não necessita gastar suas energias acumuladas em diversões e brincadeiras. O estereótipo de alguém dedicado à vida intelectual pode passar a ideia de serenidade e paz.

No entanto, eu me conheço muito bem e posso dizer, com toda convicção, que toda minha dedicação às palavras é também uma forma de evasão. Ler e escrever é uma maneira, muitas vezes extrema, de evitar o enfastiamento. Ser um escritor é um jeito que eu encontrei de não morrer de tédio. Ler é o meu churrasco com os amigos, escrever é a minha academia.

No fundo, quem escreve é um desesperado. Sua ansiedade, por vezes, é tão grande, seu incômodo tão angustiante, que um passeio ou um jogo não é capaz de aliviá-lo. Ele precisa derramar sua alma, expressar, como um exorcista, palavras que espantem os demônios internos.

Falando por mim, algo que eu não sou é alguém satisfeito. Não possuo a paz do monge, nem o equilíbrio do guru. Estou longe de sentir-me tranquilo na rotina diária e preciso cotidianamente de doses de atividade para preencher a lacuna na minha alma. Se eu leio e escrevo, portanto, não é porque isso reflete meu espírito estabilizado. Pelo contrário, é o principal reflexo de todo o incômodo que me afeta incessantemente.

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