sábado, 24 de março de 2018

O Dízimo: coisa da lei mosaica?

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Assina Maria Helena Garrido Saddi


Os que argumentam que o dízimo é coisa da Antiga Aliança (Ml 3.10) e, portanto, da Lei mosaica – parece não saberem ou não quererem levar em conta as seguintes verdades:

a) -Quando Abraão deu o dízimo "de tudo" a Melquisedeque, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo (Gn 14.20), e Jacó, em Betel, fez voto de dar ao Senhor o dízimo de tudo que d’Ele recebesse (Gn 28.13,22) –, a Lei ainda não tinha sido dada a Moisés.

Assim, pois, a justificativa de que não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça (Rm 6.14) não serve para a questão do dízimo. Sobretudo, porque o referido versículo precisa ser
devidamente contextualizado, para ser entendido com a requerida proficiência.

b) -Na Epístola aos Hebreus, no capítulo em que se fala da natureza figurativa do sacerdócio de Melquisedeque em relação ao de Cristo, afirma-se: “por meio de Abraão, até Levi, que recebe dízimos, pagou dízimos, porque ainda ele estava nos lombos de seu pai, quando Melquisedeque lhe saiu ao encontro” (Hb 7.9-10).

Consideremos: Levi, na sua condição existencial de vir-a-ser, pois estava nos lombos de seu antepassado Abraão, agiu na pessoa deste. Agiu, fazendo o quê? Como um ser em potencial, entranhado nas carnes de Abraão, Levi fez, representativamente, o que o Patriarca fez.

Ou seja: deu a Melquisedeque o dízimo de tudo o que Abraão trazia da vitória que obtivera sobre a coalizão de Quedorlaomer. Entenda-se: Levi, descendente de Abraão, estava representado no Patriarca.

Reflitamos: e nós, os cristãos? Porventura não éramos existências potenciais representadas na alma de Abraão? O que diz Paulo? “E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gl 3.29)


Os levitas davam ao Senhor o dízimo dos dízimos que eles, segundo a lei, recebiam do povo (Nm 18.26). Fazendo um paralelo entre os levitas e Melquisedeque, o autor de Hebreus prossegue: “E aqui certamente tomam dízimos homens que morrem; ali, porém, aquele de quem se testifica que vive” (Hb 7.8).

Note-se: “E aqui” = contexto levítico; “homens que morrem” = sacerdotes, filhos de Levi; “ali” = contexto protagonizado por Melquisedeque “feito semelhante ao Filho de Deus” (Hb 7.3).

Ora, se Melquisedeque, que representa a ordem do sacerdócio eterno, recebeu dízimos – “Mas aquele cuja genealogia não é contada entre eles tomou dízimos de Abraão” (Hb 7.6) – por que Jesus, o Sacerdote Eterno, segundo a ordem de Melquisedeque (Sl 110.4; Hb 5.6,10; 6.20; 7.17), não os receberia?

É relevante considerar-se que o sacerdócio de Melquisedeque situa-se antes da instituição da lei mosaica, e o sacerdócio de Cristo, depois dela. Conforme assevera o autor de Hebreus, Jesus, “o Filho, perfeito para sempre”, foi constituído sumo sacerdote pela “palavra do juramento, que veio depois da lei” (Hb 7.28, com ênfase nossa). Assim, pois, é plausível o entendimento de que a figura do dízimo não se vincula, estritamente, à lei.

Jesus Cristo recebe dízimos da Sua Igreja, em favor dela; em favor dos seus obreiros e da obra que eles realizam em Seu Nome. Argumenta o apóstolo Paulo (exatamente aquele que disse aos coríntios – em tudo me guardei de vos ser pesado, e ainda me guardarei):

“4 Não temos nós direito de comer e beber? [...]. 
7 Quem jamais milita [vai à guerra] à sua própria custa? Quem planta a vinha e não come de seu fruto? Ou quem apascenta o gado e não come do leite do gado? 
8 Digo eu isto segundo os homens? Ou não diz a lei também o mesmo? 
9 Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que trilha o grão. [...]. 
10 Certamente por nós [por nossa causa] está escrito; porque o que lavra deve lavrar com esperança, e o que debulha deve debulhar com esperança de ser participante. 
11 Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito que de vós recolhamos as carnais? [...] 
13 Não sabeis vós que os que administram o que é sagrado comem do que é do templo? E que os que de contínuo estão junto ao altar participam do altar? 
14 Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho” 
(1 Co 9.4, 7, 8, 9,10, 11, 13, 14. A ênfase é nossa).

É digno de nota o fato de Paulo recorrer à lei de Moisés – “Porque na lei de Moisés está escrito”, para amparar sua argumentação em favor do direito que têm os obreiros cristãos de serem recompensados materialmente pelo trabalho espiritual que realizam.

Com efeito, a argumentação de Paulo reporta-se a duas expressões da lei mosaica, ligadas à questão do sustento do que trabalha no serviço do Senhor. Vejamo-las. Dt 25.4 e 18.1-8.

Porventura tal atitude do Apóstolo não derruba o argumento, usado por alguns, de que o cristão não pode entregar o dízimo na igreja, para não incorrer no perigo de se colocar sob o jugo da lei? É óbvio que derruba!


Ah! mas, e se a pessoa recebe apenas um salário mínimo? Ora, o mesmo Deus que cuida das aves, “que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros” (Mt 6.26), cuidará dela. Se ela agir por FÉ. Se ela agir por Amor à Casa de Deus (Mc 12.41.44).

Importa considerar-se que a Igreja, ao longo de sua história, tem passado por diferentes momentos, por diferentes fases. Inicialmente, ela não precisou de dízimos, por quê?

Porque “todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e fazendas e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister” (At 2.44.45).

Essa fase, porém, passou. E tinha que passar, já que se acabariam os recursos, as fontes de renda. Tanto assim é que, mais adiante, vamos encontrar Paulo dizendo aos coríntios que, ao passar privações, estando entre eles, foi suprido pelos irmãos, vindos da Macedônia (2 Co 11.8).

E aconteceu a fase das coletas para os crentes pobres – At 11.29; Rm 15.26; Gl 2.10; 1 Co 16.1,2. Tomemos esta última referência:

“1 Ora, quanto à coleta que se faz aos santos, fazei vós também o mesmo que orientei às igreja da Galácia.
2 No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade”. (O grifo é nosso).

E, finalmente, com o crescimento e diversificação da obra de Deus, confiada à Igreja, estabeleceu-se o entendimento de que havia necessidade em definir-se e regularizar-se o ato de contribuir “conforme a sua prosperidade”.

Nada mais adequado, considerando-se o contexto das Escrituras, do que tomar a figura do dízimo como parâmetro para a contribuição regular dos membros de uma congregação evangélica. Destarte, se a prosperidade do cristão é X, o dízimo incide sobre X; se é Y, sobre Y. Daí, a “conformidade” referida pelo Apóstolo.

Um ponto a considerar-se:

A alegação de que Jesus não dava o dízimo, enseja a seguinte análise da moeda-questão, observada em suas duas faces:

a)-Qual é o registro bíblico de que Jesus não dava o dízimo?

b)-Se Ele, realmente, não o dava, o que justificaria tal comportamento?

Duas possibilidades apresentam-se-nos absolutamente plausíveis. Ei-las:

· Jesus tinha negócio próprio? Acaso não estava Ele cuidando, com dedicação exclusiva, “dos negócios de seu Pai”? (Lc 2.49). A propósito, não parece bem significativo o fato de que Ele tenha lançado mão de um recurso sobrenatural – o estáter na boca do peixe –, para pagar o imposto das duas dracmas? (Mt 17.24-27).

· Sendo o dízimo entregue aos sacerdotes, se Jesus não observava esse preceito (se é que não!), certamente agia assim, movido por um princípio de coerência. Que princípio? O mesmo, implícito no arrazoamento que Ele propôs a Pedro, em relação ao imposto devido ao templo. Jesus tinha a perfeita consciência, tanto de ser o Filho de Deus, portanto, o Filho do Rei, dono do templo, quanto de ser o Sumo Sacerdote Eterno, pela ordem de Melquisedeque.

Conclusão: 

Se os textos de Malaquias, 3.8-11 e de Mateus, 23.23 não servem de base para que os cristãos deem o dízimo de seus ganhos monetários (é essa a sua produção, como o eram os frutos das lavouras dos israelitas), há um contexto maior, nas Escrituras, que sustenta a doutrina do dízimo. Doutrina essa que, legitimamente ensinada, deve conscientizar o povo de que o dízimo deve ser expressão de obediência em fé, em amor, em gratidão ao SENHOR. Assim como as ofertas.

Com efeito, o erro não está no ato de a Igreja requerer o dízimo, mas na forma distorcida e inescrupulosa com que alguns líderes eclesiásticos o empregam. “Viver do evangelho” é uma coisa; viver, nababescamente, do evangelho é Outra!!! Aí, o negócio deles é com Deus, a Quem prestarão contas.

Está escrito: “Eu, o Senhor, esquadrinho o coração, eu provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto de suas ações” (Jr 17.10); “eu sou aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras” (Ap 2.23).

***

Fonte bibliográfica: 1Bíblia Sagrada. Trad. em português por J.F. de Almeida. São Paulo: Scripturae, 2004. 2La Sainte Bible. Trad. en français par Louis Segond. 
Alliance Biblique Universelle. 3Bíblia Shedd. Trad. em português por J.F. de Almeida. São Paulo: Edições Vida Nova, 1998. 4Bíblia de estudo DAKE. Trad. em português por J.F. de Almeida. Belo Horizonte: Editora Atos, 2010.

Autora do artigo: Maria Helena Garrido Saddi, Professora universitária, Mestra e Doutora em Letras. Membro da Igreja Batista Hebrom, em Goiânia.

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