domingo, 27 de janeiro de 2019

O Vaticano se Rende à China

No recente acordo assinado entre o Vaticano e o regime Chinês, o Papa Francisco cedeu parcialmente o controle da Igreja Católica Chinesa ao Partido Comunista Chinês. Foto: Catedral Sagrado Coração de Jesus em Guangzhou, China. 
(Imagem: Zhangzhugang/Wikimedia Commons)

Pode ser que o Vaticano venha a aprender da maneira mais difícil que o governo comunista chinês não honra seus acordos. É bem provável que Pequim tente extorquir ainda mais concessões do Vaticano, a exemplo das exigências do regime chinês em relação às empresas ocidentais que fazem negócios na China, para que renunciem cada vez mais a sua soberania.

Também é altamente incerto que o Vaticano compre a paz com o pacto: o regime continuará perseguindo a Igreja. Se o regime comunista agir como manda o figurino, milhares de cruzes serão arrancadas das igrejas cristãs, especialmente em regiões com alta concentração de cristãos.

Os corajosos anciãos do catolicismo chinês, que suportaram décadas de perseguição do governo e iniciativas do regime de dividir a Igreja, poderão ser vistos por seus rebanhos como tendo sido contornados pelo Vaticano. Muitos, se não a maioria dos católicos chineses tenderão a ver o acordo como uma cínica traição política do Vaticano, e não como uma decisão baseada na fé.

"À luz desse sombrio acontecimento, parece que a prudência e a cautela estariam na ordem do dia nas negociações do Vaticano com os totalitários responsáveis em Pequim, que no último congresso do Partido a religião foi mais uma vez declarada inimiga do comunismo." — George Weigel, autor católico e analista político.


O Papa Francisco cedeu parcialmente o controle da Igreja Católica Chinesa ao Partido Comunista Chinês (PCC). Sua Santidade concordou em conceder ao Partido substancial autoridade sobre questões que dizem respeito ao seu staff. Após décadas se recusando a conceder à China o direito de nomear bispos católicos, como condição para normalizar as relações, o Vaticano finalmente aceitou a exigência do regime de permitir que o PCC desempenhe um papel de suma importância na escolha dos bispos que tomarão o leme das dioceses católicas.

A concessão do Vaticano veio apesar da perseguição, sem trégua, do PCC à Igreja Católica clandestina, independente e não oficial na China. No entanto, ao que tudo indica, o Vaticano não vê nisso uma derrota e sim um meio para atingir um fim. A hierarquia diplomática da Igreja Católica pode estar certa de que a verdade da sua mensagem espiritual perdurará muito depois que o PCC se dissolver no mesmo lixo histórico de outras ideologias totalitárias.

O fato da Igreja concordar em ceder sua postura política independente ao aparato do regime do Partido Comunista chinês, dá a Pequim a autoridade de nomear bispos politicamente palatáveis para o PCC. Ao conceder à China tal prerrogativa, o Vaticano implicitamente reconhece a legitimidade da ferramenta do regime do PCC de se infiltrar e controlar o catolicismo romano na China, no caso a Associação Católica Patriótica Chinesa (CPCA).

O Papa Francisco também reempossou inúmeros bispos pró-regime que o Vaticano já havia excomungado porque concordaram graciosamente em seguir as diretrizes da China Comunista, abandonando a lealdade à Igreja de Roma. Por último, a burocracia da Santa Sé também aceitou a exigência de Pequim de reduzir e reestruturar as 137 dioceses da Igreja Católica espalhadas pela China.

Esta última concessão do Vaticano pode esfarelar a autoridade religiosa de inúmeros bispos nomeados secretamente a algumas dessas dioceses eliminadas tanto pelo Papa Francisco como por papas anteriores. 

Por quase 70 anos, após a tomada de poder na China pelo PCC, os católicos compareciam às igrejas da Associação Católica Patriótica Chinesa aprovadas pelo governo ou então às igrejas alinhadas ao Vaticano. Alguns católicos até vão à missa celebrada em casas particulares para evitar a vigilância dos agentes do regime.

Após uma série de recentes encontros entre a Santa Sé e a Administração Estatal de Assuntos Religiosos da China, o Papa Francisco enviou uma delegação em meados de dezembro para se reunir com os principais bispos da "Igreja Clandestina" pró-Vaticano e autoridades do governo chinês. A delegação estava na China, ao que consta, para tomar "medidas práticas" para implementar o acordo provisório que a Santa Sé havia firmado com a China.

Na realidade, a delegação papal pode ter sido enviada à China para se certificar que a implementação final do acordo ocorresse sem solavancos. Fazia parte da delegação o Arcebispo Claudio Maria Celli, Presidente Emérito do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais do Vaticano. 

O arcebispo trouxe consigo um documento assinado pelo Secretário de Estado da Santa Sé, Cardeal Pietro Parolin e pelo Cardeal Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos do Vaticano.

A diretiva da delegação papal determinou que ao menos dois proeminentes bispos católicos da "Igreja Clandestina" se aposentassem ou compartilhassem suas obrigações oficiais com os bispos avalizados pelo PCC. 

Embora ainda permaneça em segredo o conteúdo exato da carta da Santa Sé, observadores especializados em Vaticano, ao que parece, refletindo sobre a decisão do Papa de reverter anos resistindo às exigências de Pequim, apresentaram algumas razões que o levaram a dar o braço a torcer. Primeiro, é possível que a Igreja precise acabar com a confusão entre os católicos chineses em relação à cisma entre os bispos avalizados pelo Vaticano e os avalizados pelo regime. 

Outra possível razão para a postura aparentemente flexível do Vaticano é que um acomodamento Estado/Igreja seria necessário para aprimorar o cuidado pastoral aos católicos fiéis que lá se encontram. 

A decisão do Vaticano de não publicar a carta, no entanto, pode dar a entender que o regime também exige que a Santa Sé rompa relações com Taiwan antes de normalizar os laços diplomáticos com a China. Tal suposição se baseia na natureza das condições para que acordos anteriores com Pequim fossem fechados para o estabelecimento de relações bilaterais com outros países, como com o Panamá

Entre os países que cortaram relações diplomáticas com Taiwan para abrirem embaixadas na China se encontram: o minúsculo país africano São Tomé e Príncipe assim como El Salvador. O pré-requisito que determina que países que queiram estabelecer relações diplomáticas formais com a China deverão antes de mais nada cortar relações diplomáticas formais com Taiwan reside na política de Pequim chamada "Uma só China".

A China comunista considera Taiwan parte integral da China, consequentemente rejeita a sustentação de Taiwan segundo a qual ela é que representa o governo legítimo da China.

Parece que os agentes de relações públicas do Vaticano se esforçaram para ficarem bem na fita com respeito ao acordo com Pequim. Gregory Burke, que recentemente renunciou ao cargo de Diretor de Assessoria de Imprensa da Santa Sé, sugeriu que o pacto com o PCC foi concebido para ser pastoral, não político, dando a entender que ajudaria a unificar os católicos chineses. 

O Vaticano, no entanto, num aparente esforço de abafar especulações, se recusou a responder se o acordo é o primeiro passo para o estabelecimento de relações diplomáticas entre a Santa Sé e a República Popular da China. Cerca da metade das 98 dioceses não conta com bispos avalizados pelo Vaticano, deixando assim, não raramente, as paróquias sem clérigos para cuidarem dos crentes. 

Observando-se a campanha anti-católica, hostil, de Pequim, fica claro que a liderança do Partido Comunista está determinada a neutralizar ou até mesmo acabar com a independência da Igreja na China. Faz parte do assédio perpetrado pelo regime o envio de policiais da segurança interna com ordens de retirar imagens das igrejas e remover as cruzes dos campanários. 

Vez ou outra bíblias são confiscadas se forem vistas em lugares públicos. Via de regra, missas costumam ser celebradas em casas particulares para evitar que sejam monitoradas pelo estado. Certa vez, no início de 2018, uma Igreja Católica foi demolida, provocando uma manifestação de rua dos paroquianos.

Pode ser que o Vaticano esteja preocupado, recatadamente, que a contínua oposição do PCC dificulte a campanha de evangelização do povo chinês. O desejo do Vaticano de chegar a um acordo com Pequim também significa, em parte, uma reação frente aos esforços do regime chinês de semear dissidência na Igreja via apoio à Associação Católica Patriótica Chinesa como igreja alternativa. 

Com o endosso do presidente Xi Jinping no Congresso do Partido Comunista Chinês de 19 de outubro de 2018, Pequim lançou uma campanha de "sinicização" para fazer com que todas as religiões estejam alinhadas com a cultura e os valores chineses. Essa tática do governo se destina, ao que tudo indica, a neutralizar ou restringir o crescimento de uma Igreja Católica independente, aumentando assim o controle da religião pelo Partido Comunista na China. 

Um estudo alega que a evangelização católica do povo chinês encontra-se estagnada, contrastando com a rápida expansão do cristianismo protestante no país. Essa disparidade enfatiza a importância da presença do Cardeal Filoni na delegação dos bispos católicos do Vaticano na China: Filoni é responsável pelas campanhas de evangelização do Vaticano ao redor do mundo.

O pacto do Vaticano com Pequim provoca um bocado de críticas, tanto dos principais intelectuais católicos quanto dos defensores dos direitos humanos. O Cardeal aposentado de Hong Kong Joseph Zen fez duras críticas ao acordo classificando-o de "incrível traição" o equivalente a dar "o rebanho aos lobos". 

A diretora do Human Rights Watch da China, Sophie Richardson, declarou que "o Papa concedeu, efetivamente, ao líder chinês, Xi Jinping, um selo de aprovação no momento em que a hostilidade de Xi Jinping à liberdade religiosa não poderia ser mais clara".

Mesmo durante as negociações entre Pequim e o Vaticano sobre o futuro status da Igreja Católica na China, o regime comunista continuou a pressionar a Igreja Católica Clandestina a concordar com sua campanha para que o Vaticano desse o braço a torcer em relação às expectativas do Estado com respeito à administração da Igreja Católica na China. O governo importunou e prendeu o Bispo Joseph Guo Xijin durante as negociações que duraram anos a fio, entre a Santa Sé e a China.

Durante as conversas, outro prelado católico, o bispo pró-vaticano Peter Zhuang de 88 anos, foi arrastado ante à Administração Estatal de Assuntos Religiosos da China. A despeito do bispo Zhuang ter sido libertado sob custódia de uma delegação do Vaticano, o episódio teve lugar na presença de agentes do estado chinês, quando foi coagido a se aposentar à luz do acordo Vaticano/China.

Provavelmente a verdadeira intenção do regime comunista tenha sido melhor caracterizada pelo jesuíta especializado em assuntos da China da Universidade de Santa Clara, Padre Paul Mariani, em dezembro de 2018:

"O governo não desistiu da perspectiva de ser o senhor da situação. Eles querem que a Igreja seja mais uma ferramenta do estado. Isso é muito comum na China nos sindicatos e nas ONGs, todos têm que se enquadrar no partido de um jeito ou de outro".

Pode ser que o Vaticano venha a aprender da maneira mais difícil que o governo comunista chinês não honra seus acordos. É bem provável que Pequim tente extorquir ainda mais concessões do Vaticano, a exemplo das exigências do regime chinês em relação às empresas ocidentais que fazem negócios na China para que renunciem cada vez mais a sua soberania. 

Essas demandas poderão incluir exigências para a formação de joint ventures com uma empresa chinesa, sendo que a China terá participação majoritária, demandas que todos os dados de vital importância sejam armazenados localmente e proibição de qualquer idiomarejeitado por Pequim.

Também é altamente incerto que o Vaticano compre a paz com o pacto: o regime continuará perseguindo a Igreja. Se o regime comunista agir como manda o figurino, milhares de cruzes serão arrancadas das igrejas cristãs, especialmente em regiões com alta concentração de cristãos. Em 2015, na província de Zhejiang, na cidade de Wenzhou, região sudeste, onde um em cada oito cidadãos é cristão, cerca de 1.200 cruzes foram arrancadas à força de suas amarras.

A única coisa boa que o Vaticano poderá obter desse pacto estilo Munique com o regime chinês é um convite oficial para que o Papa Francisco visite a China. Tal privilégio, no entanto, irá muito provavelmente ser suplantado pelo dano, em potencial, ao futuro do catolicismo na China. 

Os corajosos anciãos do catolicismo chinês, que suportaram décadas de perseguição do governo e iniciativas do regime de dividir a Igreja, poderão ser vistos por seus rebanhos como tendo sido contornados pelo Vaticano. Muitos católicos chineses, percebendo que a hierarquia foi relutantemente fundida pelo Vaticano numa união com a igreja controlada pelo Estado, poderão se refugiar em casas particulares para participarem dos cultos. Muitos, se não a maioria, dos católicos chineses tenderão a ver o acordo como uma cínica traição política do Vaticano, e não como uma decisão baseada na fé.

O eminente autor católico americano George Weigel resume o fracassado passado do Vaticano no tocante às políticas de negociação com regimes totalitários:

"À luz desse sombrio acontecimento, parece que a prudência e a cautela estariam na ordem do dia nas negociações do Vaticano com os totalitários responsáveis em Pequim, que no último congresso do Partido a religião foi mais uma vez declarada inimiga do comunismo."

Dr. Lawrence A. Franklin foi Funcionário da Divisão do Irã do Secretário da Defesa Rumsfeld. Ele também serviu no serviço ativo do Exército dos EUA e como Coronel da Reserva da Força Aérea. Ele também é católico praticante.

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