Comentário de Julio Severo: O presente artigo foi originalmente publicado em inglês pelo Lew Rockwell e traduzido por Dionei Vieira especialmente para o Blog Julio Severo. Embora seja desconhecido de muitos dos leitores do Blog Julio Severo, Rockwell é amplamente elogiado e promovido pelo Mídia Sem Máscara, que já publicou inúmeros artigos dele. Espero que este seja mais um deles, pela própria importância que Lew Rockwell deu ao discurso do presidente russo Vladimir Putin. Rockwell, que é um americano libertário, é o fundador e presidente do famoso Instituto Mises. Há pontos interessantes no discurso de Putin.
O que não aceito, porém, é a crença dele de que na Terra Prometida deve haver dois Estados: um israelense e outro palestino. Essa é também a política americana oficial, desde Clinton, Bush e Obama. Claro que não aceito tal política, seja de quem vier, de Putin, Clinton, Bush ou Obama. Israel em primeiro lugar. EUA e Rússia depois. Eu não apoiava Clinton por ser socialista. Não apoio Obama por ser socialista. Mas eu apoiava Bush. Apesar da horrenda postura dele sobre Israel, pelo menos ele tinha posturas contrárias ao aborto e ao homossexualismo. Dá para se dar o mesmo tratamento para Putin. Seu discurso contém revelações importantes.
Vladimir Putin |
Em uma sociedade ocidental sã, as declarações de Putin teriam sido reproduzidas na íntegra e debates seriam organizados com as observações de especialistas, como Stephen F. Cohen. Os coros de aprovação teriam sido ouvidos na televisão e lidos na mídia impressa. Mas, é claro, nada disso é possível em um país cujos governantes afirmam que esse mesmo país é "excepcional" e "indispensável" com um direito extra-judicial de supremacia sobre o mundo. Na medida em que Washington e os seus meios de comunicação social prostituídos estão interessados, meios de comunicação esses chamados de imprensa prostituta ou "presstitutes" (uma forma de junção das palavras imprensa e prostituta em inglês) pelo especialista em tendências, Gerald Celente, onde para essa mídia não há um país que importe, com exceção do governo dos EUA. "Ou vocês estão com os EUA ou contra os EUA", o que significa, "vocês são vassalos dos EUA ou inimigos dos EUA". Isso significa que o governo dos EUA declarou a Rússia, a China, a Índia, o Brasil e outras partes da América do Sul, o Irã e a África do Sul como sendo inimigos.
Esta é uma grande parte do mundo para um país em falência, odiado por suas populações vassalas e muitos de seus próprios súditos, que não ganhou a guerra, uma vez que derrotou o minúsculo Japão em 1945 pelo uso de armas nucleares, o único uso dessas armas terríveis na história do mundo.
Como americano, tente imaginar qualquer político americano conhecido, ou por sinal, qualquer professor das grandes universidades de Harvard, Princeton, Yale ou Stanford que seja capaz de se dirigir a um grupo de discussão educado com a qualidade das observações de Putin. Tente encontrar qualquer político americano capaz de responder de forma precisa e direta às perguntas ao invés de fazer uso de evasivas.
Ninguém pode ler as observações de Putin sem concluir que Putin é o líder do mundo.
Na minha opinião, Putin é uma figura imponente que o governo americano marcou para ser assassinado. A CIA vai usar algum terrorista muçulmano que a CIA apoia dentro da Rússia. Ao contrário de um presidente americano, que não se atreve a andar entre as pessoas abertamente, Putin não se mantém distante do povo. Putin está à vontade com o povo russo e se mistura entre eles. Isso faz dele um alvo fácil para a CIA usar um terrorista da Chechênia, um homem-bomba islâmico ou de algum "louco solitário" tradicional para assassinar Putin.
O Ocidente imoral, mau e decadente é incapaz de produzir uma liderança da qualidade de Putin. Já tendo difamado Putin, assassiná-lo resultará em poucos comentários na mídia ocidental.
Eis as notáveis observações de Putin:
Reunião do Clube de Discussão Internacional Valdai em 24 de outubro de 2014, em Sochi
Vladimir Putin participou da reunião plenária final da sessão XI do Clube de Discussão Internacional Valdai. O tema do encontro é a Ordem Mundial: Novas Regras ou um Jogo Sem Regras. Neste ano, 108 especialistas, historiadores e analistas políticos de 25 países, incluindo 62 participantes estrangeiros, participaram dos trabalhos do clube.
A reunião plenária resumiu o trabalho do clube nos últimos três dias, que se concentraram em analisar os fatores que estão corroendo o atual sistema de instituições e as normas do direito internacional.
DISCURSO DO PRESIDENTE DA RÚSSIA, VLADIMIR PUTIN:
Colegas, senhoras e senhores, amigos, é um prazer recebê-los para a reunião XI do Clube de Discussão Internacional Valdai.
Foi mencionado que o clube tem novos co-organizadores este ano. Elas incluem as organizações não-governamentais russas, grupos de especialistas e as melhores universidades. Foi, também, levantada a ideia de ampliar as discussões para incluir não apenas as questões relacionadas com a própria Rússia, mas também a política mundial e a economia.
A organização e o conteúdo vão reforçar a influência do clube como um importante fórum de discussão e de especialistas. Ao mesmo tempo, espero que o ‘espírito de Valdai’ permaneça — essa atmosfera livre e aberta e com a chance de expressar todos os tipos de opiniões muito diferentes e francas.
Deixe-me dizer a este respeito que eu também não vou desapontar vocês e vou falar diretamente e com franqueza. Algumas das coisas que eu disser podem parecer um pouco duras demais, mas se nós não falarmos diretamente e honestamente sobre o que realmente pensamos, então não vale a pena nos reunirmos desta forma. Seria melhor, neste caso, apenas manter os encontros diplomáticos, onde ninguém diz nada de verdadeiro sentido e, recordando as palavras de um diplomata famoso, você percebe que os diplomatas têm línguas, mas não para falar a verdade. Ficamos juntos por outras razões. Nós nos reunimos assim para falarmos francamente um com o outro. Precisamos ser diretos e francos, hoje, não para trocarmos farpas, mas a fim de tentar chegar ao fundo do que está realmente acontecendo no mundo, tentar entender por que o mundo está se tornando menos seguro e mais imprevisível e por que os riscos estão aumentando em todos os lugares à nossa volta. A discussão de hoje tomou lugar sob o tema: Novas Regras ou um Jogo Sem Regras. Eu acho que essa fórmula descreve com precisão o ponto de virada histórico a que chegamos hoje e a escolha que todos nós enfrentamos. Naturalmente, não há nada de novo na idéia de que o mundo está mudando muito rápido. Eu sei que isso é algo que vocês têm comentado nas discussões de hoje. Certamente é difícil não notar as transformações dramáticas na política mundial e na economia, na vida pública e na indústria, nas tecnologias de informação e sociais.
Deixe-me perguntar-lhes agora e peço que me perdoem se eu acabar repetindo o que alguns dos participantes da discussão já disseram. É praticamente impossível evitar. Vocês já realizaram discussões detalhadas, mas vou definir o meu ponto de vista. Ele vai coincidir com a opinião dos outros participantes em alguns pontos e divergir em outros.
Ao analisar a situação de hoje, não esqueçamos as lições da história. Primeiramente, as mudanças na ordem mundial — e o que estamos vendo hoje são eventos nessa escala — têm geralmente sido acompanhadas, se não de uma guerra e conflitos mundiais, por uma cadeia de intensos conflitos em nível local. Em segundo lugar, a política global é, acima de tudo, sobre a liderança econômica, questões de guerra e paz e a dimensão humanitária, incluindo os direitos humanos.
O mundo está cheio de contradições hoje. Precisamos ser francos em perguntar uns aos outros se temos uma rede de segurança confiável funcionando direito. Infelizmente, não há nenhuma garantia e não há certeza de que o atual sistema de segurança global e regional é capaz de nos proteger de convulsões. Esse sistema tornou-se seriamente enfraquecido, fragmentado e deformado. As organizações de cooperação internacional e regional políticas, econômicas e culturais também estão passando por momentos difíceis.
Sim, muitos dos mecanismos que temos para garantir a ordem mundial foram criados muito tempo atrás, inclusive e, sobretudo, no período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. Deixe-me enfatizar que a solidez do sistema criado naquela época não repousou apenas no equilíbrio de poder e os direitos dos países vencedores, mas no fato de que "os pais fundadores" desse sistema tiveram respeito um pelo outro, não tentaram colocar pressão sobre os outros, mas procuraram chegar a acordos.
A principal coisa é que este sistema necessita se desenvolver, e apesar de suas várias deficiências, precisa pelo menos ser capaz de manter os problemas atuais do mundo dentro de certos limites e regular a intensidade da concorrência natural entre os países.
É minha convicção de que não poderíamos tomar este mecanismo de freios e contrapesos que construímos ao longo das últimas décadas, às vezes com tal esforço e dificuldade, e simplesmente acabar com eles sem construir qualquer coisa em seu lugar. Caso contrário, ficaríamos sem nenhum outro instrumento além da força bruta.
O que precisávamos fazer era realizar uma reconstrução racional e adaptá-la às novas realidades no sistema das relações internacionais.
Mas os Estados Unidos, tendo se declarado o vencedor da Guerra Fria, não vê necessidade para isso. Em vez de estabelecer um novo equilíbrio de poder, essencial para a manutenção da ordem e da estabilidade, eles tomaram medidas que jogaram o sistema em um desequilíbrio agudo e profundo.
A Guerra Fria terminou, mas não terminou com a assinatura de um tratado de paz com acordos claros e transparentes no respeito das regras existentes ou na criação de novas regras e normas. Isso criou a impressão de que os chamados ‘vencedores’ na Guerra Fria tenham decidido pressionar eventos e mudar o mundo para atender às suas próprias necessidades e interesses. Se o atual sistema de relações internacionais, as leis internacionais e os freios e contrapesos no lugar ficaram no caminho desses objetivos, esse sistema foi declarado sem valor, desatualizado e em necessidad de demolição imediata. Perdoe a analogia, mas esta é a maneira que os novos ricos se comportam quando, de repente, acabam ficando com uma grande fortuna, neste caso, na forma de liderança mundial e dominação. Em vez de gerenciarem suas riquezas sabiamente, para seu próprio benefício também, é claro, eu acho que eles cometeram muitas tolices.
Entramos em um período de interpretações divergentes e de silêncios deliberados na política mundial. O direito internacional foi forçado a recuar mais e mais pelo ataque do niilismo legal. A objetividade e a justiça foram sacrificadas no altar da conveniência política. As interpretações arbitrárias e as avaliações tendenciosas substituíram as normas legais. Ao mesmo tempo, o controle total da mídia global de massa tornou possível, quando desejado, retratar o branco como preto e o preto como branco.
Em uma situação onde você teve a dominação de um país e de seus aliados, ou de seus satélites, a busca de soluções globais, muitas vezes, se transformou em uma tentativa de impor as suas próprias receitas universais. As ambições desse grupo cresceram tanto que começaram a apresentar as políticas que formaram nos seus corredores de poder como a visão de toda a comunidade internacional. Mas este não é o caso.
A própria noção de "soberania nacional" tornou-se um valor relativo para a maioria dos países. Em essência, o que estava sendo proposto foi a fórmula: quanto maior a lealdade para com o centro de poder único do mundo, maior a legitimidade deste ou daquele regime governante.
Vamos ter uma discussão livre depois e eu estarei feliz em responder suas perguntas e também gostaria de usar o meu direito de fazer-lhe perguntas. Deixe alguém tentar refutar os argumentos que eu simplesmente vou fazer durante a próxima discussão.
As medidas tomadas contra aqueles que se recusam a se submeter são bem conhecidas e têm sido experimentadas e testadas muitas vezes. Elas incluem o uso da força, a pressão econômica e de propaganda, a ingerência nos assuntos internos, e apela para uma espécie de legitimidade "supra-legal" quando eles precisam justificar a intervenção ilegal neste ou naquele conflito ou derrubar regimes inconvenientes. Recentemente, temos cada vez mais evidências de que a chantagem, pura e simples, tem sido usada com relação a uma série de líderes. Não é à toa que o "big brother" está gastando bilhões de dólares para manter o mundo todo, incluindo seus próprios aliados mais próximos, sob vigilância.
Vamos nos perguntar quão confortáveis estamos com isso, o quão seguros estamos nós, o quão felizes estamos vivendo neste mundo e quão justo e racional que ele se tornou? Será que não temos motivos reais para nos preocuparmos, discutirmos e fazermos perguntas embaraçosas? Será que a posição excepcional dos Estados Unidos e a forma como exercem a sua liderança realmente é uma bênção para todos nós, e a sua intromissão em eventos em todo o mundo está trazendo a paz, a prosperidade, o progresso, o crescimento e a democracia, e devemos talvez apenas relaxar e desfrutar de tudo isso?
Deixe-me dizer que este não é o caso, absolutamente não é o caso.
Uma ditadura unilateral e a imposição de seus próprios modelos produz o resultado oposto. Em vez de resolver os conflitos, ela leva à sua progressão, em vez de Estados soberanos e estáveis, vemos a crescente disseminação do caos e, em vez da democracia há o apoio de um público muito duvidoso, que vai desde neo-fascistas declarados até radicais islâmicos.
Por que eles apoiam essas pessoas? Eles fazem isso porque eles decidem usá-los como instrumentos ao longo do caminho para alcançar aos seus objetivos, mas, em seguida, queimarão seus dedos e lhes darão coices. Eu nunca paro de me surpreender pela maneira que os nossos parceiros apenas continuam pisando no mesmo ancinho, como dizemos aqui na Rússia, ou seja, cometem o mesmo erro vez após vez.
No passado, eles apoiavam os movimentos extremistas islâmicos para lutarem contra a União Soviética. Esses grupos têm a sua experiência de batalha no Afeganistão e mais tarde deram origem ao Talibã e à al-Qaeda. O Ocidente, se não os apoiou, pelo menos, fechou seus olhos, e, eu diria, deu informações, apoio político e financeiro à invasão da Rússia por “terroristas” internacionais (nós não esquecemos isso) e pelos países da região da Ásia Central. Somente após os ataques terroristas terríveis que foram cometidos no próprio solo americano, os Estados Unidos acordaram para a ameaça comum do terrorismo. Deixe-me lembrar-lhe que fomos o primeiro país a apoiar o povo americano na época, o primeiro a reagir como amigos e parceiros sobre a terrível tragédia de 11 de setembro.
Durante as minhas conversas com líderes americanos e europeus, eu sempre falei sobre a necessidade de combater o terrorismo em conjunto, como um desafio em uma escala mundial. Não podemos nos resignar e aceitar essa ameaça, não se pode cortá-la em pedaços separados usando padrões dúbios. Nossos parceiros expressaram um acordo mútuo, mas um pouco de tempo se passou e nós acabamos de volta aonde começamos. Primeiro foi a operação militar no Iraque, em seguida, na Líbia, que foi forçada ao ponto de deterioração. Por que a Líbia foi empurrada para essa situação? Hoje é um país em perigo de desintegração e tornou-se um campo de treinamento de terroristas.
Apenas a atual determinação e sabedoria da liderança egípcia salvou este importante país árabe do caos e de terem extremistas agindo de forma desenfreada. Na Síria, tal como no passado, os Estados Unidos e seus aliados começaram a financiar diretamente e armar os rebeldes permitindo-lhes preencherem as suas fileiras com mercenários de vários países. Deixe-me perguntar de onde é que estes rebeldes receberam o seu dinheiro, armas e especialistas militares? De onde é que tudo isto vem? Como o notório ISIL [Estado Islâmico] conseguiu tornar-se um grupo tão poderoso, essencialmente, uma força armada real? Assim como a fontes de financiamento, hoje, o dinheiro é proveniente não apenas de drogas, cuja produção não aumentou apenas em alguns pontos percentuais, mas muitas vezes, desde que as forças da coalizão internacional estiveram presentes no Afeganistão. Vocês estão cientes disto. Os terroristas estão recebendo o dinheiro da venda de petróleo também. O petróleo é produzido em território controlado pelos terroristas, que o vendem a preços muito abaixo do preço de mercado, o produzem e o transportam. Mas alguém compra esse petróleo, revende-o e lucra com isso, não pensam sobre o fato de que eles estão financiando assim os terroristas que poderiam vir, mais cedo ou mais tarde, para seu próprio solo e semear a destruição em seus próprios países.
De onde eles conseguem novos recrutas? No Iraque, depois que Saddam Hussein foi derrubado, as instituições do Estado, incluindo o exército, ficaram em ruínas. Nós dissemos na época, tenha muito, muito cuidado. Vocês estão dirigindo as pessoas para as ruas e o que elas vão fazer lá? Não se esqueçam (legitimamente ou não) de que elas estavam na liderança de uma grande potência regional, e agora no que os transformaram?
Qual foi o resultado? Dezenas de milhares de soldados, policiais e ex-militantes do Partido Baath foram levados para as ruas e hoje se juntaram às fileiras dos rebeldes. Talvez isso explique por que o grupo Estado Islâmico acabou sendo tão eficaz? Em termos militares, ele está agindo de forma muito eficaz e tem algumas pessoas muito profissionais. A Rússia advertiu, repetidamente, sobre os perigos das ações militares unilaterais, intervindo nos assuntos internos de Estados soberanos e flertando com extremistas e radicais. Nós insistimos em ter os grupos que lutam contra o governo sírio central, acima de tudo, o Estado Islâmico, incluído nas listas de organizações terroristas. Mas será que vimos algum resultado? Recorremos em vão.
Nós, às vezes, temos a impressão de que os nossos colegas e amigos estão lutando constantemente as conseqüências de suas próprias políticas, jogam todo o seu esforço em enfrentar os riscos que eles próprios criaram, e pagam um preço cada vez maior.
Colegas, este período de dominação unipolar demonstrou de forma convincente que ter apenas um centro de poder não faz os processos globais mais gerenciáveis. Pelo contrário, este tipo de construção instável demonstrou sua incapacidade para combater as ameaças reais, como os conflitos regionais, o terrorismo, o tráfico de drogas, o fanatismo religioso, o chauvinismo e o neo-nazismo. Ao mesmo tempo, ele abriu um largo caminho para o orgulho nacional inflado, a manipulação da opinião pública e deixando o forte intimidar e reprimir ao fraco.
Essencialmente, o mundo unipolar é simplesmente um meio de justificar a ditadura sobre as pessoas e os países. O mundo unipolar acabou por se tornar muito desconfortável, pesado e incontrolável, um fardo, mesmo para o líder auto-proclamado. Comentários nesta mesma linha foram feitos aqui antes e eu concordo plenamente com isso. É por isso que vemos tentativas nesta nova etapa histórica para recriar a aparência de um mundo quase bipolar, como um modelo conveniente para perpetuar a liderança americana. Não importa quem tome o lugar do centro do mal na propaganda americana, o antigo lugar da URSS, como o principal adversário. Poderia ser o Irã, como um país que pretende adquirir tecnologia nuclear, a China como a maior economia do mundo ou a Rússia, como uma superpotência nuclear.
Hoje, estamos vendo novos esforços para fragmentar o mundo, desenhar novas linhas divisórias, colocando juntas coligações construídas não para coisa alguma, mas contra alguém, qualquer um, criam a imagem de um inimigo, como foi o caso durante os anos da Guerra Fria, e obtêm o direito a essa liderança, ou ditadura, se desejar. A situação foi apresentada desta forma durante a Guerra Fria. Todos nós entendemos isso e sabemos disso. Os Estados Unidos sempre disseram aos seus aliados: "Nós temos um inimigo comum, um inimigo terrível, o centro do mal, e estamos aqui para defender vocês, nossos aliados, deste inimigo, e por isso temos o direito de mandarmos em toda a parte, forçá-los a sacrificarem os seus interesses políticos e econômicos e pagarem a sua parte dos custos para esta defesa coletiva, mas vamos ser os únicos responsáveis por tudo isso, é claro". Em suma, vemos hoje tentativas em um mundo novo e que está mudando para reproduzir os modelos familiares de gestão global, e tudo isso, de modo a garantir a posição excepcional dos EUA e colher os dividendos políticos e econômicos.
Mas estas tentativas estão cada vez mais divorciadas da realidade e estão em contradição com a diversidade do mundo. Passos deste tipo inevitavelmente criam confrontos e contramedidas e têm o efeito oposto aos objetivos esperados. Nós vemos o que acontece quando a política, precipitadamente, começa a se intrometer na economia e na lógica das decisões racionais e dá lugar à lógica do confronto que só irá prejudicar as suas próprias posições e interesses econômicos, incluindo os interesses das empresas nacionais.
Os projetos econômicos conjuntos e os investimentos mútuos objetivam-se a aproximar os países e a ajudar a suavizar os problemas atuais nas relações entre os Estados. Mas hoje, a comunidade empresarial global enfrenta uma pressão sem precedentes dos governos ocidentais. Que negócio, oportunidade econômica e pragmatismo, de que podemos falar quando ouvimos palavras de ordem como "a pátria está em perigo", "o mundo livre está sob ameaça" e "a democracia está em perigo"? Dessa forma todo mundo precisa se mobilizar. Isto é o que uma política verdadeira de mobilização se parece.
Sanções já estão a minar as bases do comércio mundial, as regras da OMC e o princípio da inviolabilidade da propriedade privada. Eles estão lidando com um duro golpe para o modelo neoliberal de globalização com base em mercados, à liberdade e à concorrência, o que, deixe-me notar, é um modelo que tem beneficiado principalmente e precisamente os países ocidentais. E agora eles correm o risco de perderem a confiança como os líderes da globalização. Temos que nos perguntar, por que isso era necessário? Afinal de contas, a prosperidade dos Estados Unidos repousa em grande parte na confiança dos investidores e detentores de dólares e dos títulos norte-americanos. Essa confiança está claramente sendo minada e os sinais de decepção com os frutos da globalização são visíveis agora em muitos países. O bem conhecido precedente de Chipre e as sanções politicamente motivadas apenas fortaleceram a tendência de tentar reforçar a soberania econômica e financeira dos países ou dos seus grupos regionais no desejo de encontrarem formas de se protegerem contra os riscos de pressão externa. Nós já vemos que cada vez mais países estão procurando maneiras de tornarem-se menos dependentes do dólar e estão criando sistemas financeiros alternativos de pagamentos e de moedas de reserva. Eu acho que os nossos amigos americanos estão, pura e simplesmente, cortando o galho em que eles estão sentados. Você não podem misturar a política e a economia, mas isso é o que está acontecendo agora. Eu sempre pensei, e ainda penso hoje, que as sanções politicamente motivadas foram um erro que vão prejudicar a todos, mas tenho a certeza de que vamos voltar a este assunto mais tarde.
Sabemos como estas decisões foram tomadas e quem estava aplicando a pressão. Mas deixe-me salientar que a Rússia não vai ficar sobressaltada, ofendida ou irá implorar à porta de ninguém. A Rússia é um país autossuficiente. Vamos trabalhar dentro do ambiente econômico externo que tem tomado forma, desenvolver a produção e a tecnologia nacional e agir com mais determinação para realizar a transformação. A pressão de fora, como tem sido o caso em ocasiões anteriores, só vai consolidar a nossa sociedade, nos manter alerta e fazer-nos concentrar em nossas principais metas de desenvolvimento.
É claro que as sanções são um obstáculo. Eles estão tentando nos machucar através dessas sanções, bloquear o nosso desenvolvimento e nos empurrar para o isolamento político, econômico e cultural, forçar-nos ao atraso em outras palavras. Mas deixe-me dizer mais uma vez que o mundo é um lugar muito diferente hoje. Nós não temos nenhuma intenção de nos fecharmos para qualquer um e escolher algum tipo de caminho de desenvolvimento fechado, tentando viver em uma autarquia. Estamos sempre abertos ao diálogo, inclusive em normalizar nossas relações econômicas e políticas. Contamos aqui com a abordagem pragmática e a posição das comunidades de negócios nos países líderes.
Alguns estão dizendo hoje que a Rússia está supostamente virando as costas à Europa — tais palavras foram provavelmente faladas aqui também durante as discussões — e está à procura de novos parceiros de negócios, sobretudo na Ásia. Deixe-me dizer que este não é absolutamente o caso. Nossa política ativa na região da Ásia-Pacífico não começou ontem e não em resposta a sanções, mas é uma política que estamos seguindo por muitos anos. Como muitos outros países, incluindo os países ocidentais, vimos que a Ásia está desempenhando um papel cada vez maior no mundo, na economia e na política e simplesmente não tem como nos darmos ao luxo de ignorar estes desenvolvimentos.
Deixe-me dizer, mais uma vez, que todo mundo está fazendo isso, e vamos fazê-lo também, além do mais, uma grande parte do nosso país está geograficamente na Ásia. Por que não devemos fazer uso das nossas vantagens competitivas nessa área? Seria extremamente míope não fazê-lo.
O desenvolvimento dos laços econômicos com esses países e a execução de projetos de integração conjuntos também criam grandes incentivos para o nosso desenvolvimento interno. As tendências demográficas, econômicas e culturais de hoje, sugerem todas, que a dependência de uma única superpotência vai objetivamente diminuir. Isso é algo que os especialistas europeus e americanos têm falado e escrito também. Talvez os desenvolvimentos na política global irão espelhar os desenvolvimentos que estamos vendo na economia global, ou seja, a concorrência intensiva por nichos específicos e as mudanças frequentes de líderes em áreas específicas. Isso é perfeitamente possível.
Não há dúvida de que os fatores humanitários, tais como educação, ciência, saúde e cultura estão desempenhando um papel mais importante na competição global. Isso também tem um grande impacto sobre as relações internacionais, inclusive porque esse recurso de "poder suave" dependerá, em grande medida, de conquistas reais no desenvolvimento do capital humano, em vez de truques sofisticados de propaganda. Ao mesmo tempo, a formação de um chamado, mundo policêntrico (eu também gostaria de chamar a atenção para isso, colegas), por si só não melhora a estabilidade; na verdade, é mais provável que seja o oposto. A meta de atingir o equilíbrio global está se transformando em um quebra-cabeça bastante difícil, uma equação com muitas incógnitas.
Então, o que nos aguarda, se nós escolhemos não viver pelas regras — mesmo que possam ser rigorosas e inconvenientes —, mas sim viver sem quaisquer regras? E esse cenário é perfeitamente possível; não podemos descartá-lo, dadas as tensões na situação global. Muitas previsões já podem ser feitas, tendo em conta as tendências atuais e, infelizmente, elas não são otimistas. Se não criarmos um sistema claro de compromissos e acordos mútuos, se não construirmos os mecanismos de gestão e resolução de situações de crise, os sintomas da anarquia mundial inevitavelmente crescerão. Hoje, já vemos um forte aumento da probabilidade de ocorrência de um conjunto de conflitos violentos com participação, seja direta ou indireta, de grandes potências mundiais. E os fatores de risco incluem não apenas os conflitos multinacionais tradicionais, mas também a instabilidade interna em Estados separados, especialmente quando falamos de nações localizadas nas intersecções dos principais interesses geopolíticos dos Estados, ou nos limites culturais, históricos e econômicos de continentes civilizacionais.
A Ucrânia, que eu tenho certeza que foi longamente discutida e que vamos discutir um pouco mais, é um dos exemplos de tais tipos de conflitos que afetam o equilíbrio do poder internacional e eu acho que certamente não será o último. A partir daqui emana a próxima ameaça real de destruir o atual sistema de acordos de controle de armas. E esse processo perigoso foi lançado pelos Estados Unidos da América quando se retirou unilateralmente do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos, em 2002, e, em seguida, configurar e continuar atualmente em prosseguir ativamente na criação de seu sistema de defesa antimísseis global.
Colegas, amigos, quero salientar que nós não começamos isso. Mais uma vez, estamos escorregando para os momentos em que, em vez de ser o equilíbrio de interesses e garantias mútuas, é o medo e o saldo da destruição mútua que impedem as nações de se envolverem em conflitos diretos. Na ausência de instrumentos jurídicos e políticos, os armamentos estão novamente se tornando o ponto focal da agenda global; eles são usados onde quer que seja e contudo, sem quaisquer sanções do Conselho de Segurança da ONU. E se o Conselho de Segurança se recusa a produzir tais decisões, então ele é imediatamente declarado como sendo um instrumento ultrapassado e ineficaz.
Muitas nações não veem quaisquer outras formas de garantir a sua soberania, que não seja obtendo as suas próprias bombas. Isso é extremamente perigoso. Nós insistimos em negociações contínuas; não somos apenas a favor de negociações, mas insistimos em continuar as negociações para reduzir os arsenais nucleares. Quanto menos armas nucleares tivermos no mundo, melhor. E estamos prontos para as mais sérias e concretas discussões sobre o desarmamento nuclear — mas apenas discussões sérias, sem quaisquer padrões dúbios.
O que quero dizer? Hoje, muitos tipos de armamentos de alta precisão já estão perto de serem armas de destruição em massa em termos de suas capacidades e no caso da renúncia total das armas nucleares ou da redução radical do potencial nuclear, as nações que são líderes na criação e produção de sistemas de alta precisão terão uma vantagem militar clara. A paridade estratégica será interrompida e isso provavelmente trará desestabilização. O uso do, assim chamado, primeiro ataque global preventivo pode tornar-se tentador. Em suma, os riscos não diminuem, mas se intensificam.
A próxima ameaça óbvia é a nova escalada de conflitos étnicos, religiosos e sociais. Tais conflitos são perigosos, não só em si, mas também porque eles criam zonas de anarquia, ilegalidade e caos ao seu redor, locais que são confortáveis para os terroristas e os criminosos, onde a pirataria, o tráfico de pessoas e o tráfico de drogas florescem.
Aliás, no momento, os nossos colegas tentam gerir de alguma forma esses processos, utilizam conflitos regionais e desenham ‘revoluções coloridas’ para atender aos seus interesses, mas o gênio escapou da garrafa. Parece que os próprios pais da teoria do caos controlado não sabem o que fazer com ele; há desordem em suas fileiras.
Seguimos de perto as discussões de ambos, tanto pela elite dominante quanto pela comunidade de especialistas. Basta olhar para as manchetes da imprensa ocidental ao longo do último ano. As mesmas pessoas são chamadas de combatentes pela democracia e, em seguida, de islâmicos; primeiro eles escrevem sobre revoluções e, em seguida, os chamam de motins e revoltas. O resultado é óbvio: a expansão do caos global.
Colegas, dada a situação global, é hora de começar a chegar a um acordo sobre as coisas fundamentais. Isso é extremamente importante e necessário; isso é muito melhor do que voltar para os nossos próprios cantos. Quanto mais nós enfrentamos problemas comuns, mais nos encontramos no mesmo barco, por assim dizer. E o caminho lógico para sair disso está na cooperação entre as nações, sociedades, na busca de respostas coletivas aos desafios cada vez maiores, e na gestão de risco comum. Reconheço que alguns dos nossos parceiros, por algum motivo, lembram-se disso apenas quando convém aos seus interesses.
A experiência prática mostra que as respostas conjuntas para os desafios nem sempre são uma panaceia; e precisamos entender isso. Além disso, na maioria dos casos, eles são de difícil acesso; não é fácil superar as diferenças de interesses nacionais, a subjetividade de diferentes abordagens, especialmente quando se trata de nações com diferentes tradições culturais e históricas. No entanto, temos exemplos em que, tendo objetivos comuns e agindo com base nos mesmos critérios, juntos, alcançaram o sucesso real.
Deixe-me lembrá-lo sobre como resolver o problema das armas químicas na Síria, assim como o diálogo substantivo sobre o programa nuclear iraniano, bem como o nosso trabalho sobre as questões da Coreia do Norte, que também tem alguns resultados positivos. Por que não podemos usar essa experiência no futuro para resolver os desafios locais e globais?
O que poderia ser a base jurídica, política e econômica para uma nova ordem mundial que permita a estabilidade e segurança, sem deixar de incentivar a competição saudável, não permitindo a formação de novos monopólios que dificultem o desenvolvimento? É improvável que alguém poderia fornecer agora soluções prontas, absolutamente completas. Vamos precisar de um extenso trabalho com a participação de uma ampla gama de governos, de empresas globais, da sociedade civil e das tribunas de especialistas, tais como as nossas.
No entanto, é óbvio que o sucesso e os resultados reais só são possíveis se os participantes principais nos assuntos internacionais puderem concordar com a harmonização de interesses básicos, sobre uma razoável autocontenção e definir o exemplo de liderança positiva e responsável. Devemos identificar claramente onde as ações unilaterais acabam e nós precisamos aplicar mecanismos multilaterais e, como parte da melhoria da eficácia do direito internacional, temos de resolver o dilema entre as ações pela comunidade internacional para garantir a segurança e os direitos humanos e o princípio da soberania nacional e a não-ingerência nos assuntos internos de qualquer Estado.
Essas mesmas colisões cada vez mais levam a uma interferência externa arbitrária nos processos internos complexos e, uma e outra vez, eles provocam conflitos perigosos entre os protagonistas globais principais. A questão da manutenção da soberania torna-se quase primordial na manutenção e no reforço da estabilidade global.
Claramente, a discussão dos critérios para o uso de força externa é extremamente difícil; é praticamente impossível separá-lo dos interesses das nações em particular. No entanto, é muito mais perigoso quando não há acordos que são claros para todos, quando não há condições claras definidas para uma interferência necessária e legal.
Vou acrescentar que as relações internacionais devem ser baseadas no direito internacional, que devem descansar em princípios morais, como a justiça, a igualdade e a verdade. Talvez o mais importante é o respeito pelos próprios parceiros e os seus interesses. Essa é uma fórmula óbvia, mas simplesmente segui-la poderia mudar radicalmente a situação global.
Estou certo de que, se houver uma vontade, podemos restaurar a eficácia do sistema de instituições regionais e internacionais. Nós nem sequer precisamos construir algo novo, a partir do zero; isto não é uma "mata virgem", especialmente visto que as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial são bastante universais e podem receber uma modernização substancial, adequada para gerir a situação atual.
Isto é verdade na melhoria do trabalho da ONU, cujo papel central é insubstituível, assim como a OSCE que, ao longo de 40 anos, tem provado ser um mecanismo necessário para garantir a segurança e a cooperação na região Euro-Atlântica. Devo dizer que, mesmo agora, na tentativa de resolver a crise no sudeste da Ucrânia, a OSCE tem um papel muito positivo.
À luz das mudanças fundamentais no ambiente internacional, o aumento da incontrolabilidade e várias ameaças, precisamos de um novo consenso global de forças responsáveis. Não se trata de alguns negócios locais ou de uma divisão de esferas de influência no espírito da diplomacia clássica, ou da dominação global completa de alguém. Eu acho que precisamos de uma nova versão de interdependência. Não devemos ter medo disso. Pelo contrário, esse é um bom instrumento para harmonizar as posições.
Isto é particularmente relevante dado o fortalecimento e crescimento de determinadas regiões do planeta, processo que objetiva requerer a institucionalização desses novos polos, criando poderosas organizações regionais e na elaboração de regras para a sua interação. A cooperação entre esses centros poderia seriamente adicionar estabilidade na segurança global, na política e na economia. Mas, a fim de estabelecer esse diálogo, é preciso proceder a partir do pressuposto de que todos os centros regionais e os projetos de integração que se formam em torno deles precisam ter igualdade de direitos para o desenvolvimento, de modo que eles possam complementar-se e ninguém possa forçá-los ao conflito ou a uma oposição artificialmente. Tais ações destrutivas iriam quebrar os laços entre os Estados e os próprios Estados seriam submetidos a extrema dificuldade, ou talvez até mesmo a destruição total.
Gostaria de lembrá-lo de eventos do ano passado. Temos dito aos nossos parceiros americanos e europeus que as precipitadas decisões de bastidores, por exemplo, sobre a associação da Ucrânia com a União Europeia, estão repletas de riscos graves para a economia. Nós nem sequer dissemos alguma coisa sobre política; falamos apenas sobre a economia, dizendo que tais passos, feitos sem quaisquer acordos prévios, tocariam nos interesses de muitos outros países, incluindo a Rússia como o principal parceiro comercial da Ucrânia, e que uma ampla discussão dessas questões era necessário. Aliás, a este respeito, eu vou lembrá-los que, por exemplo, as negociações sobre a adesão da Rússia à OMC durou 19 anos. Este foi um trabalho muito difícil e um certo consenso foi alcançado.
Por que eu estou trazendo isso? Porque na implementação do projeto de associação da Ucrânia, os nossos parceiros viriam até nós com os seus produtos e serviços através da “porta de serviço”, por assim dizer, e nós não concordamos com isso, ninguém nos perguntou sobre isso. Tivemos discussões sobre todos os temas relacionados com a associação da Ucrânia com a União Europeia, discussões persistentes, mas quero destacar que isso foi feito de uma forma totalmente civilizada, indicando os possíveis problemas, mostrando o raciocínio óbvio e os argumentos. Ninguém queria ouvir-nos e ninguém queria falar. Eles simplesmente nos disseram: isso não é do seu interesse, ponto final, fim da discussão. Em vez de um abrangente — e eu insisto — diálogo civilizado, tudo se resumia a uma derrubada do governo; o que mergulhou o país no caos, em um colapso econômico e social, em uma guerra civil com enormes baixas.
Por quê? Quando pergunto a meus colegas porque, eles já não têm uma resposta; ninguém diz nada. É isso aí. Todo mundo está no prejuízo, dizendo que apenas aconteceu desse jeito. Essas ações não deveriam ter sido incentivadas — não teriam funcionado. Afinal de contas (e eu já falei sobre isso), o ex-presidente ucraniano Yanukovych assinou tudo, concordou com tudo. Por que fazer isso? O que eles queriam dizer? O que é isso, uma forma civilizada de resolver os problemas? Aparentemente, aqueles que constantemente despejam juntos as novas ‘revoluções coloridas’ consideram-se ‘artistas brilhantes’ e simplesmente não podem parar.
Estou certo de que o trabalho das associações integradas, a cooperação das estruturas regionais, devem ser construídas em uma base clara e transparente; o processo de formação da União Econômica da Eurásia é um bom exemplo desse tipo de transparência. Os Estados que fazem parte desse projeto informaram os seus parceiros de seus planos com antecedência, especificando os parâmetros de nossa associação, os princípios de seu trabalho, que correspondem plenamente com as regras da Organização Mundial do Comércio.
Vou acrescentar que nós poderíamos também ter saudado o início de um diálogo concreto entre a Eurásia e a União Europeia. Aliás, eles quase que completamente nos negaram a isto também, e também não está clara a razão — o que é tão assustador sobre isso?
E, claro, com esse trabalho em conjunto, poderíamos pensar que nós precisamos nos comprometer em dialogar (eu falei sobre isso muitas vezes e tenho ouvido o acordo de muitos dos nossos parceiros ocidentais, pelo menos na Europa) sobre a necessidade de criar um espaço comum para a cooperação econômica e humanitária que se estenda por todo o caminho, desde o Atlântico até o Oceano Pacífico.
Colegas, a Rússia fez a sua escolha. Nossas prioridades são melhorar ainda mais as nossas instituições democráticas e de economia aberta, acelerar o desenvolvimento interno, tendo em conta todas as tendências modernas positivas no mundo e a consolidação da sociedade baseada em valores tradicionais e no patriotismo.
Temos uma agenda positiva, pacífica e orientada para a integração; estamos trabalhando ativamente com os nossos colegas da União Econômica Euroasiática, da Organização de Cooperação de Xangai, BRICS e outros parceiros. Essa agenda tem como objetivo desenvolver os laços entre os governos, não os dissociando. Nós não estamos planejando remendar quaisquer blocos ou se envolver em uma troca de golpes.
Os argumentos e as declarações de que a Rússia está tentando estabelecer algum tipo de império, de violação da soberania de seus vizinhos, são infundadas. A Rússia não precisa de nenhum tipo de lugar especial, exclusivo do mundo — eu quero enfatizar isso. Embora respeitando os interesses dos outros, simplesmente queremos que os nossos próprios interesses sejam levados em conta e que a nossa posição seja respeitada. Nós estamos bem conscientes de que o mundo entrou em uma era de mudanças e transformações globais, quando todos nós precisamos de um determinado grau de cautela e a capacidade de evitar medidas impensadas. Nos anos após a Guerra Fria, os participantes na política mundial perderam um pouco dessas qualidades. Agora, é preciso lembrar-se delas. Caso contrário, as esperanças de um desenvolvimento pacífico e estável será uma ilusão perigosa, enquanto que o tumulto de hoje vai simplesmente servir como um prelúdio para o colapso da ordem mundial.
Sim, claro, eu já disse que a construção de uma ordem mundial mais estável é uma tarefa difícil. Estamos falando de um trabalho longo e difícil. Fomos capazes de desenvolver regras para interação após a Segunda Guerra Mundial, e fomos capazes de chegar a um acordo em Helsinque, nos anos 1970. Nosso dever comum é resolver esse desafio fundamental neste novo estágio de desenvolvimento.
Muito obrigado pela sua atenção.
VLADIMIR PUTIN (comentando sobre as declarações do ex-primeiro-ministro da França, Dominique de Villepin e do ex-chanceler Federal da Áustria, Wolfgang Schuessel):
Eu gostaria de começar por dizer que, no geral, eu concordo com o que tanto Wolfgang quanto Dominique disseram. Apoio plenamente tudo o que eles disseram. No entanto, existem algumas coisas que eu gostaria de esclarecer.
Acredito que Dominique referiu-se à crise ucraniana como a razão para a deterioração nas relações internacionais. Naturalmente, esta crise é uma causa, mas esta não é a causa principal. A crise na Ucrânia é, em si, um resultado de um desequilíbrio nas relações internacionais. Eu já disse no meu discurso porque isso está acontecendo, e os meus colegas também já o mencionaram. Eu posso acrescentar a isto, se necessário. No entanto, principalmente este é o resultado do desequilíbrio nas relações internacionais.
Quanto às questões mencionadas por Wolfgang, vamos voltar a elas: vamos falar sobre as eleições, se necessário, e sobre a oferta de recursos energéticos para a Ucrânia e Europa. Entretanto, eu gostaria de dar resposta à frase: "Wolfgang é um otimista, enquanto a vida é mais difícil para os pessimistas". Eu já mencionei a velha piada que temos sobre um pessimista e um otimista, mas não posso deixar de falar de novo. Temos esta piada muito velha sobre um pessimista e um otimista: um pessimista bebe seu conhaque e diz: “Tem cheiro de percevejos”, enquanto um otimista pega um percevejo, o esmaga, então cheira e diz: “Tem um leve cheiro de conhaque”.
Eu preferiria ser o pessimista que bebe conhaque do que o otimista que cheira percevejos. (Risos) Embora pareça que os otimistas têm um melhor momento, o nosso objetivo comum é viver uma vida decente (sem abusar do álcool). Para isso, é preciso evitar as crises, lidar em conjunto com todos os desafios e ameaças e construir tais relações na arena global que nos ajudariam a alcançar estes objetivos.
Mais tarde eu estarei pronto para responder a algumas das outras coisas que mencionei aqui. Obrigado.
JORNALISTA BRITÂNICO SEUMAS MILNE (traduzido do russo):Eu gostaria de fazer uma pergunta duas-em-um.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, o senhor acredita que as ações da Rússia na Ucrânia e na Criméia ao longo dos últimos meses foram uma reação às regras que estão sendo quebradas e são um exemplo de gerenciamento de um Estado sem regras? E a outra questão é: será que a Rússia vê essas violações globais de regras como um sinal para mudar a sua posição? Já foi dito aqui que, ultimamente, a Rússia não pode conduzir a situação global existente; no entanto, ela está demonstrando as qualidades de um líder. Como você responderia a isto?
VLADIMIR PUTIN:Eu gostaria de pedir-lhe para reformular a segunda parte da sua pergunta, por favor. Qual, exatamente, é a sua segunda pergunta?
SEUMAS MILNE (traduzido do russo): Foi dito aqui que a Rússia não pode lutar por posições de liderança no mundo, considerando os resultados do colapso da União Soviética. No entanto, ela pode influenciar quem será o líder. É possível que a Rússia poderia alterar a sua posição, mudar seu foco, como você mencionou, em relação ao Oriente Médio e às questões relacionadas com o programa nuclear do Irã?
VLADIMIR PUTIN:A Rússia nunca alterou a sua posição. Somos um país com um foco tradicional na cooperação e na busca de soluções conjuntas. Isto é a primeira. A segunda. Não temos quaisquer pretensões de liderança mundial. A ideia de que a Rússia está buscando algum tipo de exclusividade é falsa; eu disse isso no meu discurso. Nós não estamos exigindo um lugar ao sol; estamos simplesmente partindo do pressuposto de que todos os participantes nas relações internacionais devem respeitar os interesses de cada um. Estamos prontos para respeitar os interesses dos nossos parceiros, mas esperamos o mesmo respeito para com os nossos interesses.
Nós não mudamos nossa atitude para com a situação no Oriente Médio, com o programa nuclear iraniano, com o conflito norte-coreano, com a luta contra o terrorismo e a criminalidade em geral, bem como com o tráfico de drogas. Nós nunca mudamos nenhuma das nossas prioridades, mesmo sob a pressão de ações hostis por parte dos nossos parceiros ocidentais, que são liderados, muito obviamente neste caso, pelos Estados Unidos. Nós nem sequer mudamos os termos das sanções.
No entanto, também aqui tudo tem os seus limites. Eu procedo a partir da ideia de que pode ser possível que as circunstâncias externas possam nos obrigar a alterar algumas das nossas posições, mas até agora não houve quaisquer situações extremas desse tipo e não temos nenhuma intenção de mudar nada. Este é o primeiro ponto.
O segundo ponto tem a ver com as nossas ações na Criméia. Tenho falado sobre isso em diversas ocasiões, mas se for necessário, posso repeti-la. Esta é a parte 2 do artigo 1º da Carta das Nações Unidas — o direito das nações à autodeterminação. Já foi tudo escrito, e não simplesmente como o direito à autodeterminação, mas como o objetivo das Nações Unidas. Leia o artigo com atenção.
Eu não entendo por que as pessoas que vivem na Criméia não têm esse direito, assim como as pessoas que vivem, digamos, no Kosovo. Isto também foi mencionado aqui. Por que é que em um caso o branco é branco, enquanto em outro o mesmo é chamado de preto? Nós nunca vamos concordar com esse absurdo. Essa é uma coisa. A outra coisa muito importante é algo que ninguém menciona, então eu gostaria de chamar a atenção para ela. O que aconteceu na Criméia? Em primeiro lugar, houve essa derrubada anti-Estado em Kiev. O que quer que qualquer um diga, eu acho isso óbvio — houve uma tomada armada do poder.
Em muitas partes do mundo, as pessoas saudaram isto, não percebendo aonde isso poderia levar, enquanto que em algumas regiões as pessoas estavam com medo de que o poder foi tomado pelos extremistas, por nacionalistas e direitistas, incluindo neonazistas. As pessoas temiam por seu futuro e pelas suas famílias e reagiram conforme seu medo. Na Criméia, as pessoas realizaram um referendo.
Gostaria de chamar a atenção para isso. Não foi por acaso que, na Rússia, afirmamos que houve um referendo. A decisão de realizar o referendo foi feita pela autoridade legítima da Criméia — seu Parlamento, eleito há alguns anos, nos termos da legislação ucraniana antes de todos estes graves acontecimentos. Este órgão legítimo da autoridade declarou um referendo e, em seguida, com base em seus resultados, eles adotaram uma declaração de independência, assim como Kosovo fez, e virou-se para a Federação Russa com um pedido para aceitar a Criméia no Estado russo.
Você sabe, o que quer que qualquer um possa dizer e, não importa quão duro eles tentem cavar alguma coisa, isso seria muito difícil, considerando a linguagem da decisão judicial das Nações Unidas, que afirma claramente (como aplicado ao precedente do Kosovo) que a decisão sobre a autodeterminação não requer a aprovação da autoridade suprema de um país.
Nesse contexto, eu sempre lembro do que os sábios do passado disseram. Você pode se lembrar do maravilhoso ditado: O que quer que seja permitido a Júpiter, ao Touro não o é.
Não podemos concordar com tal abordagem. Ao touro pode não ser permitido alguma coisa, mas o urso não vai sequer se preocupar em pedir permissão. Aqui, o consideramos o dono da floresta, e eu tenho certeza que ele não tem a intenção de mudar-se para qualquer outra zona climática — não vai ser confortável lá. No entanto, ele não vai deixar qualquer um tomar a sua floresta também. Eu acredito que isto é claro.
Quais são os problemas da ordem mundial atual? Vamos ser francos sobre isso, todos nós somos especialistas aqui. Nós falamos e falamos, somos como os diplomatas. O que aconteceu no mundo? Costumava haver um sistema bipolar. Com o colapso da União Soviética, o poder chamado União Soviética deixou de existir. Todas as regras que regem as relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial foram projetadas para um mundo bipolar. É verdade, a União Soviética era referida como “o Alto Volta com mísseis”. Talvez por isso havia um monte de mísseis. Além disso, tivemos políticos brilhantes tais como Nikita Khrushchev, que martelou a mesa com o sapato na ONU. E o mundo inteiro, principalmente os Estados Unidos, e a OTAN pensaram: este Nikita é melhor deixá-lo sozinho, ele pode simplesmente ir e disparar um míssil, eles têm muitos deles, devemos mostrar que é melhor ter um pouco de respeito por eles.
Agora que a União Soviética se foi, qual é a situação e quais são as tentações? Não há necessidade de se levar em conta a opinião da Rússia, é muito dependente, ela passou por uma transformação durante o colapso da União Soviética, e nós podemos fazer o que quisermos, ignorando todas as regras e regulamentos.
Isto é exatamente o que está acontecendo. Dominique aqui mencionou o Iraque, a Líbia, o Afeganistão e a Iugoslávia antes disso. Isso foi realmente monobrado tudo dentro do âmbito do direito internacional? Não nos digam esses contos-de-fadas.
Isso significa que alguns podem ignorar tudo, enquanto que nós não podemos proteger os interesses da população de língua russa e da população russa da Criméia. Isso não vai acontecer.
Eu gostaria que todos entendessem isso. Nós precisamos nos livrar dessa tentação de tentar organizar o mundo ao seu gosto, e criar um sistema equilibrado de interesses e relações que há muito tem sido prescrito no mundo, nós só temos que mostrar algum respeito.
Como eu já disse, nós entendemos que o mundo mudou, e nós estamos prontos para dar atenção a ele e ajustar o sistema de acordo, mas nós nunca vamos permitir que ninguém ignore completamente os nossos interesses.
A Rússia visa algum papel de liderança? Nós não precisamos ser uma superpotência; isso apenas seria uma carga extra para nós. Já mencionei a floresta: ela é imensa, ilimitada, e apenas para desenvolver os nossos próprios territórios nós precisamos de muito tempo, energia e recursos.
Não temos necessidade de se envolver nas coisas, de ordenar outros ao nosso redor, mas queremos que os outros fiquem fora dos nossos assuntos e que parem de fingir que governam o mundo. Isso é tudo. Se há uma área em que a Rússia poderia ser um líder — é em afirmar as normas da lei internacional.
PERGUNTA DE JORNALISTA: O processo de paz entre palestinos e israelenses desabou completamente. Os Estados Unidos nunca deixaram o grupo trabalhar corretamente. Ao mesmo tempo, o crescimento dos assentamentos israelenses ilegais nos territórios ocupados torna impossível a criação de um Estado palestino. Temos recentemente testemunhado um ataque muito grave à Faixa de Gaza. Qual é a atitude da Rússia a esta situação tensa no Oriente Médio? E o que você acha dos desenvolvimentos na Síria? Uma observação para o senhor Villepin também. Você falou de humilhação. O que pode ser mais humilhante do que a ocupação que a Palestina tem vindo a registrar todos esses anos?
VLADIMIR PUTIN: A respeito da Palestina e do conflito Israelense. É fácil para mim falar sobre isso, porque, em primeiro lugar, eu tenho que dizer e eu acredito que todos podem ver que as nossas relações com Israel se transformaram seriamente na década passada. Refiro-me ao fato de que um grande número de pessoas da antiga União Soviética vive em Israel e não podemos ficar indiferentes à sua sorte. Ao mesmo tempo, temos relações tradicionais com o mundo árabe, especificamente com a Palestina. Além disso, a União Soviética, e a Rússia é seu sucessor legal, reconheceu o Estado palestino. Nós não estamos mudando nada aqui.
Finalmente, em relação aos assentamentos. Partilhamos da opinião dos principais participantes nas relações internacionais. Consideramos isso um erro. Eu já disse isso aos nossos parceiros israelitas. Eu acredito que este é um obstáculo para as relações normais e eu espero fortemente que a prática em si será interrompida e todo o processo de uma solução pacífica irá retornar ao seu curso legal com base no acordo.
Nós procedemos a partir do fato de que esse conflito no Oriente Médio é uma das principais causas de desestabilização não só na região, mas também no mundo em geral. A humilhação de quaisquer pessoas que vivem na área, ou em qualquer outro lugar no mundo é claramente uma fonte de desestabilização e deve ser feito de fora. Naturalmente, isso deve ser feito usando de tais meios e medidas que seriam aceitáveis para todos os participantes do processo e para todos os que vivem na área. Este é um processo muito complicado, mas a Rússia está pronta para usar todos os meios que possui para este assentamento, incluindo as suas boas relações com as partes envolvidas neste conflito.
DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS DE CONFLITO E POLÍTICA DE KIEV, MIKHAIL POGREBINSKY: Senhor Presidente, eu vim da Ucrânia. Pela primeira vez em 70 anos, ela está passando por tempos muito difíceis. A minha pergunta tem a ver com a possibilidade de um acordo. Neste contexto, gostaria de voltar na história. Você mencionou que houve um momento em que um formato trilateral estava sob consideração: Rússia-Ucrânia-Europa. Naquela época, a Europa não concordava com ele, depois que uma série de trágicos acontecimentos ocorreram, incluindo a perda da Criméia, a morte de milhares de pessoas e assim por diante.
Recentemente, a Europa juntamente com a Ucrânia e a Rússia concordaram que este formato é possível afinal de contas; além disso, a resolução correspondente foi aprovada. Naquele momento, havia a esperança de que a Rússia, juntamente com a Europa e a Ucrânia conseguiriam chegar a um acordo e poderia se tornar a restaurar a paz na Ucrânia. O que aconteceu depois? O que aconteceu entre Moscou e Bruxelas, Moscou e Berlim — por que agora a situação parece completamente insana? Não está claro aonde isso pode levar. O que você acha que aconteceu para a Europa?
VLADIMIR PUTIN: Você sabe, o que aconteceu pode ser descrito como nada aconteceu. Acordos foram alcançados, mas nenhum dos lados o cumpriu na íntegra. No entanto, o cumprimento integral por ambos os lados pode ser impossível.
Por exemplo, unidades do exército ucraniano deveriam deixar determinados locais onde eles estavam estacionados antes dos acordos de Minsk, enquanto a milícia do exército deveria deixar certos assentamentos que eles estavam guardando antes desses acordos. No entanto, nem o exército ucraniano retirou-se dos locais que eles deveriam deixar, nem a milícia do exército retirou-se dos assentamentos de onde tinham de sair, referindo-se, e eu vou ser franco agora — para o fato de que suas famílias permaneciam lá (eu quero dizer a milícia) e temiam pela sua segurança. Suas famílias, suas esposas e filhos vivem lá. Este é um fator humanitário sério.
Estamos prontos para fazer todos os esforços para garantir a implementação dos acordos de Minsk. Eu gostaria de aproveitar a sua pergunta para salientar a posição da Rússia: somos a favor do cumprimento integral dos acordos de Minsk por ambos os lados.
Qual é o problema? Em minha opinião, o principal problema é que não vemos o desejo, por parte dos nossos parceiros em Kiev, principalmente das autoridades, para resolver o problema das relações com a sudeste do país de forma pacífica, através de negociações. Continuamos vendo a mesma coisa de várias formas: supressão pela força. Tudo começou com Maidan, quando decidiram suprimir Yanukovych pela força. Eles conseguiram e levantaram esta onda de nacionalismo e então tudo se transformou em alguns batalhões nacionalistas.
Quando as pessoas no sudeste da Ucrânia não gostaram, eles tentaram eleger seus próprios grupos de governo e de gestão e eles foram presos e levados para a prisão em Kiev, durante a noite. Então, quando as pessoas viram que isso aconteceu e levou às armas, em vez de pararem e, finalmente, recorrerem ao diálogo pacífico, enviaram tropas para lá, com tanques e aviões.
Aliás, a comunidade global se mantém em silêncio, como se ela não visse nada disso, como se não existisse tal coisa como “o uso desproporcional da força”. Eles, de repente, se esqueceram de tudo. Lembro-me de todo o frenesi em torno de quando tivemos uma situação complicada no Cáucaso. Eu ouvia uma única e a mesma coisa todos os dias. Não há mais tais palavras hoje, não mais “o uso desproporcional da força”. E isso é assim, enquanto que as bombas de fragmentação, e até mesmo armas táticas, estão sendo usadas.
Você veja, sob estas circunstâncias, é muito difícil para nós, na Rússia, organizar o trabalho com as pessoas no sudeste da Ucrânia de uma maneira que iria levá-los a cumprirem integralmente a todos os acordos. Eles continuam dizendo também que as autoridades de Kiev não cumprem integralmente os acordos. Entretanto, não há outra maneira. Eu gostaria de salientar que somos a favor da plena implementação dos acordos por ambas as partes, e a coisa mais importante que eu quero dizer — e eu quero que todo mundo ouça isso — se, Deus nos livre, qualquer um está tentado novamente a usar a força para a resolução definitiva da situação no sudeste da Ucrânia, isso irá levar a situação para um impasse total.
Em minha opinião, ainda há uma chance de se chegar a um acordo. Sim, Wolfgang falou sobre isso, eu o entendi. Ele falou sobre as próximas eleições na Ucrânia e no sudeste do país. Nós sabemos e estamos constantemente discutindo isso. Ainda esta manhã, tive outra conversa com a chanceler da Alemanha sobre o assunto. Os acordos de Minsk não estipulam que as eleições no sudeste devam ser realizadas em coordenação com a legislação ucraniana, e não sob a lei ucraniana, mas em coordenação com ela.
Isso foi feito de propósito, porque ninguém no sudeste quer realizar eleições em conformidade com a lei ucraniana. Por que? Como isso pode ser feito, quando estão atirando todos os dias, pessoas são mortas em ambos os lados e eles têm que realizar eleições sob a lei ucraniana? A guerra deve finalmente parar e as tropas devem ser retiradas. Entende? Quando isto for alcançado, podemos começar a considerar qualquer tipo de aproximação ou de cooperação. Até que isso aconteça, é difícil falar sobre qualquer outra coisa.
Falaram da data das eleições, no sudeste, mas poucos sabem que houve um acordo de que as eleições no sudeste da Ucrânia devam ser realizadas em 3 de novembro. Mais tarde, a data foi alterada na lei correspondente, sem consultar ninguém, sem consultar o sudeste. As eleições foram marcadas para 7 de dezembro, mas ninguém falou com eles. Portanto, as pessoas no sudeste dizem: “Veja, eles estão nos enganando de novo e isso vai ser sempre assim”.
Você pode discutir sobre isso como você quiser. A coisa mais importante é parar imediatamente a guerra e mover as tropas para longe. Se a Ucrânia quer manter a sua integridade territorial, e isso é algo que queremos também, eles precisam entender que não há sentido em defender alguma aldeia ou outra – isso não faz sentido. A ideia é parar com o derramamento de sangue e começar um diálogo normal, para construir relações com base neste diálogo e restaurar pelo menos algum tipo de comunicação, principalmente na economia e, gradualmente, as outras coisas se seguirão. Eu acredito que isto é o que deve ser alcançado em primeiro lugar e, então, podemos seguir em frente.
PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA, DIRETOR DO CENTRO DE GOVERNANÇA E POLÍTICAS PÚBLICAS DA UNIVERSIDADE DE CARLETON (OTTAWA), PIOTR DUTKIEWICZ:Senhor Presidente, se eu puder gostaria de voltar à questão da Criméia, porque é de importância fundamental, tanto para o Oriente quanto para o Ocidente. Eu gostaria de pedir-lhe para nos dar a sua imagem dos eventos que levam a ele, especificamente, por que você tomou essa decisão. Seria possível fazer as coisas de uma forma diferente? Como você fez isso? Há detalhes importantes — como a Rússia fez isso dentro da Criméia. Por fim, como você vê as consequências desta decisão para a Rússia, para a Ucrânia, para a Europa e para a ordem mundial normativa? Estou perguntando isso porque eu acredito que milhões de pessoas gostariam de ouvir a sua reconstrução pessoal desses eventos e do jeito que você tomou a decisão.
VLADIMIR PUTIN: Eu não sei quantas vezes eu já falei sobre isso, mas vou fazê-lo novamente. Em 21 de fevereiro, Viktor Yanukovych assinou os documentos conhecidos com a oposição. Os Ministros dos Relações Exteriores de três países europeus assinaram seus nomes sob este acordo como garantidores da sua implementação.
Na noite de 21 de fevereiro, o presidente Obama me chamou e discutimos estas questões e como iríamos ajudar na implementação desses acordos. A Rússia se comprometia com certas obrigações. Ouvi dizer que o meu colega americano também estava pronto para realizar algumas obrigações. Esta foi a noite do dia 21. No mesmo dia, o presidente Yanukovych me ligou para dizer que assinou o acordo, a situação se estabilizou e ele estava indo para uma conferência em Kharkov. Eu não vou esconder o fato de que eu expressei a minha preocupação: como era possível deixar a capital nesta situação. Ele respondeu que achava que era possível porque havia o documento assinado com a oposição e estava garantida por ministros das Relações Exteriores dos países europeus.
Eu vou lhe dizer mais, eu lhe disse que não tinha certeza de que tudo ficaria bem, mas era ele que tinha de decidir. Ele era o presidente, ele conhecia a situação, e ele sabia melhor o que fazer. “Em todo caso, eu não acho que você deva retirar as forças policiais de Kiev”, eu disse a ele. Ele disse que entendia. Em seguida, ele saiu e deu ordens para retirar todas as tropas policiais de Kiev. Bela jogada, é claro.
Nós todos sabemos o que aconteceu em Kiev. No dia seguinte, apesar de todas as nossas conversas telefônicas, apesar das assinaturas dos ministros das Relações Exteriores, assim que Yanukovych deixou Kiev, seu governo foi tomado pela força, juntamente com o prédio do governo. No mesmo dia, eles dispararam contra o cortejo do Procurador-Geral da Ucrânia, ferindo um dos guardas de segurança.
Yanukovych me ligou e disse que gostaria de nos reunirmos para conversar sobre isso. Eu concordei. Eventualmente, nós combinamos de nos encontrar em Rostov, porque era mais perto e ele não queria ir muito longe. Eu estava pronto para voar para Rostov. No entanto, descobriu-se que ele não conseguiria nem chegar até lá. Eles já estavam começando a usar a força contra ele, segurando-o sob a mira de uma arma. Eles não estavam muito certos para onde ir.
Eu não vou esconder isso; nós o ajudamos a chegar na Criméia, onde permaneceu por alguns dias. Isso quando a Criméia ainda fazia parte da Ucrânia. No entanto, a situação em Kiev foi se desenvolvendo muito rapidamente e violentamente, nós sabemos o que aconteceu, embora o público em geral não saiba — pessoas foram mortas, elas foram queimadas vivas lá. Eles vieram para o escritório do Partido das Regiões, apreenderam os trabalhadores técnicos e os mataram, queimaram-nos vivos no porão. Nestas circunstâncias, não havia nenhuma maneira de que ele pudesse voltar para Kiev. Todo mundo esqueceu-se dos acordos com a oposição, assinados pelos ministros de Relações Exteriores e de nossas conversas telefônicas. Sim, eu vou lhe dizer francamente que ele nos pediu para ajudá-lo a chegar à Rússia, o que nós fizemos. Isso foi tudo.
Vendo esses acontecimentos, as pessoas na Criméia levantaram quase que imediatamente os braços e pediram-nos ajuda na organização dos eventos que pretendiam realizar. Vou ser franco; usamos nossas Forças Armadas para bloquear as unidades ucranianas estacionadas na Criméia, mas não forçamos ninguém a participar das eleições. Isso é impossível, são todos adultos e você entende isso. Como poderíamos fazer isso? Conduzir as pessoas aos locais de votação sob a mira de uma arma?
As pessoas foram votar como se fosse uma festa, todo mundo sabe disso, e todos eles votaram, até mesmo os tártaros da Criméia. Havia menos tártaros da Criméia, mas a votação global foi elevada. Enquanto o comparecimento na Criméia, em geral, foi de cerca de 96 ou 94 por cento, um número menor de tártaros da Criméia apareceu. No entanto 97 por cento deles votaram “sim”. Por quê? Porque aqueles que não queriam não foram aos locais de votação, e aqueles que tinham votado “sim” foram.
Já falei do lado legal da questão. O Parlamento da Criméia se reuniu e votou a favor do referendo. Aqui, novamente, como alguém poderia dizer que várias dezenas de pessoas foram arrastadas para o parlamento para votar? Isso nunca aconteceu e era impossível: se alguém não quer votar eles iriam entrar em um trem ou avião, ou em seu carro e iriam embora.
Todos eles vieram e votaram a favor do referendo e, em seguida, as pessoas vieram e votaram a favor da adesão à Rússia, isso é tudo. Como isto irá influenciar as relações internacionais? Nós podemos ver o que está acontecendo; no entanto, se nós nos abstivermos de utilizar os chamados padrões dúbios e aceitarmos que todas as pessoas têm direitos iguais, isso não teria qualquer influência. Temos de admitir o direito daqueles povos à autodeterminação.
Traduzido por Dionei Vieirado artigo do Lew Rockwell: Vladimir Putin Is The Leader Of the Moral World
Fonte: www.juliosevero.com
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