Infiltrado no regime ”mais assustador e tirano de todos".
“O regime é louco, mau e tolo”, mas o “controlo está a desaparecer e isso torna-o cada dia mais perigoso”, diz Sweeney num relato na primeira pessoa publicado no jornal “Daily Mail” e transmitido no programa “Panorama” da BBC, e que, pelo seu interesse, o JTM transcreve hoje na íntegra.
Bem em baixo, no Metro de Pyongyang está uma estátua do eterno ditador da Coreia do Norte, o Generalíssimo Kim Il Sung – morto há 19 anos mas que ainda dá as ordens. Uma lavagem cerebral em bronze.
A propaganda ecoa nos altifalantes: “A neve branca e pura da artilharia sagrada das nossas montanhas limpará o inimigo imundo da sua existência” – ou algo parecido com isto.
Os jornais mostram as últimas sobre os “agressores imperialistas americanos” e alertam para uma guerra termonuclear.
Falámos com alguns norte-coreanos. Quase 122 metros abaixo da superfície é difícil não sentirmos que estamos presos num culto apocalíptico como o da seita “Ramo Davidiano” em Waco, no Texas, ou como o “Templo dos Povos de Jim Jones”, na Guiana. Só que esta é uma nação de culto, armada com armas nucleares e o relógio em contagem decrescente para o Apocalipse.
Já fiz reportagens na Roménia de Ceausescu, no Iraque de Saddam, na Líbia de Kadhafi, no Zimbabué de Mugabe e no Irão de Ayatollahs – mas depois de oito dias infiltrado na Coreia do Norte, acredito que este regime é o mais assustador e tirano de todos.
Kim Jong-un, o primeiro neto de Kim, tem o poder de criar a maior das guerras. O novo “menino de Deus” mantém o seu povo numa escravidão mental quase total.
O regime é louco, mau e tolo, juntando todas estas características ao mesmo tempo. Mas, o controlo está a desaparecer e isso torna-o cada dia mais perigoso.
Se a verdade acerca da Coreia do Norte está lentamente a ser descoberta pelo seu povo – que é extremamente pobre, liderado por uma dinastia de gangsters – então essa é a melhor explicação para a utilização de armas nucleares por Kim Jong-un.
Está a levar o seu país a um estado de pseudo guerra, para que a população não acorde e lhe faça o mesmo que os líbios fizeram a Kadhafi.
O cenário mais assustador é definido pelo professor Brian Myers, autor de “The Cleanest Race” e o maior especialista sobre a propaganda norte coreana: a pseudo guerra poderá tornar-se real por acidente. “Poderemos assistir a uma Guerra termonuclear mas nunca será porque os norte coreanos a querem. Não é esse o seu plano, mas pode chegar a esse ponto como resultado de cálculos desastrosos”.
DIA 1
20130418-312pViajei da China. Pequim, o centro do grande poder autoritário do mundo, parece São Francisco em comparação com Pyongyang quando saio do avião e dou de caras com um grande estábulo. É o terminal do Aeroporto. A ausência incomoda. Não há movimento de aviões. Sem internet nem telemóveis. No século XXI. A Coreia do Norte proíbe a presença de jornalistas. Por isso, sigo com um grupo de turistas.
O autocarro turístico é uma grande ferramenta do poder totalitário: um microfone, uma saída. O nosso guia veste um fato preto, é um crente fervoroso e tem um senso de humor subtil quando nos cumprimenta: “Olá a todos… a situação é muito tensa. Ninguém sabe quando começará a guerra mas estaremos todos em segurança. O nosso autocarro tem o logótipo da Agência de Viagens Coreana Internacional para que os americanos não nos ataquem. Haha…”
O nosso hotel é de cinco estrelas, estilo norte-coreano. No lobby está um quadro de Kim Il Sung e do seu filho, Kim Jong Il. O primeiro Kim tem vestido um fato que lhe aperta o pescoço. O segundo tem um terno de Mao, óculos do Elton John e uma poupa à Elvis.
A televisão passa vezes sem conta a Guerra da Coreia e os Kim I e II em inaugurações. É fascinante durante dez minutos, mas de repente deixa de o ser.
As áreas públicas do Ritz versão Pyongyang estão apagadas e congeladas, uma piscina com água estagnada e fedorenta. Fora do meu quarto, “formigas humanas” trabalham em conjunto na construção de um banco da China, dia e noite, noite e dia.
Kim Jong Un nasceu no dia de anos do Elvis, foi educado na Suíça e parece feliz em deitar abaixo a economia que o seu avô copiou de Estaline. A questão é: poderá o Kim III libertar a economia e manter, ao mesmo tempo, o poder absoluto?
DIA 2
SAMSUNG DIGITAL CAMERALevam-nos até a um monumento poderoso, um martelo, uma foice e um pincel de caligrafia: trabalho manual e cerebral, símbolos de uma religião antiga.
Muitas pessoas pensam na Coreia do Norte como comunista. Há um ano, Marx e Lenine tinham um lugar de destaque numa grande praça da cidade. Mas na nossa viagem, já desapareceram.
Se a Coreia do Norte não é estalinista, então o que é? John Everard, ex embaixador britânico no país foi contundente: “Há semelhanças tristes entre a Coreia do Norte e a Alemanha Nazi e, apesar de algumas pessoas descreverem a Coreia do Norte como um Estado estalinista, na verdade é muito mais preciso descrevê-la como neo-nazi. Tem um preconceito racial profundo.
“Kim Jong Il (Kim II) era um admirador convicto de Hitler e copiou as marchas de Nuremberga que são feitas em Pyongyang até hoje”.
Levaram-nos ao mausoléu, muito bem iluminado, limpo e esplendidamente aquecido. Kim I e II estão reproduzidos em cera dentro de caixas de vidro. Na Coreia do Norte, só os ditadores mortos estão aquecidos. Disseram-nos para fazer uma vénia e, como estava infiltrado, assim fiz.
Mark Fitzpatrick, um especialista americano sobre a Coreia do Norte, diz que este é o único país do mundo governado por um homem morto. O Generalíssimo Kim Il Sung ainda é o líder do país – uma espécie de Deus.
A Coreia do Norte é governada pelo zombie e pelos seus filhos.
Não admira que este seja o país mais difícil em que estive. Levam-nos à Barragem do Mar do Ocidente – uma conquista com a assinatura do regime. A passagem está bloqueada com camiões antigos contra a parede da barragem. Vão caindo para o mar. Depois levam-nos a uma fábrica de garrafas. Na linha de produção, não há garrafas. Seguimos para uma quinta repleta de armas anti-aéreas. Mas sem culturas, campos ou animais. A propaganda ecoa nos altifalantes, durante todo o dia. O som é estridente, com a mesma gravação há 68 anos.
Seguimos para um spa num hotel reservado para membros do governo e turistas, como nós. Trata-se de um lugar vulgar. Temos um barbecue, amêijoas “flambé” regadas com vodka norte coreano. Nesta sociedade bebe-se muito. Faço um brinde aos nossos pensamentos: “Espero que não tenhamos que enfrentar uma Guerra termonuclear em breve”. Éramos os únicos hóspedes.
DIA 3
20130418-314pQuanto mais visitamos, pior se torna: corpos amontoados lavando a terra de uma fábrica morta, uma mulher lavando roupas num rio gelado. Cresce uma agitação entre os guias: “não podem tirar fotos”. A cidade que atravessamos é suja e má. Um complexo industrial parece inactivo há muitos anos. De uma enorme chaminé não sai fumo nenhum. No grande complexo industrial Daean somos saudados por uma senhora simpática vestida com o traje tradicional que aponta para o mural dos Kim I e II – e depois as luzes apagam-se. Podemos ver alguma coisa?
A nossa guia traduz: “A situação na península coreana está a piorar. À beira da Guerra da Coreia só se produz material bélico, por isso, não podemos mostrar a fábrica toda”.
DIA 4
20130418-315pViajamos pelo campo que mais parece uma paisagem lunar, para chegarmos à DMZ – a Zona Desmilitarizada onde as Coreias se dividem.
Em 1950, a Coreia do Norte, apoiada por Estaline e Mao, invadiu a Coreia do Sul. Três anos e um milhão de mortos mais tarde, a fronteira fica estabelecida onde sempre esteve – no paralelo 38. Os dois lados declararam o cessar fogo mas nunca assinaram um tratado de paz.
A questão é: “Quem começou a Guerra?” Questionei o coronel responsável pela DMZ: “Os americanos, os sul coreanos e os ingleses dizem que a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, e não o contrário”…
Ele discorda. Falamos sobre a Guerra. Explico-lhe que em Inglaterra não temos tanto medo porque estamos muito longe. A nossa guia traduz esta frase como: “Ele precisa de ir embora, porque a Guerra pode começar a qualquer momento”.
O coronel põe o braço sobre os meus ombros, ri e diz: “Não te preocupes”.
É difícil encontrar um local mais pacífico do que a DMZ, mas há alguma coisa que me escapa. Normalmente os sul coreanos e os americanos estão a observar a Coreia do Norte, mas hoje não se vê ninguém. Perguntei ao coronel se ele acha que a Guerra vai acontecer. “Se não houver tiros, não podemos afirmar que se trata de uma guerra”, respondeu-me. “Não sei se a guerra vai acontecer. Isso só depende dos americanos”.
Acabámos por conseguir uma foto de grupo com o coronel.
Numa colina, perto de outra estátua de Kim, acontece algo estranho: consigo apanhar um sinal no telemóvel de uma rede da Coreia do Sul. Se eu consegui, os norte-coreanos também conseguem. A revolução digital está a acabar com o controlo do regime, o que torna mais difícil manter as pessoas em lavagem cerebral.
DIA 5
Os militares chegaram à capital. Na Biblioteca Central, uma sala fria dominada pela presença de Kim morto sentado num trono de mármore, pedi um livro: 1984? Não têm George Orwell, mas é possível encontrar livros de alimentação e nutrição.
É tristemente irónico porque a fome em massa é uma das conquistas do regime. Nos anos 90, a sua política militar trouxe a fome a este país. Mas nunca mostraram imagens de crianças doentes e famintas. Talvez tenham morrido um milhão, talvez mais.
DIA 6
Estamos na estrada novamente, rumo ao leste. Passamos por montanhas que ainda apresentam alguma neve tardia. Mais para norte há um sítio que os nossos guias nunca nos mostrarão: o “gulag” norte-coreano.
Na Coreia do Sul conheci um desertor que tinha sido prisioneiro. Contou-me que no Inverno a terra é tão dura que não conseguiam enterrar os mortos, tinham de esperar até Abril. “Os mortos ficavam num armazém. Quando os íamos enterrar já estavam em decomposição. Enterrávamos mais de 80 num único buraco”. Disse que isso ainda acontece hoje.
Encontrámos outro desertor, um médico. “Vivia como um robô, não era um ser humano”, disse. Eu perguntei: “Se como médico tivesse pedido mais dinheiro para medicamentos o que teria acontecido? Ter-me-iam morto nesse mesmo dia”.
DIA 7
Levaram-nos para o maior hospital de Pyongyang. Vesti dois casacos, colete, camisa e um polar por uma razão: parece uma arca frigorífica. Pelo menos a electricidade está ligada… penso eu. De repente cortam a luz, mostram-nos algumas máquinas caras, mas pacientes nem vê-los.
O médico que nos leva diz que não nos pode mostrar doentes sem a autorização deles, mas esta parece mais uma visita de propaganda e eu já tive o suficiente: “Diga ao médico que nós não somos parvos. Não vimos nenhum doente, não nos tratem desta maneira”.
A nossa última visita é o circo. E com quem esbarramos na plateia? Todo o corpo de oficiais da Coreia do Norte mas nenhum armado. É como se o regime não confiasse nos seus oficiais.
Pendurada acima do trapézio está uma estrela intercontinental do circo. Conforme vai subindo, dois acrobatas “explodem”. Os oficiais batem palmas como se o mundo estivesse prestes a acabar.
No dia em que a minha visita termina, a Coreia do Norte declara guerra ao país vizinho.
Como Kim Jong-un – o homem mais perigoso do mundo – escolhe celebrar o 101º aniversário do seu avô é lá com ele. Esperemos que seja apenas com um grande bolo e muitas velas.
Polêmica com grande audiência
O documentário secreto sobre a Coreia do Norte, feito por John Sweeney para o programa Panorama, gerou polémica no Reino Unido e motivou críticas à BBC, pelo facto do jornalista se ter feito passar por um dos alunos, numa viagem de estudo.
A Escola de Economia de Londres (LSE) chegou mesmo a pedir à BBC para não divulgar a reportagem, por entender que o esquema poderia ter colocado “em grande perigo” os seus alunos, se as autoridades norte-coreanas tivessem descoberto.
A cadeia televisiva rejeitou as acusações da LSE, garantindo que os estudantes tinham sido informados que um jornalista iria acompanhá-los, mas a administração da escola insistiu que não foi colocada ao corrente da situação. Alguns alunos asseguraram que apenas souberam da situação, quando já se encontravam em Pyongyang.
No entanto, pelo menos dois estudantes da LSE revelaram que foram avisados antes da partida para Pyongyang, num “briefing” informal num “pub” londrino. Certo é que a polémica fez subir as audiências do programa, atingindo os 5,1 milhões de espectadores.
Phonte: Tribuna de Macau
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