Rio – O Rio de Janeiro está enfrentando um derrame de fuzis AK-47 (Avtomat Kalashnikova 1947), de fabricação russa e de munição para o mesmo. As armas estão chegando em larga escala às mãos de traficantes desviadas de países que fazem fronteira com o Brasil, principalmente a Venezuela, através das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) — guerrilha que atua também em território venezuelano.
O alerta é de especialistas em segurança pública. Só nos últimos dois meses, dos 70 fuzis apreendidos na capital carioca pela polícia, 30 eram do modelo AK-47, conforme antecipou na sexta-feira a coluna ‘Informe do DIA’. Esse tipo de equipamento é considerado a arma mais letal e a mais usada no mundo, inclusive por integrantes do grupo terrorista mais temido no momento, o Estado Islâmico, que se espalha pela Síria e pelo Iraque.
“Os fuzis AK-47 sempre foram os mais apreendidos, porque têm em maior quantidade no mundo. Mas apreensões seguidas e em tão pouco tempo, como estão ocorrendo, são sinal claro de uma derrama desse tipo de arma”, justifica Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), consultor e especialista em negociação de conflitos.
Na quinta-feira, o próprio comandante-geral da Polícia Militar, coronel Pinheiro Neto, também admitiu a hipótese, incluindo ainda a Colômbia como possível origem dos equipamentos. Ele disse que há indícios de “suposta relação de bandidos desses países com traficantes brasileiros”.
Storani lembra que em 2005 o então governo Hugo Chávez comprou tecnologia para a fabricação de 100 mil fuzis nas versões AK-103 e AK-47. “A Venezuela não tem 100 mil homens em suas Forças Armadas. Logicamente, boa parte desses armamentos caiu nas mãos de guerrilheiros, que negociam o arsenal com traficantes brasileiros”, ressalta, cobrando mais empenho do governo federal na vigilância das fronteiras.
Há desconfiança de que o armamento já apreendido tenha vindo de países do Leste Europeu, que se encontram em conflito, como a Ucrânia. Atualmente o AK-47 é fabricado em Israel, Geórgia e Irã.
Em determinadas operações, policiais militares chegaram a apreender até cinco fuzis AK-47 de uma vez, como aconteceu nas comunidades do Dendê, na Ilha do Governador, no dia 29 de janeiro, durante ação do Grupamento de Ações Táticas (GAT) e 17º BPM (Ilha), quando 500 projéteis para esse tipo de arma também foram recolhidos em uma boca de fumo.
A assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que “as armas apreendidas passíveis de identificação são analisadas pelo núcleo de rastreamento da Coordenadoria de Inteligência e Informações Policiais (Cinpol)”. Tais análises levam entre quatro e seis meses para serem concluídas.
‘Bandidos não saem para comprar armas no exterior’
Para o advogado João Tancredo, presidente do Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos, há falhas nas investigações no contrabando de fuzis. “Os setores de inteligência da polícia têm que identificar e prender os maus policiais que atuam na intermediação dessas armas, até chegar aos traficantes. Bandidos não saem das comunidades para comprar armas no exterior”, criticou.
De acordo com João, enquanto houver grande quantidade de armas em circulação, novas “tragédias anunciadas” serão inevitáveis. “O povo indefeso está no meio dessa guerra estúpida”, disse, lembrando que dados da Organização das Nações Unidas apontam que o Brasil é o segundo com maior número de casos de bala perdida na América Latina, ficando atrás apenas da Venezuela. No país, 35% das ocorrências terminam em morte e 45% das vítimas são crianças e adolescentes.
Beltrame já pediu ajuda
No dia 22 de fevereiro, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, causou polêmica ao dizer que a polícia do Rio está “atuando sozinha no combate à criminalidade”. Só neste fim de semana, dois PMs foram mortos por bandidos — outros nove militares e quatro civis também foram assassinados este ano —, e cinco ficaram feridos.
“Vamos seguir esperando que outras instituições que entendem e compõem o conceito de segurança nos ajudem. A segurança é um monte de coisas, e a ponta disso tudo é a polícia. E na ponta, a polícia está sozinha”, desabafou o secretário na ocasião.
Paulo Storani disse ontem que Beltrame tem razão. “Na questão do tráfico de armas e drogas, se não houver empenho maior do governo federal nas fronteiras, a PM vai continuar enxugando gelo”, lamentou.
O Ministério da Justiça não retornou e-mail enviado pelo DIA à sua assessoria de imprensa na tarde de ontem, mas em seu site informa que, em 2014, entregou 20 novos veículos para reforçar as ações de combate à criminalidade nas regiões limítrofes com a Venezuela e a Guiana. O valor do investimento foi de R$ 2.492.654,40. Além disso, prorrogou a permanência da Força Nacional de Segurança na fronteira com o Peru, com a Colômbia e com a Venezuela.
Fonte: O Dia
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