Por Jonas Ayres
Pós-modernidade. Eis um termo que significa
muito, que possui muitas definições e literatura numa amplitude cada vez mais
surpreendente. Muitos filósofos, sociólogos e estudiosos da área utilizam o
termo pós-moderno, outros preferem o uso do termo hipermoderno. Justamente por
estarmos vivendo neste tempo, tão carente de absolutos, não é de se estranhar a
dificuldade de utilização do mesmo termo bem como o estado de desespero que
muitas vezes toma conta das pessoas pela simples menção da expressão
“pós-moderno”.
Pós-modernismo é tanto uma noção histórica e
cronológica quanto uma idéia filosófica. Analisando sob a ótica histórica,
pós-modernismo se refere à modernidade, devido este tempo preceder o outro bem
como a rejeição do pós-modernismo por alguns conceitos modernos. Sob o aspecto
cronológico, muitos definem que o pós-modernismo é o retrato de uma era que já
começou, e sob alguns aspectos já substituiu a modernidade. Por fim, na
concepção filosófica e psicológica trata-se de um tempo de grande “relativismo
cultural sobre coisas tais como realidade, verdade, razão, valor, significado
lingüístico, o eu e outras idéias” (MORELAND & CRAIG, 2005, p.186).
Para a igreja, o pós-modernismo representa um
desafio. Um bom desafio conforme as palavras de Ferreira e Myatt (2007,
p.4):
Para muitos, a situação pós-moderna é uma
ocasião de desespero. Mas é exatamente nos momentos históricos que se mostram
mais difíceis que a fé cristã se levanta, trazendo nova esperança. E, nestes
momentos, a tarefa teológica se torna crítica para proclamar e defender a fé, e
para nortear o povo de Deus na travessia dos campos de batalha que permanecem à
frente. Nosso desafio é fazer uma teologia que coloque toda a riqueza da fé
evangélica histórica desde a igreja antiga até a atual, em contato com os
problemas de um mundo pós-moderno e globalizado, trazendo luz, vida e esperança
para um povo cuja existência carece do significado que somente se encontra no
Senhor.
Para os estudiosos da área, fica o desafio de
definir o que significa este tempo. Esperandio (2007, p.41) lança uma opinião
sobre este tempo que confere com o pensar de muitos:
Vê-se, pois, que as teorizações sobre
pós-modernidade/pós-modernismo vão se construindo simultaneamente ao próprio
aparecimento dessa nova configuração do social, que os teóricos têm dificuldade
em definir: seria então uma nova forma de ser, de pensar e viver, mas ainda
dentro da modernidade, ou poderia esse novo modo de existência (com implicações
visíveis nos mais variados campos do saber) ser categorizado como um outro
período histórico, o pós-moderno?
Por ser uma época em processo de definição,
existe certa controvérsia no meio acadêmico quanto ao emprego correto de
“rótulo” que melhor determine este tempo. Um filósofo muito influente que afirma
que o pós-modernismo já “passou” é Gilles Lipovetsky. Na verdade, Lipovetsky
defende que o pós-modernismo sequer existiu; este filósofo francês defende
que:
O neologismo pós-moderno tinha um mérito:
salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de
funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Rápida
expansão do consumo e da comunicação de massa; enfraquecimento das normas
autoritárias e disciplinares; surto de individualização; consagração do
hedonismo e do psicologismo; perda da fé no futuro revolucionário;
descontentamento com as paixões políticas e as militâncias – era mesmo preciso
dar um nome à enorme transformação que se desenrolava no palco das sociedades
abastadas, livres do peso das grandes utopias futuristas da primeira
modernidade. (LIPOVETSKY, 2004, p.52).
Dando a explicação do porque do uso do termo
“pós”, ele afirma que que o que vivemos é na verdade o tempo do “hiper”:
A cultura hipermoderna se caracteriza pelo
enfraquecimento do poder regulador das instituições coletivas e pela
autonomização correlativa dos atores sociais em face das imposições de grupo,
sejam da família, sejam da religião, sejam dos partidos políticos, sejam das
culturas de classe. (…). Testemunho disso é a maré montante de sintomas
psicossomáticos, de distúrbios compulsivos, de depressões, de ansiedades, de
tentativas de suicídio, para nem falar do crescente sentimento de insuficiência
e autodepreciação. (…). À desregulação institucional generalizada correspondem
as perturbações do estado de ânimo, a crescente desorganização das
personalidades, a multiplicação de distúrbios psicológicos e de discursos
queixosos. (LIPOVETSKY, 2004, p.83-84).
Doutra forma, renomados filósofos cristãos como
Norman L. Geisler, William Lane Craig, J.P. Moreland e Peter Kreeft defendem que
o que vigora ainda é o pós-modernismo.
Partindo deste pressuposto, é preciso
estabelecer meios de comunicar e praticar o cristianismo neste horizonte, e para
que a proclamação do Evangelho seja eficaz é preciso conhecer esta cosmovisão,
não fugir dela, mas de modo algum criar alianças e contextualizações. Morley
(2005, p.200) disse:
Quanto mais compreendermos as idéias das
pessoas, melhor poderemos comunicar a verdade das Escrituras e do Evangelho para
elas. Por isso é que estudamos sobre cultos e religiões, e daí a grande
importância de que os missionários estejam muito bem preparados entenderem as
culturas nas quais vivem. Mas poucos cristãos do ocidente se esforçam o
suficiente para compreender a cultura onde eles mesmos vivem!
Outro fato importante a se destacar é que não
existe consonância quanto ao inicio da era pós-moderna; o que existe é o
consenso que alguns nomes influenciaram muito a forma de pensar do homem, que
mudou sua atitude severamente moldando assim a sociedade atual. Existem fatores
e nomes que acenderam o “estopim” do pós-modernismo.
Após o fracasso da crença numa “perfeição
humana” e na sua eventual bondade, vendo o século XX ser manchado de sangue,
mancha esta das duas grandes guerras mundiais, uma guerra fria, estados
governados por regimes cruéis, ditadores e totalitaristas, inúmeras guerras
civis, o vergonhoso Holocausto efetuado pelos nazistas (como uma flecha no
coração modernista europeu), tensões na frança sob o regime do presidente
Charles de Gaulle em 1968 (onde os jovens bradaram nas ruas o termo “é proibido
proibir”) e profundas mudanças no regime marxista, mudanças no pensamento quanto
a perfeição do modernismo foram minando tal época.
Nomes como Michel Foucalt, Jacques Derrida,
Richard Rorty e Jean-François Lyotard passaram a por em xeque a concepção
modernista.
Foucault rejeitava a idéia que o conhecimento é
algo intrinsecamente neutro. Para ele a ciência e conhecimento são instrumentos
de opressão usados pelos que os possuem cuja finalidade é obter poder e domínio
sobre as massas. Em síntese, no pensamento de Foucault, toda afirmação de
conhecimento é na verdade um ato de poder.
Derrida apregoa que os dicionários, por
exemplo, dão a falsa impressão que as palavras possuem definições e significados
absolutos, inalteráveis. Para ele o significado das coisas/palavras está ligado
às experiências pessoais de cada indivíduo, e como tais experiências mudam de
forma constante, os significados também mudam. Agindo assim, Derrira continuou a
“desconstruir” conceitos tradicionais firmados no pensamento humano. De certa
forma, a conseqüência macro do seu pensamento em nossos dias é o relativismo, ou
seja, tudo é relativizado por cada ser e a verdade e o absoluto não passam de
meros conceitos individuais. Sobre Derrida, Geisler diz (2002, p. 248):
É considerado um “filósofo” francês
contemporâneo, apesar de alguns questionarem se ele é um verdadeiro filósofo. É
pai de um movimento conhecido como “desconstrutivismo”, ainda que pessoalmente
ele rejeite o significado popular do termo. O movimento também é chamado
“pós-modernismo”, apesar de Derrida também não usar o termo para descrever sua
visão.
Rorty por sua vez, com seu pensamento
neo-pragmático afirma que a idéia da verdade é apenas um mito. Em seu modo de
pensar a “verdade” é aquilo que sobrevive às objeções dentro do contexto
cultural ao que é apresentado, assim, o que é verdade continua sendo
relativizado, não pelo individuo, mas pelo ambiente sócio-cultural. Para Rorty,
devemos abandonar a busca pela verdade e nos contentarmos simplesmente com a
interpretação.
Por fim, Lyotard apregoa um pensamento em favor
da diversidade e de considerações meramente pragmáticas.
Tal ambiente cria uma aparente sensação de que
tudo está mais belo e livre e que o homem pós-moderno é de fato o mais realizado
de todos os tempos. Poucos são francos em admitir seu verdadeiro sentimento de
vazio e confusão. Nas palavras de Miranda (2006, p.264):
[as pessoas] sentem-se diariamente rodeadas
pelo diferente, pelo desconhecido, pelo estranho. Ninguém está completamente à
vontade na sociedade pós-moderna. Estamos todos contaminados por uma epidemia
silenciosa de insegurança e de angústia. A oferta generosa e abundante de
“definições da realidade”, à semelhança de um shopping bem sortido, garante ao
individuo maior espaço para sua liberdade, mas, simultaneamente, descarrega
sobre ele o difícil ônus de construir sua própria identidade sem lhe oferecer
referências sólidas, objetivos comprovados, ideais aceitos pela sociedade que,
outrora, lhes garantia honorabilidade e, sobretudo, credibilidade.
Por mais que a análise do pensamento desses
pensadores tenha sido superficial, é possível identificar que os conceitos
relativistas e pluralistas que permeiam o pensamento do homem pós-moderno têm
como fonte tais filosofias. Relativismo, pluralismo e a rejeição da verdade são
marcas deste tempo, as quais McGrath refuta (2007, p.168):
Contudo, a lenta saída da modernidade, ainda
que inexorável, não significa que o evangelicalismo precise assumir a ordem
pós-moderna. Com efeito, o evangelicalismo provê um ponto de observação
fundamental de onde criticar aspectos da visão de mundo pós-moderna, não menos
sua aparente reação exagerada à ênfase do Iluminismo na verdade. A verdade
permanece um assunto de importância apaixonante para o evangelicalismo, mesmo
que exista uma pressão cultural bastante forte na sociedade ocidental para
conformar com sua ótica prevalecente de “meu ponto de vista é tão bom quanto o
seu”.
Mas afinal, o que significa para a humanidade o
passar da era moderna para a pós-moderna. Conforme Lipovetsky (2007, p.23)
disse:
A pós-modernidade representa um momento
histórico preciso em que todos os freios institucionais que se opunham à
emancipação individual se esboaram e desapareceram, dando lugar à manifestação
dos desejos subjetivos da realização individual, do amor-próprio. As grandes
estruturas socializantes perdem a autoridade, as grandes ideologias já não estão
mais em expansão, os projetos históricos não mobilizam mais, o âmbito social não
é mais que o prolongamento do privado – instala-se a era do vazio, mas “sem
tragédia e sem apocalipse”.
Eis o cenário armado para a introdução de
linhas teológico-filosóficas no cristianismo histórico que são verdadeiros
cavalos-de-tróia. Na ansiedade por ter um cristianismo mais amigável ao
pensamento pós-moderno, o movimento da Igreja Emergente adentrou o cristianismo
hodierno como tal cavalo-de-tróia.
OUTROS TEXTOS DA SÉRIE
1. Ensaios sobre a Igreja na pós-modernidade:
introdução
2. Ensaios sobre a Igreja na pós-modernidade:
definições
BIBLIOGRAFIA
ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. Para entender
pós-modernidade. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia
sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual.
São Paulo: Edições Vida Nova, 2007.
MORELAND, J.P. & CRAIG, William Lane.
Filosofia e cosmovisão cristã. São Paulo: Edições Vida Nova, 2005.
LIPOVETSKY, Gilles. Tempos hipermodernos. São
Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
MORLEY, Brian K. in MACARTHUR, John. Pense
biblicamente: recuperando a visão cristã de mundo. São Paulo: Hagnos,
2005.
GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética:
respostas aos críticos da fé cristã. São Paulo: Editora Vida, 2002.
MIRANDA, Mário de França. A igreja numa
sociedade fragmentada. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
MCGRATH, Alister. Paixão pela verdade: a
coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd Edições, 2007.
***
Texto do nosso querido pastor Jonas Ayres no Púlpito Cristão, via NAPEC
Texto do nosso querido pastor Jonas Ayres no Púlpito Cristão, via NAPEC
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