Não há como minimizar os efeitos da queda. Caímos. Pecamos. Rebelamo-nos. Mentimos. Criamos nossos próprios deuses. Amamos o nosso próprio ventre.
Estávamos “em pecado” (separados, distantes, rebelados).
Graça e misericórdia vieram até nós por meio de Cristo Jesus. Por isso, se antes estávamos “em pecado”, hoje temos o nosso ser pacificado pela Cruz.
Somos amados, ganhamos um Pai e vivemos uma fé que atua pelo amor. Não estamos mais na condição “de pecado”, mas contudo, infelizmente, ainda pecamos.
Seria isso um pretexto para se viver uma graça barata? Não! Óbvio que não. Mas, lembrar que ainda hoje e amanhã pecaremos (muito embora não estando “em pecado”, insisto!) deve trazer algumas implicações práticas e existenciais para cada um de nós.
Precisamos de uma vez por todas jogar luz no espelho e perceber quem “ainda somos”. Eu sou pecador, você não é?
Decerto seria uma pronta resposta afirmar o contrário: que somos a imagem e semelhança de Deus, que agora somos novas criaturas que vivem de modo digno da vocação pela qual fomos chamados. Ops! Mas sim - em Cristo - sem dúvidas, somos novo ser em busca do ideal de Deus!
A relação entre pecado e santidade parece-nos sempre dilemática, não é? Leva-nos para um dualismo antigo. Mas, chega! ... sem dilemas! Na verdade não há dilemas! A questão é que efetivamente somos isso ainda, em parte; e em Cristo somos aquilo, "já e ainda não".
Ora, sejamos sinceros quanto à estreiteza do conceito de pecado presente em nossa religiosidade moderna, o qual não vai além dos limites da moral e do sexo, por exemplo - procure alguém que foi disciplinado na igreja por ser um crente avarento, certamente não acharás. Sejamos também verdadeiros quanto a nossa mesquinha compreensão da maravilhosa graça de Deus (mergulhar nas escrituras revelaria muito sobre o nosso terrível caráter e muito mais sobre a beleza da pessoa de Deus, não é verdade?)
Voltando a questão do pecado, note que a Bíblia não ensina que é possível viver sem pecar (I João 1.7-10). A queda detonou nossos pilares da moral a serviço da espiritualidade! Quando começamos a construí-la, logo ela é implodida sem precisar de muitas toneladas de bombas – basta um simples artefato bélico pra destruir nossa “boa obra” para Deus. Eis o motivo de bradarmos “tudo é graça”, pois merecíamos desde antes a morte!
Entretanto, o que a Bíblia nos orienta é que é possível viver sem que haja o “enraizamento” daprática do pecado e o deliberado prazer nele. (Cl 3.5; 1Jo 3.9).
Estou desejando que permaneça distante de nós qualquer orgulho ou altivez de tentarmos falsificar os efeitos da queda através de nosso comportamento super-facial. Sim, isto porque aprendemos erroneamente que "cristãos espirituais" carregam um pacote de "virtudes aparentes" que testificam que os mesmos pouco pecam, ou quase nunca cometem pecados.
É triste vê-los acreditando neste devaneio.
Por isso, eu queria relembrar alguns tipos de pecados que eu e você cometemos sempre e sempre e sempre... Isto não significa - saliento - que a libertinagem deve roubar a nossa busca por santidade, ou nos esponjar da culpa que subtrai a alegria de viver; mas que é razoável relembrar que a presença de tais pecados pode significar a possibilidade de enganarmos os homens todos os dias, assim como, pode nos possibilitar galgar posições "importantes" nos nossos arraiais evangélicos. Enfim, é bom não duvidarmos da nossa medíocre tentativa de surpreender nossos pares, e quiçá, até Deus. Tentar maquiar os efeitos da queda é negligenciar a riqueza e beleza da graça de Deus.
Observe. Não por coincidência, muitas pessoas saem das igrejas decepcionadas com crentes que se apresentaram como “anjos de luz” fantasiando-se na garantia de suas condutas, deslizaram e deixaram a máscara cair. Neste caso, estes esqueceram de que são novas criaturas [em Cristo], mas que ainda são pecadores [na carne] - faltaram autoexames e sobraram presunções.
Mas, vamos refletir por que somos tão pecadores, apesar de...?
a) Você faz o bem sempre? Quantas oportunidades você tem de fazer o bem e não faz? (Tg 4.17).
b) A Bíblia diz que motivações que brotam de dentro do coração e contaminam o homem são maus desígnios. Você, vez por outra, não se depara com pensamentos impuros na sua mente? (inveja, ciúme, orgulho) (Mt 15.18)
c) Você nunca sentiu ódio por alguém e depois parou e disse “não devo desejar isso a essa pessoa”? (Mt. 5.21-26).
d) Você nunca olhou de forma impura uma mulher ou um homem? (Mt. 5.27-28)
e) Você não mente nenhuma vez no dia? Nem para você mesmo?
f) Você nunca teve momentos de avareza? (pra não perguntar se você não é, de fato, um avarento).
g) Você já encontrou em sua “mentezinha” suja pela queda, a lascívia, ou seja o apetite sexual pelo(a) próximo(a)? (Mt 7.21)
h) Você já pecou também por comissão, ou seja por fazer parte da própria engrenagem da injustiça no mundo, de alguma forma, seguindo o curso dele? (Rm 12.2)
i) Você em algum momento fez ou faz acepção de pessoas? (Tg. 2.1-13).
j) E os pecados da língua? Esse nem se fala né? (Tg.3.1-12; 4.1-12)
l) Já parou e disse para si mesmo em tom de orgulho “como eu tenho uma moral ilibada diante da sociedade”? Sentiu aquele orgulho altivo?
m) Você nunca fabricou em oculto nenhum deus para você? (dinheiro, família, status, poder, sentimentos, etc.)? (Ex. 20.3)
n) O apóstolo Paulo clamou “desventurado homem que sou!” (Rm 7.24), e você admite isso com frequência a Deus? Demonstra essa realidade aos que convivem com você, ou só se acha uma “raridade”?
o) Você acha que precisa de conselhos para não pecar tanto? Vejamos o que está escrito lá em Colossenses 3.5-9: “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição (pecado sexual), impureza (pecado sexual), paixão lascívia (pecado sexual-mental), desejo maligno (pecado motivacional), e a avareza, que é idolatria (atitude econômico-financeira; pecado social).” Ou seja, Paulo conclama uma guerra aos pecados reais, presentes em maior ou menor grau, na vida de qualquer cristão.
Então...eu poderia explorar todas as palavras e letras do alfabeto e teríamos dezenas de centenas de pecados possíveis para cada um de nós. Por isso concluímos que não há motivos para que vivamos com a presunção de sermos “santos”, “capazes” e superiores a ninguém, não é verdade?
Não há possibilidade alguma de impressionarmos com Deus com nossa conduta! A coisa não funciona de baixo para cima.
Não tentemos ser nada além do que Deus sabe que nós somos. Do contrário, vivamos a nossa realidade existencial no compasso da graça e pelo sacrifício da Cruz. Sendo assim, nunca deixemos que os nossos pares nos olhem de baixo para cima; caso isso aconteça, prontamente nos apresentemos a eles sem a maquiagem da religião, despojados de “boas obras”, apenas vestidos de Cristo. Isto valerá tanto para eles, quanto para nós.
Por fim, talvez você me julgue achando que irei sugerir que se solte a linha para a “pipa da pseudo-liberdade” voar livre. Não, não era disso que estava falando desde o início. Por isso espero que você não tenha lido este texto pelo avesso. Oro por isso.
Os que leram, entretanto, apenas desejando soltar linha da pipa, ao que parece ficaram apenas na sombra da Cruz vendo-a de longe. Estes certamente se entregarão aos traiçoeiros deleites do pecado e sentirão o sabor do absinto infernal ainda em vida. Os que foram atraídos pela Cruz, experimentarão a contra intuição do “miserável homem que sou” que “vive em abundância em Jesus”. Isto é, os que tem ciência da salvação em Cristo pela fé, mesmo ainda pecando, viverão o contraste de se perderem na graça pela busca da ambiciosa excelência de ser igual ao seu mestre.
Portanto, não é a toa que,
Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou. (1 Jo 1.6).
Mas sem presunção, por favor.
(...) pois andar como ele andou também é graça.
***
Misael Antognoni é colunista do Púlpito Cristão e editor do Candiêro Teológico.
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