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sábado, 25 de fevereiro de 2017

Erdogan e Putin inauguram nova ordem mundial


O encontro entre dois presidentes que tinham tudo para se odiar merece ser vista ao pormenor. Até porque as implicações com a Europa são claras.


O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, fará uma visita oficial à Rússia e ao seu presidente, Vladimir Putin, nos próximos dias 9 e 10 de Março, marcando assim oficialmente uma nova era das relações internacionais nas geografias próximas da Europa.

Depois de 25 anos (desde a queda do Muro de Berlim) em que a parte do mundo que serve de fronteira entre a Europa e a Ásia esteve num limbo em que as relações inter-estatais não seguiam uma norma fixa nem, por outro lado, tendiam a fixar-se, a partir de daqui a duas semanas as coisas ficam mais claras.

Muito mais claras, dizem os analistas internacionais, até porque uma relação em estreitamento entre a Rússia e a Turquia era, até há muito pouco tempo, e quando muito, uma piada de mau gosto. Por várias razões.

Primeiro foi a invasão da Crimeia e logo a seguir a guerra na Ucrânia – que afecta tanto Ancara como afectaria Portugal uma guerra na Galiza (apesar de o Mar Negro ser um bocadinho mais largo que o Rio Lima) – a testar a ‘paciência bélica’ da Turquia, que é, convém não esquecer (apesar de os próprios turcos o pretenderem fazer) um membro da NATO.

Depois foi o caça russo que foi abatido pelas forças turcas – apesar de todos estarem no terreno a combater, aparentemente, o mesmo inimigo, o Daesh – e que por pouco não desencadeou uma nova frente de combate.

Finalmente, em directo e a cores, Andrei Karlov, amigo pessoal de Putin e o seu mais importante e internacionalmente respeitado embaixador, foi assassinado por alguém que aparentava ser ‘apenas’ mais um iluminado descontente com as andanças materiais de um mundo que, considerava ele, se afastava dos desígnios divinos. 

Esta história dos fundamentalismos religiosos tem as costas largas: anunciar finalidades meramente ‘imateriais’ no dorso de um cidadão qualquer que acha que vai matar em nome de Deus é um óptimo caminho para que mais ninguém se preocupe em vasculhar as verdadeiras razões de um atentado.

Seja como for, e face a este cenário de aumento de violência e de cada vez maior desentendimento entre os dois vizinhos – um deles, recorde-se, membro da NATO e o outro um dos países que mais mudou no século XX, mas sempre com a promessa de que não aceitaria novos membros da NATO nas suas fronteiras.

São estes dois ancestrais inimigos – não vale a pena ir aos arquivos desencantar a história das relações entre a Igreja Ortodoxa e o Islão, mas recorde-se que são muito más – que, dentro de dias, vão celebrar o início de uma nova ordem mundial. Às portas da Europa, que em 1952 conseguiu convencer os turcos a entrar na NATO (depois de, 30 anos antes, ter desfeito o seu império a tiro), mas que duas décadas de namoro não foram suficientes para acabar em casamento entre a Turquia e a União Europeia.

O que é que a Europa pode esperar desta nova aliança é, quando muito, uma incógnita. Se se quiser ser menos optimista, é a certeza de que há novos problemas no horizonte diplomático do conjunto dos 27 que restam na União – e que agora têm à sua frente a perspectiva de um novo muro, desta vez não em Berlim, mas uns milhares de quilómetros mais para Leste (onde ele sempre esteve, salvo durante quatro ou cinco décadas no século passado).

União à força

Seja como for, e segundo vários analistas – do lado do ocidente – esta aliança entre os herdeiros do Império Otomano e os herdeiros da Grande Rússia é razoavelmente contranatura e, nesse quadro, meramente conjuntural. Em princípio.

Para já, a aliança é também uma forma de garantir alguma certeza em torno da eventualidade de uma paz mais ou menos duradoura na Síria e um aviso sério ao Islão xiita para que tenha alguma contenção na aventura de se transformar num potentado regional no Médio oriente.

Mas, do outro lado da balança está o facto de, na fronteira da União Europeia haver agora uma aliança entre duas democraturas – ou seja, duas democracias musculadas, que são bem mais musculadas que democracias. 

O problema levanta desde logo uma questão que ainda não tem resposta: que irão fazer os países limítrofes (ou seja, aqueles que precisamente constituíam a muralha de aço que desapareceu em 1989 por baixo dos escombros do muro de Berlim) face a este novo balanceamento do poder? 

É claro que o mundo eslavo teve sempre muito mais a ver com a Rússia que com a Europa e o facto de alguns dos países com essa origem terem sido aceites na União Europeia pode não ser uma garantia de nada.

De facto, o mundo pós-muro de Berlim era muito diferente do mundo actual. As esperanças, as lágrimas que agora iam secar-se, o mundo da liberdade que estava do lado de cá e tudo isso (que do lado de lá do muro havia de parecer mais um folheto turístico que um manancial de certezas) são coisas que duas décadas e meia reduziram a pó. E depois, recorde-se, houve os refugiados.

Se o sentimento anti-europeu é algo que cresce exponencialmente nos países, digamos, insuspeitos da Europa central, do Sul e do Oeste, que pensar da zona limítrofe da Rússia? 
O que levanta nova questão: será o pacto Turquia/Rússia tem força para acabar com a União Europeia? A resposta, vamos acreditar, é não. 

Mas que mói, lá isso mói.

Phonte: Jornal Ecconômico

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