Unico SENHOR E SALVADOR
domingo, 15 de novembro de 2015
Cidades suspendem abastecimento de água após lama atingir o Rio Doce. Danos podem durar 20 anos, restauração é impossível
Em Governador Valadares (MG), cidade mais afetada pela interrupção no abastecimento de água depois que a lama proveniente do rompimento das barragens em Mariana chegou ao Rio Doce, a população faz filas para comprar água mineral e reclama da falta de uma solução para o problema.
A cidade, que fica a 300 quilômetros do município onde as barragens se romperam, tem 280 mil habitantes e a água precisou ser cortada após o fluxo de lama com rejeitos de mineração atingir o rio, que é a principal fonte de abastecimento local. O município decretou estado de calamidade pública.
Moradora de Governador Valadares, a dona de casa Denise Cruz comprou dez galões de água, cada um com 5 litros, para as necessidades básicas da família. “Fiquei mais de duas horas esperando para comprar. Tive muita sorte. Essa água vai dar apenas para beber e cozinhar. A gente está sem rumo, sem saber quando vai ter água normal de novo".
Com 65 anos, o aposentado José Monte sempre morou na cidade. Para ele, Governador Valadares vive o pior momento de sua história. “Ninguém sabe quando a água vai voltar. Ninguém sabe o que vai fazer”, afirma. “Todos nós fomos pegos de surpresa, apesar de muita gente saber do rompimento das barragens. Mas a cidade não se preparou e agora o jeito é estocar e usar apenas para o essencial”.
Nessa quinta-feira (12), moradores protestaram contra a Vale, que junto com a mineradora BHP controla a Samarco, responsável pelas barragens que se romperam em Mariana. Eles bloquearam a linha férrea usada pela mineradora, pedindo uma solução para a falta de abastecimento.
A prefeitura de Governador Valadares informou que fez um projeto para captar água de outros rios. Enquanto isso não ocorre, 38 caminhões-pipa percorrem cidades da região, para encher os tanques, e retornam a Valadares para, prioritariamente, abastecer hospitais e estabelecimentos como escolas e creches.
A Samarco informou que enviou ao município mais de 2,5 milhões litros de água para ajudar no abastecimento, além de 13 mil litros de água potável, e que a partir de hoje enviará 2,4 milhões de litros por dia.
Rio Doce
Segundo o fotógrafo e ambientalista Leonardo Merçon, após a chegada da lama, a água do Rio Doce “parece um achocolatado com cheiro de ferrugem”. Ele coordena a organização não governamental Últimos Refúgios, que trabalha com preservação do meio ambiente, e foi a Governador Valares ver e fotografar a situação.
“É possível ver peixes morrendo asfixiados, camarões indo para as pedras quentes para fugir da lama”, disse. “Todos os seres vivos do Rio Doce que precisam da água para respirar morreram”, acrescentou.
Segundo Merçon, muitos moradores da região não têm a dimensão do que está ocorrendo. “As pessoas estão comendo esses peixes mortos, que não se sabe se têm doenças. Outros estão recolhendo para vender. Mas muita gente já reclama que os peixes começam a ter mau cheiro e diz que a situação está ficando insuportável. Ninguém sabe quando vai se normalizar”.
Espírito Santo
Neste fim de semana, a lama deve interromper o abastecimento de água nas cidades capixabas de Baixo Gandu e Colatina. “Nosso foco é Colatina, que tem mais de 120 mil habitantes, Com a chegada da lama, todo o abastecimento vai ser suspenso. A cidade fica incapacitada de captar água no Rio Doce”, disse à Agência Brasil o secretário do Desenvolvimeto do estado, João Coser.
Segundo ele, o governo trabalha com alternativas para ficar “semanas sem abastecimento. Agora, queremos garantir abastecimento paras as pessoas. Temos quantidade de carros para abastecimento. E vamos colocar algumas caixas d'água em pontos da cidade”, acrescentou Coser.
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Os danos ambientais causados pela passagem da enxurrada de lama, provocada pelo rompimento de barragens da Samarco em Mariana (MG), foram drásticos, devem se estender por ao menos duas décadas, e, mesmo assim, a restauração total é tida como impossível, segundo ambientalistas ouvidos pelo UOL.
A lama "cimentou" o bioma e pode até ter causado a extinção de animais e plantas que só existiam ali --a natureza local morreu soterrada.
Além disso, a bacia do rio Doce ficou vulnerável e terá de criar um novo curso.
É uma catástrofe, não há como dimensionar os danos. Creio que levaremos ao menos vinte anos para reverter parte do processo, restaurar será impossível
Beatriz Missagia, professora que pesquisou a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica do médio rio Doce.
A flora e a fauna dos rios Gualaxo do Norte e Doce nunca mais serão as mesmas."A perda de habitat é enorme, e o dano provocado no ecossistema é irreversível", explica o ambientalista Marcus Vinicius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, que monitora a atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas dos principais rios mineiros pela Universidade Federal de Minas Gerais. "Qualquer ação a ser tomada agora é para mitigar os efeitos do impacto da lama."
Antônio Cota/Diário do Rio Doce
Peixes do rio Doce, em Governador Valadares (MG), morreram com a chegada da lama. A prefeitura não recomenda o consumo dos animais
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), estima-se que foram lançados 50 milhões de m³ de rejeito de mineração (o suficiente para encher 20 mil piscinas olímpicas). A lama atingiu diretamente o Gualaxo do Norte, afluente do rio Doce. A enxurrada avança pela calha do Doce, que corta cidades de Minas Gerais eEspírito Santo até desaguar no oceano Atlântico.
O grande montante de lama com rejeitos de minério de ferro e manganês está bloqueando o curso natural dos rios. Com isso, a água corrente começa a buscar alternativas para fluir, e a escolha pode não levar a um final feliz.
O novo caminho pode levar os rios à extinção. "Existe a possibilidade de o rio perder força e se dividir em lagoas", diz Missagia.
As lagoas também podem morrer. "Além dos minérios de ferro, a lama trouxe consigo esgoto, pesticidas e até agrotóxicos das terras por onde passou. Essas substâncias aceleram a produção de algas e bactérias, que rapidamente cobrirão as lagoas, formando um tapete verde que impede a fotossíntese dentro d'água. Se não há fotossíntese, não há oxigênio. Sem oxigênio os animais, vegetais e bactérias não têm chance de sobreviver", explica.
De maneira alguma a natureza conseguirá retirar a lama sozinha.
Via: EBC e UOL
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