Gutierres Fernandes Siqueira
“Não podemos limitar Deus onde ele mesmo não se limitou” — Jonathan Edwards.
Seria o fenômeno dos dons espirituais algo restrito à igreja do primeiro século? E o novo despertar dos dons é mera invencionice do cristianismo pentecostal do século XX?
É bem verdade que não, mas talvez você fique surpreso ao saber que os carismas, especialmente a profecia, eram parte da normalidade eclesiástica entre os puritanos escoceses do século XVII.
Sim, os mesmos responsáveis pelo calvinismo de Westminster, tão predominante em nosso país e igualmente militante do cessacionismo na sua forma radicalizada: o neopuritanismo.
O teólogo Renato da Cunha Sobrinho, graduado pelo Seminário Teológico Presbiteriano José Manoel da Conceição, uma das escolas mais tradicionalistas do presbiterianismo brasileiro, e pastor da Igreja Episcopal do Redentor em Natal (RN), fez um amplo trabalho de pesquisa sobre a posição dos puritanos sobre os dons espirituais. E, surpresa, a linhagem sobre fenômeno como profecia e curas em nada lembra o ceticismo do neopuritanismo, que, em casos extremos, acha a própria oração por cura um sacrilégio (!).
Boa dose do livro é dedicada aos puritanos e a parte final revive os conceitos sobre continuísmo e cessacionismo. Na primeira metade há uma introdução, um tanto prolixa a meu ver, ao puritanismo de Westminster, e logo após Cunha faz uma descrição dos carismas na vida de homens como George Wishart, John Knox, Alexander Peden, etc. Relatos, por exemplo, como de Jonathan Edwards, que testemunhou eventos extraordinários na vida da própria esposa. Edwards, que também, é talvez o principal nome da consciência do carismatismo pós-apostólico e cuja reflexão serve como base para um entendimento mais amplo do papel carismático da Igreja.
Os cessacionistas talvez acusem o livro que o mesmo não apresenta muitas evidências autobibliográficas, excetuando poucos casos, mas apenas trechos e comentários dos puritanos de textos bíblicos que mencionam profecias ou outros dons, como a cura divina. Ou ainda comentários gerais sobre como Deus lhos revelou determinada situação. É verdade, mas esses comentários deixam claro que a mentalidade continuísta era mais natural na história teológica do que a mentalidade cessacionista. Embora não se espere declarações elaboradas, é difícil enxergar uma oposição teológica ao milagre dos dons antes do advento do iluminismo. Assim como era difícil imaginar teólogos usando os mesmos argumentos deístas do filósofo escocês David Hume (1711- 1776).
O livro mostra muito bem como a opinião cessacionista de B. B Warfield (1851- 1921) é um ponto fora da curva que assumiu proporções incríveis no século XX. Argumento esse que nasceu como oposição ao sectarismo, mas que foi voltada contra o próprio movimento evangélico. O cessacionismo de Warfield depende nada da Bíblia, que jura solenemente honrar, mas apenas e tão somente de uma leitura histórica. O livro mostra que mesmo esse argumento histórico encontra vácuo.
Recomendo o livro, especialmente como fonte para pesquisas, pois o trabalho feito pelo Renato Cunha é uma introdução que dá margem para outros esboços de teologia continuísta. Só na bibliografia, por exemplo, eu mesmo já vi preciosidades que serão importantes para reflexões futuras sobre o assunto. O livro é bom especialmente pelo ineditismo do tema em português e, também, por provocar um debate mais acadêmico sobre os dons espirituais, sem a emoção e irracionalidade das mentes “racionais” das redes antissociais.
Título: Sob os Céus da Escócia
Autor: Renato Cunha
Editora: Reflexão
Lançamento: 2015
Site do livro: http://igrejadoredentor.com. br/
Fonte: Teologia Pentecostal
Parabéns pelo blog. Belo trabalho!
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