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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Olavo de Carvalho na BBC é destacado como “adepto da teoria de que ‘a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes’”


Julio Severo

Em reportagem recente intitulada “Olavo de Carvalho, o ‘parteiro’da nova direita que diz ter dado à luz flores e lacraias” de João Fellet, que se encontrou com Olavo de Carvalho em Petersburg, EUA, a BBC o destacou como promotor de várias teorias, inclusive a ideia de que a Inquisição foi uma “invenção.”

“Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê,” se gabou Olavo na reportagem, que o descreveu:

Nascido em Campinas (SP) há 69 anos, professor de filosofia sem jamais ter concluído um curso universitário e adepto da teoria de que “a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes”, Carvalho acumula desafetos com a mesma intensidade com que é defendido por seus admiradores.

Ao contrário de jornais brasileiros como Folha de S. Paulo e Globo, que em entrevistas com Olavo nunca se importaram com o tema da Inquisição, a BBC deu um enfoque especial para esse assunto, sendo aparentemente o primeiro grande veículo de comunicação internacional a dar importância à questão da Inquisição ao entrevistar o Olavo, que aos poucos vai se consagrando como “filósofo da Inquisição,” por seu revisionismo que o coloca em pé de igualdade com os revisionistas do Holocausto. 

Só para lembrar: os judeus foram vítimas preferenciais tanto da Inquisição quanto do Holocausto.

O que mais a BBC disse sobre o filósofo da Inquisição?

Expulso o PT do governo, Carvalho diz que a direita brasileira começa a se organizar nas ruas. Perguntado a que se deve a transformação, responde em francês: “C’est moi” (Sou eu).
O filósofo afirma que “atualmente é obrigatório estar na direita,” mas que não mantém “compromisso com nenhuma política em particular.”

As opiniões de Carvalho sobre o impeachment agravaram um racha entre o escritor e outras vozes influentes da direita com quem ele manteve boas relações no passado, como o colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo…

Em artigo em que chama o filósofo de “mascate da paranoia” e de “Aiatolavo” (em referência ao aiatolá, líder religioso dos muçulmanos xiitas no Irã), Azevedo diz que Carvalho “se alimenta do insucesso dos que lutam contra a esquerda.”

Para Carvalho, Azevedo e outros desafetos almejam ser representantes da direita e têm ciúmes de seu pioneirismo.

Carvalho também critica o Movimento Brasil Livre (MBL)…

O MBL não respondeu ao pedido da BBC Brasil para comentar a fala do filósofo. O Instituto Liberal e o Vem pra Rua, outras organizações influentes entre conservadores, tampouco quiseram se pronunciar sobre Carvalho e sua obra.

Outro destaque que a BBC deu foi para Olavo como “pai espiritual.” A BBC diz:

Para o filósofo Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da USP, o escritor é uma espécie de “pai espiritual da nova direita” brasileira.
Mas ele diz que Carvalho perdeu influência por ter “brigado com todo mundo.”

De fato, Olavo tem brigado com todo mundo. Se a defesa da Inquisição o coloca em briga com evangélicos, o modo grosseiro e desrespeitoso com que ele trata o Papa Francisco vem provocando briga com católicos importantes. 

Um dia antes da reportagem da BBC, o portal católico Paraclitus com mais de 2 milhões de seguidores condenou a olavolatria, parecendo iniciar uma tentativa de quebrar a influência do “pai espiritual” sobre a vida de muitos católicos.

Católicos comuns estão desabafando no Facebook seu descontentamento com o Olavo e que pararam de segui-lo, enquanto outros se queixam de que só vieram a conhecê-lo por recomendação do Pe. Paulo Ricardo (ver na seção de comentários aqui.).

Difícil entender a hostilidade do Olavo com o papa. Se ele conseguiu ter uma ótima amizade com Caio Fábio sem precisar xingar o rei do gramscismo e esquerdismo evangélico, qual a dificuldade dele com o Papa Francisco? Ao arrumar confusão com o papa, Olavo está comprando briga com a própria Igreja Católica.

Continuando, a BBC disse:

Um dos pilares do discurso político de Carvalho trata do papel do Foro de São Paulo, conferência criada em 1990 pelo PT para debater os rumos da esquerda latino-americana após o fim da União Soviética.

Entre vários outros movimentos de esquerda, o foro abriga os partidos que hoje governam os membros da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), entre os quais Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e Venezuela. Segundo o filósofo, o foro deu ao PT o “comando estratégico da revolução comunista na América Latina.”

Para Carlos Melo, professor de ciência política do Insper, em São Paulo, a ideia de que o foro articula a esquerda latino-americana é um “mito criado para tentar aglutinar o lado oposto.” Ele diz que derrotas recentes da esquerda em vários países da região mostram que o foro não é tão poderoso assim.

“Houve uma onda da esquerda na América Latina e agora, ao que tudo indica, haverá uma onda conservadora. São processos naturais, a história funciona dentro de ciclos.”

Em outro ponto, a BBC trata de “esoterismo islâmico e astrologia,” consagrando-o como filósofo ocultista:

Nos anos 1980, antes de se projetar no debate político brasileiro, Carvalho flertou com a Escola Tradicionalista, corrente de pensadores e estudiosos da religião preocupados com o que consideravam um declínio das formas tradicionais de conhecimento do Ocidente.

Naquela época, ele aderiu à tariqa (ordem mística muçulmana) liderada pelo alemão Frithjof Schuon (1907-1998), um dos expoentes do movimento e que aceitava em seu grupo adeptos de diferentes religiões.

Carvalho deixou a tariqa tempos depois, mas diz que a experiência foi “absolutamente indispensável” para sua formação.

Em outro desvio na carreira, no fim dos anos 1970, trabalhou como astrólogo em São Paulo. Do signo de Touro, diz que a astrologia “é um tremendo problema científico que nunca foi tratado seriamente.”

“Algo na astrologia tem algum fundamento — algo, não sei exatamente o quê,” diz. No fim, chegou à conclusão “de que o problema era grande demais para mim.”

A BBC só não conseguiu perceber que o antigo hábito da astrologia, o vício de “prever,” continua vivo e intacto nele. Olavo é famoso no Brasil por seus seguidores (até mesmo jovens imaturos que não têm mais que duas décadas de existência) que insistem que suas previsões de uma, duas ou até três décadas atrás “se cumpriram fielmente.”

A BBC tenta então descrevê-lo como “católico,” embora o único líder católico que dê apoio explícito ao Olavo seja o Pe. Paulo Ricardo:

Hoje Carvalho se reaproximou da Igreja Católica, onde diz ter sido criado.

As opiniões do filósofo sobre o papel da Igreja Católica na Inquisição lhe renderam críticas entre evangélicos. Carvalho escreveu no Twitter em 2013 que “a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes.”

“Até mesmo na imagem popular das fogueiras da Inquisição a falsidade domina. Todo mundo acredita que os condenados ‘morriam queimados,’ entre dores horríveis. As fogueiras eram altas, mais de cinco metros de altura, para que isso jamais acontecesse.”

De acordo com ele, os hereges — “menos de dez por ano em duas dúzias de países” — morriam sufocados antes que as chamas os atingissem. Criticado nas redes sociais pela afirmação…

Dois anos depois, xingou Lutero e Calvino, principais líderes da Reforma Protestante. “A Igreja Católica superlotou-se de filhos da puta ao longo dos séculos, mas a protestante já nasceu fundada por dois.”

Para os interessados em se aprofundar mais nessa questão, recomendo dois artigos importantes:

A BBC continua:

Os mergulhos no esoterismo e na astrologia afastaram Carvalho do jornalismo, onde começou a carreira. Um ano após o golpe militar de 1964, ele escreveu para o jornal do centro acadêmico da Faculdade de Direito da USP, que se opunha à ditadura.

Entre 1966 e 1968, militou no Partido Comunista. “Durante todo o tempo da ditadura, estive contra ela — quando não estava militando, estava ajudando a esquerda, escondendo foragido do governo, escondendo arma. Fiz o diabo,” recorda.

Em 2005, dois meses após se mudar para os EUA e perder a coluna que tinha no jornal O Globo, o escritor passou a dar cursos de filosofia pela internet.

Carvalho passou a ensinar filosofia sem jamais ter se formado academicamente nesse campo — nem em qualquer outro. Conta que aprendeu sobre o tema por conta própria ao longo de vários anos, longe das “ideologias” que cerceiam o ensino universitário.

O desdém de Carvalho pela filosofia da academia é recíproco.

Coordenador do curso de filosofia da PUC-PR, Geovani Moretto diz que conheceu Carvalho quando era estudante e se admirou com sua capacidade de “debater a filosofia a partir de questões cotidianas, da política e da economia.” Hoje Moretto diz que ele “virou aquilo que tanto criticava: um dogmático.”

A BBC então diz:

“Um dos raros defensores de Carvalho” é “o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que já o [citou] em discursos no Congresso.”

Feliciano foi mencionado porque em pleno Congresso Nacional ele louvou o Olavo “como um verdadeiro profeta” — o mesmo homem que exalta a máquina assassina da Inquisição que matava homens e mulheres de Deus.

Normalmente, Feliciano condena torturas e genocídios. Em 2015, da tribuna do Congresso Nacional ele condenou o genocídio de cristãos armênios cometido por muçulmanos turcos

Contudo, num contraste desconcertante, em vez de ele usar a tribuna do Congresso para condenar a Inquisição (que já foi condenada até pelos legisladores de Pernambuco, que tem hoje uma data oficial em memória das vítimas da Inquisição), Feliciano exaltou o maior defensor brasileiro do revisionismo da Inquisição.

Em seguida, a BBC aproveita para falar dos olavetes:

No Facebook, ao menos dez grupos agregam “olavetes,” termo com que o próprio Carvalho se refere aos seguidores. Há ainda páginas que satirizam o escritor e seus fãs. No site Desciclopédia, os “olavetes” são descritos como “zumbis do mestre Olavo.”

Por falta de espaço, só citei da reportagem da BBC os pontos que considerei mais importantes sobre o filósofo que, no final das contas, acabou sendo retratado e consagrado pela BBC como filósofo ocultista e da Inquisição. O restante da matéria está aqui.

A BBC passou a perna na Folha de S. Paulo e Globoao mostrar o Olavo do esoterismo islâmico e Inquisição. Por que tanta dificuldade da mídia brasileira mostrar isso?

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