Guerra humanitária na Síria?
Barak Obama, David Cameron, François Hollande e Recep Erdogan, preparam um "ataque cirúrgico" contra a Síria com o "objetivo limitado" de destruir arsenais militares, como "punição" do Governo de Bashar al-Assad pelo "uso de armas químicas contra o seu próprio povo". Obama qualificou o ato como uma "obscenidade", alegou que a utilização daquele tipo de armas constitui um crime contra a humanidade e convidou os países aliados para uma ação militar. Tony Blair, com o fervor dos crentes recém-convertidos, logo se precipitou a prestar entusiástico apoio a mais uma cruzada contra "os infiéis". A sua credibilidade política e autoridade moral, contudo, não parecem suscetíveis de regeneração perante os resultados da guerra do Iraque em que tão ardentemente se empenhou ao lado de George W. Bush. Contrastando com o apoio entusiástico do inefável Blair, numerosos congressistas, democratas e republicanos, altos chefes militares e cidadãos comuns norte-americanos manifestaram perplexidade quanto aos fundamentos e às consequências previsíveis de tal iniciativa. Designadamente, por ainda não serem conhecidas as conclusões dos inspetores das Nações Unidas que prosseguem, na Síria, os trabalhos de recolha de provas sobre a utilização de armas químicas e a identificação dos seus autores.
Por esse motivo, um comunicado do Vaticano condenava
prontamente a operação militar anunciada pelo presidente americano. Também o
bispo sul-africano Desmond Tutu, prémio Nobel da Paz, reclamando mais tempo
para os inspetores das Nações Unidas terminarem os seus trabalhos no terreno,
declarava, segundo a "Reuters", que os atos de violência na Síria e
no Egito "gritam aos povos de todo o Mundo" - "por favor,
ajudem-nos!". E, opondo-se à intervenção militar, Desmond Tutu considerava
que estes problemas requerem "intervenção humana, não intervenção
militar": "precisamos de conversações para evitar maior derramamento
de sangue, não de combates!". Naturalmente, teme-se a escalada de tensão e
violência que a projetada invasão da Síria irá promover no Médio Oriente. Mas
não foram estes avisos sérios e prudentes que vieram adiar o lançamento da
ofensiva militar.
O adiamento ficou a dever-se ao regime parlamentar inglês
que exige ao primeiro-ministro a prévia obtenção do voto favorável dos
deputados antes de se envolver num conflito armado. A verdade é que também no
Reino Unido persistem muitas dúvidas e grande ceticismo quanto à eficácia da
"opção militar", não só entre os deputados da oposição mas também nos
partidos da maioria que suporta o Governo de Cameron e também nos altos
comandos militares. Perante o risco da rejeição pelo Parlamento da proposta de
envolvimento das Forças Armadas britânicas na Síria, o Governo de Sua Majestade
ficou assim obrigado a aguardar pelos resultados das investigações que as
Nações Unidas estão a realizar na Síria.
O lançamento do anunciado "ataque aéreo punitivo"
contra o Governo de Bashar al-Assad, caso venha a consumar-se sem o apoio das
Nações Unidas, constituirá uma grave violação do direito internacional.
Aparentemente excluída a "opção turca" de abertura de corredores
humanitários protegidos no território da Síria - como alternativa às hipóteses
da destruição estrita de arsenais militares ou da interdição do espaço aéreo -
não subsiste qualquer argumento humanitário capaz de justificar os ataques
aéreos. Os bombardeamentos cirúrgicos contra os arsenais sírios são um mito. O
sacrifício de civis inocentes é inevitável e a primeira vítima será o próprio
povo sírio em cujo nome se incendiou tanta hipócrita indignação. Os presumíveis
ganhos em matéria de dissuasão não têm comparação com os incalculáveis custos
humanitários que fatalmente desencadeará a "retaliação" prometida,
como se vê no Iraque e, mais recentemente, na Líbia.
Como referia ontem Rachel Shabi, no "blogue" da Al
Jazeera, é falsa a pretensão de que "a única alternativa aos ataques
aéreos é a inação impotente". E afirma, apontando o dedo aos Estados
Unidos da América, confrontados com o declínio persistente do seu prestígio na
região, que "o ataque à Síria é mais uma questão de salvar a face do que
salvar vidas".
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