Ana Maria Drummond, diretora-executiva
da Childhood Brasil (Divulgação)
"O Brasil é um destino de turismo sexual e leva tempo para desconstruir o imaginário de que é um país sem regras, onde tudo pode"
A vinte dias da Copa do Mundo, o Brasil deu um importante passo no combate à exploração sexual infantil: na quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei do Congresso que transforma o ato em crime hediondo e inafiançável. Porém, para a diretora-executiva da ONG sueca Childhood, Ana Maria Drummond, a legislação mais rígida não será suficiente para conter a explosão de casos durante o mundial de futebol. "O esquema [de exploração] já existe e a Copa o potencializa. Para prevenir, teria que ter feito um trabalho integrado muito anterior à Copa”, diz. Segundo levantamento divulgado pela própria ONG, países que organizaram as Copas anteriores registraram aumento no número de denúncias no período dos jogos – na África do Sul, em 2010, o crescimento foi de 66%. Leia a entrevista ao site de VEJA.
A legislação mais dura é suficiente para coibir a exploração sexual infantil no Brasil? Uma lei que reconhece o crime hediondo para casos de exploração sexual infantil já é um avanço, mas só ela não vai gerar a transformação que precisamos. O Brasil já tem uma legislação que aborda o assunto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é bem avaliado quando comparado à legislação de outros países. Mas, por mais que existam leis que digam que a criança é prioridade e deve ser responsabilidade de todos protegê-la, sabemos que na prática o crime acontece. O sistema de denúncia precisa avançar muito.
Quais foram os principais avanços nos últimos anos? Há 15 anos, nem se falava sobre esse tema. Hoje, o abuso de crianças e adolescentes é menos negligenciado, temos um sistema nos tribunais especializado em ouvir as crianças, por exemplo. A maioria das famílias que tinha história de abuso não denunciava pelo simples fato de a criança ter que repetir a mesma história inúmeras vezes: para o assistente social, o policial e, quando chegava ao tribunal, não era tratada como criança.
O que falta ser feito em termos práticos para prevenir casos de exploração sexual durante a Copa? Falta a aceitação do que chamamos de agenda de convergência. O fluxo de turistas, consumo de bebida alcoólica e as férias escolares fazem parte do cenário que agrava a exposição da criança e do adolescente. Por isso, estamos fortalecendo a rede de atendimento nas cidades onde irão ocorrer os jogos. Por exemplo, se uma criança for abordada por um turista, e é feita uma denúncia, o conselho tutelar entra em ação para acionar todos os serviços dessa rede – polícia, assistentes sociais e o sistema de saúde. Então, a denúncia é a ponta do iceberg, sem ela, o sistema não é acionado.
Há uma previsão do potencial de aumento do número de casos durante a Copa? As denúncias naturalmente aumentam após grandes eventos, como o Carnaval. Nós já sabemos que o movimento de turistas gera mais aliciamento. É interesse dessas redes de exploração oferecer meninas a estrangeiros, são meninas aliciadas em cidades menores, levadas para os grandes centros. Então, esse esquema já existe e a Copa o potencializa. Para prevenir, teria que ter feito um trabalho integrado muito anterior à Copa do Mundo.
Houve indícios de casos durante a construção dos estádios? O cenário da construção do estádio, assim como outras obras de grande porte, sempre aumenta a exploração sexual. Há um contingente de homens em uma localidade já vulnerável, que não têm vínculo com o entorno. É natural que a exploração aconteça se não houver nenhum trabalho preventivo. No Itaquerão [estádio da abertura da Copa em São Paulo] não foi diferente.
O Brasil está preparado para receber os turistas sem expor crianças ao risco? Não sei, vamos ter que fazer nosso papel de monitorar. Sabemos dos esforços que estão sendo feitos, se eles serão suficientes ou não só a experiência irá nos dizer. Mas é preocupante porque temos todos os focos de vulnerabilidade instalados.
Quais são eles? As férias escolares, por exemplo. Suspender as aulas é uma recomendação da Lei Geral da Copa e o Ministério da Educação deixou a critério das secretarias de educação de cada cidade e Estado acatar ou não. Na prática, sabemos que as escolas irão suspender as aulas. Isso por si só já é um grande risco porque os pais dessas crianças não vão ser dispensados do trabalho, muitos estarão fazendo trabalho temporário. Ou seja, as crianças vão estar na rua. O Brasil é um destino de turismo sexual e leva tempo para desconstruir o imaginário de que é um país sem regras, onde tudo pode. Das doze cidades-sede da Copa, cinco são campeãs de denúncia em violência sexual contra criança e adolescente.
FONTE: http://veja.abril.com.br/
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