Jaime González da BBC Mundo em Los Angeles
Comentário de Julio Severo: A mídia ocidental, que é rotineiramente hostil aos conservadores, sai em defesa do papa contra os conservadores. É surpreendente que uma mídia esquerdista que não hesitaria de atacar um líder cristão conservador assuma a postura de defender um papa contra os conservadores. Publico este texto da BBC não por concordar com as posturas anticristãs e anticonservadoras dessa mídia ocidental com sede na Inglaterra. Publico para que os leitores vejam a estranheza dessa situação. Se o Papa Francisco também fosse conservador, que tipo de tratamento ele receberia da BBC?
Menos de dois anos se passaram desde que o argentino Jorge Mario Bergoglio foi designado para ser o novo papa.
E se, por um lado, conquistou admiradores entre fiéis pelo seu carisma, por se mostrar disposto a romper protocolos e por não ter papas na língua — e dar declarações surpreendentes e, às vezes, polêmicas —, pelo outro, se tornou alvo de críticas de um setor feroz e ressonante: a direita americana.
Ao condenar o "capitalismo selvagem", a "ditadura da economia" e a "obsessão" da Igreja Católica com aborto e gays — além de apontar para a responsabilidade da ação humana nas mudanças climáticas — ele causou grande descontentamento entre setores mais conservadores do catolicismo americano.
Segundo um artigo publicado esta semana na revista Time, sua recente decisão de abrir caminho para a beatificação do arcebispo salvadorenho Óscar Romero, chamado de "comunista" por alguns, foi bastante criticada por estes setores, que não escondem ter tido mais admiração pelos antecessores de Francisco, os europeus João Paulo 2º e Bento 16.
Estrelas do ultraconservador Tea Party, como Sarah Palin ou Rick Santorum, não poupam críticas à "agenda liberal" do papa.
Santorum, pai de uma família numerosa, chegou a falar que "às vezes é difícil escutar" o papa Francisco, após a polêmica declaração deste dizendo que "ser um bom católico não significa ter filhos como coelhos".
'Puro marxismo'
Em entrevista ao jornal italiano La Stampa, o papa defendeu que sua visão sobre a redistribuição da riqueza, as injustiças do sistema capitalista e a necessidade de ajudar os mais pobres é inspirada no Evangelho e não tem nada a ver com marxismo ou comunismo.
O pontífice respondia assim a seus críticos nos EUA, que, liderados pelo influente radialista Rush Limbaugh, tinham atacado o papa pela publicação da exortação apostólica Evangelii Gaudium, na qual, entre outras coisas, rejeitava as teorias que afirmam que o livre mercado faz com que a riqueza, cedo ou tarde, seja distribuída.
"Isso é puro marxismo saindo da boca do papa", disse Limbaugh em seu programa diário de rádio no fim de 2013, depois da publicação do documento. O programa conta com uma audiência de milhões.
As críticas ao pontífice também chegaram à rede conservadora Fox News. O jornalista do canal Adam Shaw comparou a popularidade de Francisco com a de Barack Obama em seus primeiros dias de presidência.
"Como o presidente Obama, que foi uma decepção para os Estados Unidos, o papa Francisco demonstrará ser um desastre para a Igreja Católica", escreveu Shaw.
O anúncio de que o papa cogita publicar uma encíclica sobre ecologia e mudança climática, prevista para junho ou julho, antes da reunião da ONU sobre o tema em Paris, levou conservadores a dizer que Francisco "tinha uma pauta ambientalista radical".
'Surpresa'
"Acho que chamaram o papa de marxista porque ele usa uma linguagem mais própria da esquerda do que da Igreja Católica e isso foi uma surpresa para muitos nos EUA", disse James Pethokoukis, jornalista e analista do American Entreprise Institute (AEI, na sigla em inglês), centro de estudos conservador de Washington.
"Seus comentários sobre o capitalismo são surpreendentes. Parece que ele não valoriza o fato de que o capitalismo foi e continua sendo uma força incrível nos últimos 200 anos para aumentar os níveis de vida de milhões de pessoas em todo o mundo", disse o jornalista em entrevista à BBC Mundo.
Pethokoukis acredita que "muitos conservadores dos EUA sentem que João Paulo 2º e Bento 16 estavam do lado deles, pois pareciam apreciar que o livre mercado é algo bom para criar" riquezas e oportunidades.
"Os conservadores dos EUA que não são católicos e que não estão muito familiarizados com a Igreja Católica e sua doutrina acreditam que (a instituição) passou de um papa conservador e de direita para um de esquerda, radical e até marxista", acrescentou.
Outra conversa
William Doyle, professor de economia da Universidade de Dallas, no Texas, instituição católica, se diz surpreso com a noção de que o papa seria marxista, já que considera que "muitas de suas ideias se encontram implícita ou explícitamente nos evangelhos".
"João Paulo 2º e Bento 16 são mais bem vistos entre conservadores porque passaram muito mais tempo falando dos dogmas do catolicismo, sobretudo os relacionados à moral sexual."
"(...) O papa Francisco desviou a conversa para o sofrimento que causa a pobreza e a indiferença diante dela, o que acredito que gera incômodos a alguns dos que tem muito dinheiro", afirma o professor.
Para Doyle, apesar das críticas da direita americana, a hostilidade à Igreja Católica seria ainda maior entre os liberais nos EUA, devido aos escândalos de abusos sexuais contra menores envolvendo membros da instituição e por sua postura em relação a questões morais.
O jornalista britânico Austen Ivereigh, autor da recente biografia do pontífice O Grande Reformador, acredita que muitos nos EUA não entendem a mensagem do papa.
"Quando fala da economia e dos mercados, o faz seguindo a tradição da educação social da Igreja Católica. Não está falando de um ponto de vista ideológico."
"Suas críticas aos mercados estão relacionadas com o que chamou de 'cultura do descarte', que estaria na origem de um grande número de desempregados que vivem abaixo do nível da pobreza", disse o jornalista à BBC Mundo.
"Acho que os conservadores nos EUA suspeitam do papa Francisco pois ele vem de uma tradição latino-americana que dá ênfase ao Estado e não entende os benefícios e as virtudes da liberdade de mercado."
Apesar da polêmica que está gerando em alguns setores, alguns analistas consultados pela BBC Mundo acreditam que, quando o papa visitar os EUA em setembro, será bem recebido.
"As pessoas se interessam por este papa porque tem um discurso diferente em muitos assuntos e uma personalidade muito atraente", disse James Pethokoukis.
"Garanto que tanto democratas como republicanos vão querer fazer uma foto com ele."
Fonte: BBC
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