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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O liberalismo democrático de Mises

O momento é propício para resgatar as ideias desse "cavalheiro do liberalismo", pois alguns malucos usam seu nome de forma indevida


Aqueles que acompanham de perto as divergências entre o abrangente universo liberal/libertário, tratado como algo monolítico pela esquerda ignorante, divertiram-se ou ficaram chocados esta semana, dependendo do perfil, com um racha entre membros do IMB, tornado público por meio de uma “entrevista” com um dos seus antigos fundadores.


Não gosto de apelar para o “eu avisei”, mas considero essa lavação de roupa-suja em público positiva para o crescente movimento liberal, pois permite a separação do joio e do trigo. Fiz inúmeros alertas no passado, quando eu mesmo resolvi sair do conselho do instituto, por perceber uma postura não só infantil dos irmãos Chiocca, mas principalmente de seita fanática e fechada, algo que julgo incompatível com o verdadeiro espírito liberal.

Escrevi vários artigos, então, tentando resgatar o liberalismo daqueles que falavam em seu nome, mas agiam como fanáticos autoritários do tipo “você pode escolher qualquer cor, desde que seja a preta”. A maluquice e o fanatismo não são monopólios da esquerda. Para essa turma, até eu virei um “socialista”, para demonstrar o grau de insanidade. O problema é que isso tudo influenciava pessoas, especialmente os mais jovens, encantados com utopias simplistas.

A ironia é tanta que os irmãos anarco-capitalistas chegaram a pleitear a “devolução” do logo do instituto que, como alegam, criaram sozinhos. Vejam que coisa! Os mesmos que ridicularizam o conceito de propriedade intelectual, o que seduz jovens piratas na era da internet, resolveram lutar pelo direito de um logo! Só falta mesmo, para coroar a incoerência, entrar na Justiça estatal para reaver o “seu” logo…

Mas divago. O que eu queria, aqui, é apenas aproveitar essa oportunidade para depurar o movimento liberal ascendente, para deixar claro para todos que liberalismo é uma coisa, e fanatismo anarquista é outra, completamente diferente. E pretendo fazer isso utilizando as principais ideias daquele que, pasmem!, dá nome ao instituto em questão. Sim, Ludwig von Mises, um gigante do liberalismo, revirar-se-ia no túmulo se visse o que alguns fazem em seu nome. 

Confiram abaixo:

O Liberalismo de Mises

O grande nome da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, foi um defensor ferrenho da liberdade individual. Ele acreditava que o liberalismo tinha que triunfar por meio do poder das idéias, através da persuasão com base em sólidos argumentos. Somente pelas vias democráticas o liberalismo poderia vencer seus inimigos no longo prazo. 

Mises sempre soube das inúmeras imperfeições da democracia, que não é exatamente louvável por sua capacidade de boas escolhas, mas ainda assim defendeu com unhas e dentes o modelo democrático. O principal motivo era semelhante ao que Karl Popper tinha em mente: a democracia é a forma mais pacífica que conhecemos para eliminar erros e trocar governantes, sem derramamento de sangue.

Popper resumiu bem a questão quando disse que “não somos democratas porque a maioria sempre está certa, mas porque as instituições democráticas, se estão enraizadas em tradições democráticas, são de longe as menos nocivas que conhecemos”. Mises estava de acordo, e defendeu a democracia em diversos livros. 

Em Liberalism, por exemplo, ele escreveu: “A democracia é aquele forma de constituição política que torna possível a adaptação do governo aos anseios dos governados sem lutas violentas”. Para Mises, que depositava enorme relevância no poder das idéias, somente a democracia poderia garantir a paz no longo prazo.

Em sua obra-prima, Human Action, Mises reforça esta visão em prol da democracia: “Por causa da paz doméstica o liberalismo visa a um governo democrático. Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária. Pelo contrário, ela é o próprio meio para evitar revoluções e guerras civis. 

Ela fornece um método para o ajuste pacífico do governo à vontade da maioria. […] Se a maioria da nação está comprometida com princípios frágeis e prefere candidatos sem valor, não há outro remédio além de tentar mudar sua mente, expondo princípios mais razoáveis e recomendando homens melhores. Uma minoria nunca vai ganhar um sucesso duradouro por outros meios”.

Em Socialism, Mises escreve: “A democracia não só não é revolucionária, mas ela pretende extirpar a revolução. O culto da revolução, da derrubada violenta a qualquer preço, que é peculiar ao marxismo, não tem nada a ver com democracia. 

O Liberalismo, reconhecendo que a realização dos direitos econômicos objetivos do homem pressupõe a paz, e procurando, portanto, eliminar todas as causas de conflitos em casa ou na política externa, deseja a democracia”. Ele acrescenta ainda: “O Liberalismo entende que não pode manter-se contra a vontade da maioria”. Logo, um liberal seguidor de Mises irá sempre lutar pelas vias democráticas, buscando persuadir a maioria de que o liberalismo é o melhor caminho.

Mises também não era anarquista, no sentido de pregar como meio para a liberdade o fim do estado. Em Bureaucracy, por exemplo, ele sustenta que a polícia deve ser uma clara função do estado. Mises escreve: “A defesa da segurança de uma nação e da civilização contra a agressão por parte de ambos os inimigos estrangeiros e bandidos domésticos é o primeiro dever de qualquer governo”. 

Em Liberalism, Mises é ainda mais direto: “Chamamos o aparato social de compulsão e coerção que induz as pessoas a respeitar as regras da vida em sociedade, o estado; as regras segundo as quais o estado procede, lei; e os órgãos com a responsabilidade de administrar o aparato de compulsão, governo”.

Ele explica quais seriam as funções básicas do estado na doutrina liberal: “Liberalismo não é anarquismo, nem tem absolutamente nada a ver com anarquismo. O liberal entende claramente que, sem recorrer à compulsão, a existência da sociedade estaria ameaçada e que, por trás das regras de conduta cuja observância é necessária para assegurar a cooperação humana pacífica, deve estar a ameaça da força, se todo edifício da sociedade não deve ficar continuamente à mercê de qualquer um de seus membros. 

É preciso estar em uma posição para obrigar a pessoa que não respeita a vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade privada dos outros a aceitar as regras da vida em sociedade. Esta é a função que a doutrina liberal atribui ao estado: a proteção da propriedade, liberdade e paz”.

Portanto, está muito claro que Mises considerava o estado fundamental para proteger a propriedade privada. Condenando o anarquismo, Mises diz: “O anarquista está enganado ao supor que todos, sem exceção, estarão dispostos a respeitar estas regras voluntariamente”. 

Segundo ele, “o anarquismo ignora a verdadeira natureza do homem”, e seria praticável “apenas em um mundo de anjos e santos”. Muitos dos seus seguidores atuais não concordam com esta visão, e compreendem que mesmo num mundo de homens imperfeitos, a existência do estado apenas agrava o quadro contra a liberdade individual. Trata-se de um debate legítimo e, em minha opinião, complexo e inconclusivo. 

Mas não custa resgatar aquilo que Mises pensava sobre liberalismo. Para ele, esta era uma doutrina inseparável da via democrática.

Rodrigo Constantino

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