Numa casa simples do Jardim Brasil, na periferia da zona norte da cidade, Ezequiel Gomes, 49, acorda com um leve toque na porta, às 6h. Sua mãe entra no quarto e arruma o terno do filho sobre a cama. Naquele domingo, ele é o pastor Ezequiel.
Durante a semana, exerce seu outro ofício, o de catador de lixo para reciclagem, em uma jornada de 15 horas diárias de trabalho nas ruas.
Admirado pelo bom humor e superação física –perdeu o braço direito há 11 anos–, ele percorre as ladeiras da Vila Guilherme Alta retribuindo acenos e sorrisos. A coleta
tem ritmo forte, quase sem pausas.
Ezequiel está há quinze anos na profissão. Antes, teve carteira assinada como segurança e ajudante de pedreiro. À época, seu vigor físico já impressionava os colegas de obras.
Hoje, mesmo franzino e deficiente, diz carregar até meia tonelada de material –dividida em três carrinhos. “Aprendi a usar cada músculo de meu corpo e a força das coxas e do peito”, afirma. Com habilidade, usa o braço esquerdo e os dentes para fechar sacos e dar nós nas cordas da carga. “Faço o serviço que ninguém quer, acho que já acabei com muito foco de dengue”, diz.
Sua renda é a mais alta da família, de nove pessoas. “Não tenho diversão maior do que encher a geladeira de casa.” Abraçou a religião após uma juventude marcada por delitos que o levaram à prisão. “Foram drogas e outras bobagens, mas foi preso que conheci a palavra de Deus, a minha missão.”
Ele mesmo mobiliou o templo em que prega, a Assembleia de Deus do Parque Edu Chaves. Com uma renda de cerca de R$ 1.000 bem administrada, o catador conseguiu comprar bancos, filtro d’água e até uma bateria para acompanhar o ritmo dos cultos.
Todo domingo, cerca de 40 fiéis ouvem suas mensagens de esperança. “Cresci num bairro em que muita gente se desgarrou, mas não podemos ceder à tristeza”, diz.
Sua a fisionomia muda quando comenta a perda do braço após um acidente com um carrinho de entulho, em 2005. Para ele, a amputação foi desnecessária e, há nove anos, move ação judicial alegando erro médico no atendimento feito em um hospital público da capital.
Segundo Ezequiel, o plantonista “apenas aplicou uma injeção antitetânica” e o dispensou.
Com fortes dores e várias idas e vindas a outras unidades hospitalares, finalmente recebeu o diagnóstico de que não haveria recuperação. “Fiquei triste, mas logo esqueci a depressão e voltei a trabalhar, com alegria”, afirma.
Phonte: Folha de S. Paulo
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