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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Descoberta de ossos no Vaticano ressuscita o macabro caso de uma garota desaparecida há 35 anos

Manifestação no Vaticano para pedir justiça no caso Orlandi, em 2012.

Promotor de Roma investiga se os restos, encontrados nas dependências da Santa Sé, pertencem à menina desaparecida há 35 anos, cujo sequestro salpicou a Máfia e os serviços secretos

Uma macabra descoberta vinda dos subterrâneos do Vaticano deixou toda a Itália arrepiada nesta terça-feira. A Santa Sé informou em um comunicado emitido pela manhã que ossos humanos haviam sido encontrados na véspera durante obras na nunciatura apostólica em Roma. O mesmo calafrio percorreu a espinha de todos os italianos, que pensaram ao mesmo tempo na mesma pessoa. 

O Ministério Público de Roma, dirigido por Giuseppe Pignatone, um especialista em Máfia, disse o nome e anunciou uma investigação sobre a possibilidade de que se trate dos restos de Emanuela Orlandi, a menina que desapareceu há 35 anos e cujo sequestro salpicou o Vaticano, a Máfia, os serviços secretos e a loja maçônica P2.

O caso Orlandi é o olho do furacão de crimes sem solução na Itália. Contém todos os ingredientes e em algum momento salpicou a maioria dos grandes poderes do país. A menina desapareceu em 22 de junho de 1983, por volta das 19h, quando saía de sua aula de flauta, em um edifício grudado à basílica de São Apolinário, junto à praça Navona, em Roma. Tinha 15 anos, era filha de um funcionário do Vaticano que trabalhava diretamente com o Papa, e sempre se pensou que seu sequestro podia ter sido usado para pressionar a Santa Sé por causa dos segredos que o pai guardava.

A polícia investiga agora a idade e o sexo do cadáver. Os dados serão comparados ao DNA dela e de Mirella Gregori, outra garota de 15 anos que desapareceu naquele ano sem deixar rastros. Mas Orlandi, de quem até Ali Agca, o turco que tentou assassinar João Paulo II, disse ter informações —afirmou publicamente que foi sequestrada para servir como moeda de troca para a libertação de Agca— formou um turbilhão de podridão dentro do esgoto italiano, que terminou envolvendo a cúpula do Vaticano, os serviços secretos e, claro, a Máfia. 

Ninguém jamais conseguiu encontrar a menina, ou mesmo uma pista realmente convincente. Mas, de vez em quando, alguém dizia saber onde se encontrava.

A última vez foi assim, no Chi l’ha Visto, um programa da RAI dedicado a buscar pessoas desaparecidas:

– Para saber mais sobre Emanuela, olhem na tumba de De Pedis e verifiquem o favor que o cardeal Poletti lhe fez.

De Pedis era Renatino, o capo da organização criminosa La Magliana. O mais parecido com uma máfia que Roma já teve. E aquele gângster decidiu fazer um modesto donativo (450.000 euros, quase 1,9 milhão de reais) para que fosse enterrado na cripta de uma pequena basílica. Era, por acaso, o templo vizinho à escola de música onde se perdeu o rastro da pequena Orlandi.

A família da desaparecida, cujo irmão sempre manteve a esperança de encontrá-la com vida, redobrou a pressão e ao cabo de alguns anos, em 14 de maio de 2012, rodeada de um fabuloso circo midiático, a polícia científica abriu um sarcófago de mármore em busca da garota. Lá estava Renatino, isso já se sabia. 

Conseguira ser enterrado num lugar reservado aos cardeais. E também centenas de ossos de cadáveres que remontavam a uma vala do século XVIII, e que durante vários dias tiveram que ser arquivados um a um em 400 caixas. Mas da menina Orlandi, como tinha insinuado aquela misteriosa voz que alguns correram a relacionar com o poderoso cardeal Paul Marcinkus, ex-presidente do Banco Vaticano, nunca houve nem rastro.

Cartaz com o qual a família de Orlandi empapelou toda Roma quando a menina desapareceu.

A acusação mais direta foi de Sabrina Minardi, a namorada de Renatino. Diante de um juiz, alegou que a moça foi sequestrada e assassinada por De Pedis cumprindo ordens de Marcinkus, porque seu pai, Ercule, funcionário da prefeitura da Casa Pontifícia, tinha visto sem querer documentos comprometedores para o Vaticano. 

Supostamente, Renatino tinha contado isso a Minardi quando estava entupido de cocaína. Pouco tempo depois, em 2 de fevereiro de 1990, seus próprios sócios da quadrilha o vararam a tiros em plena luz do dia na Via del Pellegrino, no centro de Roma. Renatino levou os segredos para o túmulo (aquele da basílica).

Mas não terminou por aí. Há exatamente um ano, Emiliano Fittipaldi, um midiático jornalista envolvido em investigações no Vaticano e autor de vários livros sobre a Santa Sé, divulgou a descoberta de um documento obtido num cofre do Vaticano. Cinco páginas datadas de março de 1988, sob o título Relatório sumário sobre os gastos sustentados pelo Estado da Cidade do Vaticano para as atividades relativas à cidadã Emanuela Orlandi (Roma, 14 de janeiro de 1988). 

Ou seja, uma espécie de recibo do dinheiro que a Santa Sé teria retirado de seus recursos secretos a fim de manter Orlandi afastada para sempre dos holofotes. Teriam sido 500 bilhões de liras (cerca de 3,3 bilhões de reais, em valores atuais) postos à disposição de Teofilo Benotti para bancar as relações com a imprensa que seguia o caso, gastos por consultas ginecológicas… e viagens que o então chefe dos guardas do Vaticano, Camillo Cibin, faria a Londres com o médico pessoal do papa João Paulo II, Renato Buzzonetti.

Um relato surrealista que o Vaticano, através de seu porta-voz, desmentiu e qualificou como “ridículo”. Mas o caso Orlandi aguenta tudo. A nunciatura apostólica onde foram encontrados os ossos é o lugar onde trabalhou monsenhor Vergari, o único prelado a ser investigado neste caso. 

Um padre que, por acaso, o capo Renatino (suposto sequestrador da menina) conheceu na prisão e que recebeu o donativo de 450.000 euros em troca de que seu cadáver fosse enterrado na basílica de São Apolinário. Nesta terça-feira, a Santa Sé preferiu lançar um sucinto comunicado antes que o Ministério Público confirmasse que investigava novamente sua relação com o famoso desaparecimento.

Phonte: El País

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