Lembro-me de ir até a loja da esquina para gastar minha mesada em gibis. Dava para você comprar oito por um dinheirinho naquela época. A maioria dos meus amigos também eram colecionadores; mamãe costumava nos encontrar negociando na entrada de casa.
A Marvel foi revolucionária ao introduzir painéis de imagens assimétricas e ângulos cinematográficos estonteantes. O trabalho de ilustradores exclusivos como Jack “King” Kirby e Jim Steranko explodia nas páginas, levando-nos a fantásticos mundos de super-heróis e vilões nefastos.
As estórias da Marvel eram mais sofisticadas e o roteiro era mais ousado do que o que a DC Comics tinha extravagantemente para oferecer na época. Ainda assim, o bem inevitavelmente triunfava sobre o mal e o amor pelo país brilhava. Isso refletia o espírito daquela época. Era, creio eu, um ambiente saudável para um menino crescer.
Recentemente, a ótica convincente do CGI lançou o mundo dos quadrinhos nas grandes telas do cinema, projetando-nos diretamente em suas realidades alternativas. Embora eu goste desse meio, relembro aquelas antigas páginas impressas em meio-tom. Sinto falta do velho espírito lá.
Pois um novo espírito que não admira a América ou a percebe como uma força do bem no mundo permeia muito do entretenimento americano. Os filmes americanos frequentemente defendem aqueles que veem a América meramente como um agente de opressão. O Pantera Negra é um desses embaixadores.
O personagem que é o centro do show é o governante de uma nação africana tecnicamente avançada chamada Wakanda. O Rei T’Challa é transformado no superpoderoso Pantera Negra através de um ritual ocultista e ele usa a tecnologia futurista de seu reino para equipar seu alter-ego.
Apesar de comentar sobre o apoio do Pantera Negra às religiões pagãs, a entidade evangélica Focus On The Family recomenda esse filme por suas mensagens sólidas, “elogiando o serviço aos outros, a importância da unidade global (vindo de um site cristão, um endosso alarmante) e a importância da paternidade.” Muitos outros sites dão resenhas elogiosas, enquanto poucos comentam suas conotações racistas.
E sim, o racismo desse filme pode facilmente passar despercebido, não sendo tão evidente quanto, digamos, uma pregação de Jeremiah Wright ou uma palestra sobre “privilégio branco” na Faculdade Oberlin. Por exemplo, quando a irmã de T’Challa se refere ao agente branco da CIA, Everett Ross, como “colonizador,” seus ouvidos podem levemente sentir o erro. Mas estamos tão acostumados com as narrativas da vitimologia negra que é fácil passar o preconceito racial de Shuri como justificado, ou pelo menos como um mero aparte da história, sem importância.
Mas o racismo no Pantera Negra é realmente periférico? Afinal, a questão que confronta os principais antagonistas é se Wakanda deveria usar seu poder para resgatar os negros do mundo de seus opressores (como entendemos, brancos). Essa narrativa progressista comum, de que os negros americanos são oprimidos pelos brancos, fornece o pano de fundo filosófico para esse filme. Para os personagens negros do filme, essa narrativa é tão verdadeira quanto a gravidade, e o que é essencial para sua autorrealização: guerreiros lutando contra as forças da opressão branca.
Então, eu acho que é ingênuo subestimar o efeito dos memes aparentemente inofensivos que Pantera Negra difunde em todo o auditório. O pessoal bem-intencionado de Focus on the Family não conseguiu notar isso. Aqueles que estão ansiosos que um filme “negro” seja bem-sucedido não comentaram o assunto. Mas aqueles que adotam a narrativa de que a América é um país racista entenderam a mensagem alto e claro.
Por exemplo, em entrevista ao jornal The Guardian, o ator Chadwick Boseman, que interpreta T’Challa no filme, diz sobre o Pantera Negra: “É uma história que não deixa ninguém de fora. Tome Wakanda, esta nação tecnologicamente avançada que nunca foi conquistada ou escravizada.
O filme pergunta: bem, se você nunca foi colonizado, então o que você estava fazendo enquanto isso estava acontecendo com o resto da África? Você tinha de estar vigiando, certo?” Embora ele professe não deixar ninguém “de fora” ao confessar que, talvez os africanos pudessem ter feito algo mais para combater a escravidão de seus vizinhos, ele pula por cima do fato de que foram em maioria esmagadora os próprios africanos que escravizavam outros negros.
Como já escrevi antes, a escravidão era um elemento básico das culturas africanas muito antes da chegada dos europeus e continuou muito tempo depois da abolição no Ocidente. Aliás, a abolição desse comércio foi alvo da luta dos europeus em meio a uma resistência ferrenha das nações africanas que não viam nada de imoral nessa prática. Se nenhum europeu tivesse pisado no continente africano, a história da África ainda seria de escravidão e exploração.
Não pretendo diminuir o efeito que o envolvimento europeu no comércio de escravos teve sobre as nações africanas, mas tampouco deveria ser inflado.
Numa entrevista ao site The View, Lupita Nyong’o, que interpreta o interesse amoroso de T’Challa no filme, diz: “Nós viemos de um continente de grande riqueza, mas um continente que foi abusado e explorado. Então, muitas vezes o que o colonialismo fez foi reescrever a nossa história.”
Aparentemente, intrusos estrangeiros são responsáveis pelo fato de que a África não se tornou o bastião da genialidade tecnológica, do ambientalismo e do igualitarismo de gênero que estava destinada a ser.
“Wakanda é especial porque nunca foi colonizada, então o que podemos ver lá para todos nós é uma re-imaginação do que teria sido possível se a África tivesse sido livre para se realizar sozinha.”
Ironicamente, é Nyong’o que está reescrevendo a história. Uma imagem mais realista de uma Wakanda imaculada pela colonização lançaria o Rei T’Challa como um tirano implacável, enriquecendo-se às custas de sua população escrava e se engajando em guerras intermináveis de engrandecimento pessoal com seus vizinhos.
Longe de ser “o que teria sido possível se a África tivesse sido livre para se realizar,” a Wakanda retratada por Pantera Negra é um produto do pensamento progressista ocidental — apenas uma utopia inspirada no neomarxismo em roupagem africana.
Da mesma forma, Joy Notoma, do site esquerdista Huffington Post, observa com satisfação a referência de Pantera Negra à arte roubada do povo Edo de Benin, na Nigéria. De alguma forma, ela nunca chega a mencionar que os governantes africanos do Benin e as áreas vizinhas venderam cerca de dois milhões para a escravidão — seu próprio povo e os de outras nações — durante a era do comércio de escravos através do Oceano Atlântico.
Ela menciona a heroica luta do Reino de Daomé contra os invasores franceses, mas não que Daomé e seus vizinhos ao longo da costa enviaram um número similar de vítimas durante a época desse “ataque à liberdade negra” (o tráfico de escravos).
O artigo dela, que ordena que os negros percebam seu “elo essencial,” parece irônico sob essa luz. “[Mas] fingir que não estamos conectados é concordar com a essência psicológica da supremacia branca, que é em grande parte a fonte de nossa fragmentação.” Ela quer dizer que a razão pela qual os africanos vêm massacrando e escravizando uns aos outros por milênios é por causa dos brancos? É triste que, para Notoma, a unidade dos negros deva ser alvo de luta através do menosprezo de outra raça.
Pantera Negra avança sua agenda de fortalecimento dos negros pelos mesmos meios — fazendo os outros de bodes expiatórios.
Na verdade, nenhuma raça era inocente na questão da escravização e “pilhagem” da África. Então, por que propagar a narrativa de que os africanos eram alvos inocentes da maldade dos brancos? Por que essa ideia é tão atraente?
Eu acho que existem várias respostas para essa pergunta. Uma é, numa sociedade cada vez mais à esquerda, onde os dogmas marxistas prevalecem e o status de vitimização santifica, muitos buscam nessa narrativa um meio de poder e avanço. Além disso, para as elites progressistas, essa narrativa fornece uma arma para desmantelar a estrutura da sociedade americana e promover as esperanças da “transformação fundamental” que elas tanto anseiam. Nenhuma perspectiva promove soluções para os problemas reais que afetam as comunidades negras.
Em “The Antidote: Healing America From the Poison of Hate, Blame and Victimhood” (O Antídoto: Curando os EUA do Veneno do Ódio, Culpa e Complexo de Vítima), o autor Rev.Jesse Lee Peterson, que trabalha com adolescentes negros americanos em situações de risco, fala de jovens negros órfãos forçados a se defenderem por si mesmos, ao mesmo tempo em que suportam a ira de mães amarguradas abandonadas pelos maridos.
Isso gera filhos feridos e revoltados, e essa raiva é atiçada por oportunistas raciais esquerdistas e pela mídia bajuladora, ideologicamente comprometida, mas historicamente analfabeta. Peterson entende a raiva deles porque ele já esteve no lugar deles.
Sobre a garoto-propaganda da opressão racista, Michael Brown, Peterson escreve: “Numa época em que a ausência do pai é epidêmica em toda a cultura dos Estados Unidos, muitos jovens brancos não entram no mundo mais bem preparados do que Michael. Há, porém, uma diferença entre os adolescentes brancos e garotos como Michael, uma diferença fatal. Michael tinha uma desculpa para suas falhas que eles não tinham. Michael era negro.
Desde que ele era um garotinho, as pessoas ao redor de Michael estavam lhe dizendo que o homem branco oprimia o homem negro. Ele ouviu isso em casa, entre amigos, na televisão, na escola e talvez até na igreja.” Como muitos outros negros, ele transferiu sua raiva de seu lar desajustado e lançou tudo em cima das pessoas brancas. Então foi um jovem perdido e muito revoltado, cheio de drogas, que atacou o caixa branco da loja de conveniência, roubou seus charutos e saiu para enfrentar o policial Darren Wilson (outro agente da opressão) naquela fatídica manhã de agosto de 2014.
Apesar das evidências em vídeo que mostraram Michael atacando o caixa da loja, apesar do conturbado histórico de vida de Michael, apesar do testemunho de testemunhas oculares e todas as provas forenses do tiroteio, a mídia progressista e os oportunistas raciais esquerdistas espalharam a narrativa de que Michael havia levantado as mãos para não atirarem e de que ele era um negro “gigante gentil” abatido a sangue frio enquanto tentava se render a um policial racista branco.
O ministro da Justiça Eric Holder, embora bem ciente dos fatos do caso, atiçou a conflagração racial, declarando: “Há um legado permanente que Emmett Till deixou conosco que ainda temos de enfrentar como nação.”
(Lembre-se: Emmett Till era o jovem negro de 14 anos assassinado em 1955 por supostamente flertar com uma mulher branca. Seus assassinos foram injustamente absolvidos).
Por um lado, Holder transferiu a culpa pela morte de Michael para a instituições estatais “opressivas,” absolvendo aqueles que o criaram e moldaram seu caráter. E, por outro, ele promoveu a narrativa de uma América racista que nunca mudou.
Talvez esse estratagema de colocar a culpa por todos os problemas da comunidade negra em gente de fora e pedir a abolição de tudo o que seja branco seja batizado como a tática de Pantera Negra já que o filme segue o mesmo roteiro, informando que “o homem branco oprimia o homem negro” e que a América precisa ser transformada de acordo com os desígnios da visão progressista utópica (imaginada por Wakanda nesse caso).
Sim, a América precisa ser transformada. No final do filme, T’Challa diz: “Os sábios constroem pontes enquanto os tolos constroem barreiras.” O jornal Guardian perguntou a Boseman se isso poderia ser visto como uma referência ao tipo de barreiras que “mantêm os mexicanos de fora dos EUA.” Esse foi o grande discurso anti-Trump de T’Challa? O ator riu e respondeu: “Eu acho que é.”
Então, Boseman vê Pantera Negra como um ataque contra a ideologia representada pelo presidente Trump, a ideia da bondade e excepcionalidade da América promovida pelos velhos heróis de gibis como o Capitão América, uma realidade física defendida pelo muro entre EUA e México, uma realidade que deve ser derrubada.
Outros progressistas também entendem isso. O ativista Frederick T Joseph criou uma campanha do GoFundMe para ajudar as crianças do Harlem a enxergar “a retórica e o racismo do governo Trump.” Ele diz: “Essa apresentação é realmente fundamental para os jovens, especialmente aqueles que são frequentemente carentes, desprivilegiados e marginalizados nacional e globalmente.”
Do presidente Trump, ele diz: “Seu racismo, sexismo e idiotices são, na verdade, muito americanos.”
Deixando de lado a observação irônica de que a utópica Wakanda que ele elogia é um país com muros, contrário à imigração, racialmente homogêneo e antidemocrático, parecido muito com o que o presidente Trump é acusado de querer construir, as crianças patrocinadas sairão com um novo sentimento de “necessidade de unidade global,” como acredita Focus on the Family, ou será que eles vão se deixar levar por uma filiação tribal à “pátria mãe” (Boseman) e um desprezo militante pela América? Eu acho que está claro em qual direção a esperança de Joseph sopra.
O site esquerdista Variety.com está também participando desse esquema: “Claro, Wakanda não existe, mas os europeus exploraram o continente africano de tal forma que nunca saberemos a extensão do que a África poderia ter ensinado ao mundo. (Não é de se estranhar que os wakandanos se refiram pejorativamente aos brancos como ‘colonizadores,’ um termo insultuoso não irracional que com certeza fará parte do vocabulário nacional americano daqui em diante.)”
Mais uma vez, ver negros por aí chamando brancos de “colonizadores” soa como uma receita de “esperança e reconciliação” (conforme disse Focus on the Family) ou soa como uma tática que tem a intenção de destruir os EUA? Será que Variety ficaria cheia de entusiasmo pelos brancos se eles se referissem aos negros pelo “termo insultuoso não irracional” de “traficante de escravos” ou denunciaria isso pelo que é: racismo?
Previsivelmente, no final, T’Challa decide oferecer educação científica avançada aos negros americanos oprimidos, realizando assim seu resgate de sua miséria imposta pelos brancos. É claro que, insinuar que negros americanos pobres estão sendo privados de educação escolar mascara os verdadeiros problemas que eles enfrentam tão certamente quanto a sede de holofotes de Holder.
A necessidade imediata de os rapazes jogando basquete nas áreas de lazer de Oakland não é uma instrução em ciência; sua real necessidade é de famílias intactas e uma renúncia à narrativa da vitimização negra.
Mas o Pantera Negra não pode renunciar ao seu credo de vitimização negra sem abandonar sua visão de mundo progressista. Por isso, o filme não é capaz de oferecer soluções reais para os problemas negros, assim como o Presidente Obama não conseguiu reduzir a carnificina no sul de Chicago.
Lembre-se do espetáculo de Louis Head pairando acima de uma multidão bêbada gritando “Queime esta puta! Queime esta cadela!” em justa raiva pela morte do enteado (ou ele era apenas o filho de sua namorada, ninguém sabia ao certo) que ele não queria.
A mãe de Michael, Lesley McSpadden, que havia aparecido antes de Head na plataforma, juntou-se a ele para projetar mágoa profunda no que se tornara agora uma multidão desordeira; mágoa pela morte de um menino que na verdade vivia com a avó para fugir do ambiente cheio de más influências de sua casa. Michael vivera em lar destruído após lar destruído e crescera sentindo-se mal-amado e amargo.
Em vez de balançar um punho acusador contra a América “racista” pela trágica morte de Michael Brown, eles deveriam estar se olhando no espelho e considerando sua própria cumplicidade, assim como todos os outros instigadores de incêndio que acreditam que ele levantou as mãos e pediu para não atirar. Como deveria ter feito Eric Holder.
Como deveria ter feito Pantera Negra. Embora não sancione a incendiação de Ferguson, Missouri, desde que forneça um álibi para o racismo negro e o baixo desempenho, a iniciativa de educação científica de T’Challa será inútil. A vitimização perpétua oferecida apenas manterá as crianças negras presas no ciclo de violência e pobreza, bucha de canhão para a guerra progressiva contra os Estados Unidos.
Seria maravilhoso se todos fossem ensinados sobre a história sórdida da colonização e escravidão africana, a fim de eliminar qualquer postura moralista do nosso discurso, preto e branco.
Embora haja valor em apresentar esses tópicos a partir da perspectiva neomarxista de autojustiça das elites negras americanas modernas, é maligno permitir que os descontentes dos Estados Unidos explorem a questão racial sem refutação, como faz Pantera Negra. Qualquer tentativa de reconciliação racial deve ter como base a verdade, não bodes expiatórios racistas.
Sim, sinto falta do velho espírito nas revistas em quadrinhos. É uma pena que a Marvel, que teve uma influência historicamente patriótica e positiva na sociedade americana, esteja agora popularizando essas narrativas tendenciosas que têm a intenção de promover a divisão.
O Capitão América ficaria horrorizado.
Traduzido por Julio Severo do original em inglês do BarbWire: The New Marvel Black Panther Movie: Full of Racist Memes
Phonte: www.juliosevero.com
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