Por Thomas S. Kidd
Por que tão poucos cristãos reformados figuram entre os pacifistas? Uma leitura rápida dos ensinos de Jesus parece encorajar uma interpretação pacifista, ao menos no nível cristão mais individual. Tal como a conhecida declaração: “... não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” (Mt 5.39). Ainda assim, a tradição pacifista tem muito maior influência nos anabatistas, e entre católicos e protestantes liberais, do que sobre os cristãos reformados.
Se a palavra de Deus é a autoridade máxima de fé e prática, é desejável que perguntemos a razão dos protestantes reformados serem inclinados a não serem pacifistas. Mesmo que minhas respostas sobre um assunto tão vasto não vá além das tentativas, eu arrisco duas razões principais: uma admirável e, outra problemática.
Abordagem bíblica
A primeira razão é que os cristãos reformados tradicionalmente são cautelosos em realçar qualquer passagem da Escritura isoladamente, e são inclinados a ler (mesmo de forma imperfeita) a Bíblia como um todo. Cristãos pacifistas são, às vezes, como eles mesmos confessam, leitores do tipo “ênfase em vermelho”, versões bíblicas que dão destaque aos ensinos de Jesus no campo da ética. Por vezes, isso implica, até involuntariamente, que outras passagens da Escritura – como a história das guerras dos israelitas contra os cananeus – não tenham necessariamente a mesma autoridade que os demais ensinos de Jesus.
Ao mesmo tempo que os cristãos reformados jamais aconselhariam negligenciar os ensinos de Jesus, rejeitam que algumas passagens da Escritura possuem certa precedência sobre outras, ou, que tais passagens sejam contraditórias. Portanto, por mais que seja difícil explicar, cristãos reformados já partem da premissa de que o ensino de Cristo sobre não retaliação de alguma forma está conectado aos israelitas passando ao fio da espada homens, mulheres e crianças. Dado que admitimos a perfeita inspiração das Escrituras, bem como a suficiência delas como guia nos caminhos de Deus, tal correta premissa é que de fato deve alicerçar nossa interpretação.
Igualmente, cristãos reformados tendem a ver certa continuidade entre Antigo e Novo Testamento. Mesmo que Israel e a Igreja sejam entidades distintas, eles sustentam que há semelhanças na forma como Deus se relacionava com Israel e a forma como Ele se relaciona com a Igreja. Portanto, se Deus por vezes ordenava que Israel fizesse manobras militares e conquistasse territórios, não é disparate pensar que a Igreja também seja convocada por Deus a atos semelhantes sob cujo governo civil ela eventualmente esteja.
Passado sombrio
É onde repousa o fator mais problemático para a ausência de uma tradição pacifista entre os reformados. Cristãos reformados se mostraram em várias ocasiões muito à vontade com a violência sob chancela estatal. Desde a reforma, muitos protestantes têm visto governos, tronos e exércitos como detentores de um importante papel no avanço do Reino. Se alguém acredita na providência, então a agenda das nações de alguma forma cumpre o plano de Deus para a humanidade. Porém, os cristãos reformados poderiam tomar emprestado um pouco do pessimismo de outros cristãos, como os anabatistas (menonitas e outros), ou de teólogos como Stanley Hauerwas, profundamente cético quanto às ações estatais e suas intenções militares.
Para citar apenas um episódio do atrelamento ao estado, considere a Nova Inglaterra após a Revolução Gloriosa (1688-1689). A deposição do rei católico romano James II do trono britânico provocou décadas de luta imperial entre os católicos romanos europeus e as forças protestantes. As colônias da Nova Inglaterra foram arrastadas para este conflito, sendo diretamente afetadas, especialmente em lutas cruéis com os vizinhos ao norte do Canadá.
Os anglo-americanos nos primeiros sessenta anos do séc. 18 atribuíram uma enorme importância religiosa ao sucesso do exército britânico bem como à proteção do trono inglês, e tudo em nome da causa protestante. Para eles, significava o trono permanente da Casa de Hanover, do rei protestante George (incluindo, inicialmente, o rei George III. Benjamim Colman, o principal pastor em Boston quando do Grande Avivamento, declarou uma vez que para os da Nova Inglaterra “a adesão à dinastia protestante da Casa de Hanover é a nossa fidelidade a Cristo e à sua santa religião”. Endossar o rei “é” nossa fidelidade a Cristo? Se esse tipo de pronunciamento cívico-religioso não lhe faz remexer na cadeira, você não está pensando claramente sobre as nossas prioridades como cristãos.
Claro que muitos calvinistas reprovaram as conseqüências da guerra e da agressão imperial britânica, mas estes ficaram muitas vezes às margens do poder estatal. Os batistas perseguidos na América colonial tardia ou os índios convertidos durante o Grande Avivamento tinham uma visão bem atenuada da causa patriótica quando da Revolução Americana. Eles haviam sofrido nas mãos dos mesmos homens que agora solicitavam que empunhassem armas contra os britânicos. Os principais pastores batistas Isaac Backus e James Manning não demonstraram zelo marcial quando as primeiras batalhas da Revolução Americana ocorreram. Em lugar disso, lamentaram que o conflito contribuísse para sufocar um avivamento recém-iniciado na Nova Inglaterra: “Oh horrenda batalha” lamentaram. “Como é contrária ao espírito de Cristo.”
O renomado pastor batista calvinista, Charles Spurgeon, registrou preocupações semelhantes para com a exploração colonial britânica no século XIX. Mas apesar da sonoridade pacifista de suas citações, Spurgeon parece não ter abraçado completamente a causa anti-imperial. Reagindo a uma rebelião na Índia em 1857, Spurgeon fez alguns comentários que retirados de seu contexto, permitiriam rotulá-lo como um pacifista. “há muito tempo vejo a guerra como um crime gigantesco”, diz ele, “desde muito tempo considero todas as batalhas apenas como assassinato em larga escala”. Ainda assim ele cita Rm 13, observando que a autoridade não traz a espada em vão. “Desta vez”, ele disse, “eu, como homem pacífico, seguidor do Salvador Pacífico, recomendo a guerra”. Ele via, nos rebeldes, assassinos criminosos que deveriam receber a justa punição do Estado.
Ceticismo moderado e apoio consternado
Sou um cristão reformado evangélico, e não sou pacifista. Não vejo nenhuma exigência pacifista consistente na Escritura, especialmente para com governos e mandatários. Mas os cristãos reformados poderiam usar de mais ceticismo a respeito da prudência e valor de uma guerra, e das reivindicações da nação onde vivem.
Devemos orar pela sabedoria dos líderes, e apoiar com certo pesar guerras quando estas atendem os padrões de uma causa justa (devem ser limitadas, contra-ataque, defesa, etc.) Em lugar disso, os cristãos reformados e evangélicos americanos em geral, algumas vezes se comportam mais como zelosos guerrilheiros, por crer que sua nação está perfeitamente levando a adiante os propósitos do Reino de Deus.
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Se a palavra de Deus é a autoridade máxima de fé e prática, é desejável que perguntemos a razão dos protestantes reformados serem inclinados a não serem pacifistas. Mesmo que minhas respostas sobre um assunto tão vasto não vá além das tentativas, eu arrisco duas razões principais: uma admirável e, outra problemática.
Abordagem bíblica
A primeira razão é que os cristãos reformados tradicionalmente são cautelosos em realçar qualquer passagem da Escritura isoladamente, e são inclinados a ler (mesmo de forma imperfeita) a Bíblia como um todo. Cristãos pacifistas são, às vezes, como eles mesmos confessam, leitores do tipo “ênfase em vermelho”, versões bíblicas que dão destaque aos ensinos de Jesus no campo da ética. Por vezes, isso implica, até involuntariamente, que outras passagens da Escritura – como a história das guerras dos israelitas contra os cananeus – não tenham necessariamente a mesma autoridade que os demais ensinos de Jesus.
Ao mesmo tempo que os cristãos reformados jamais aconselhariam negligenciar os ensinos de Jesus, rejeitam que algumas passagens da Escritura possuem certa precedência sobre outras, ou, que tais passagens sejam contraditórias. Portanto, por mais que seja difícil explicar, cristãos reformados já partem da premissa de que o ensino de Cristo sobre não retaliação de alguma forma está conectado aos israelitas passando ao fio da espada homens, mulheres e crianças. Dado que admitimos a perfeita inspiração das Escrituras, bem como a suficiência delas como guia nos caminhos de Deus, tal correta premissa é que de fato deve alicerçar nossa interpretação.
Igualmente, cristãos reformados tendem a ver certa continuidade entre Antigo e Novo Testamento. Mesmo que Israel e a Igreja sejam entidades distintas, eles sustentam que há semelhanças na forma como Deus se relacionava com Israel e a forma como Ele se relaciona com a Igreja. Portanto, se Deus por vezes ordenava que Israel fizesse manobras militares e conquistasse territórios, não é disparate pensar que a Igreja também seja convocada por Deus a atos semelhantes sob cujo governo civil ela eventualmente esteja.
Passado sombrio
É onde repousa o fator mais problemático para a ausência de uma tradição pacifista entre os reformados. Cristãos reformados se mostraram em várias ocasiões muito à vontade com a violência sob chancela estatal. Desde a reforma, muitos protestantes têm visto governos, tronos e exércitos como detentores de um importante papel no avanço do Reino. Se alguém acredita na providência, então a agenda das nações de alguma forma cumpre o plano de Deus para a humanidade. Porém, os cristãos reformados poderiam tomar emprestado um pouco do pessimismo de outros cristãos, como os anabatistas (menonitas e outros), ou de teólogos como Stanley Hauerwas, profundamente cético quanto às ações estatais e suas intenções militares.
Para citar apenas um episódio do atrelamento ao estado, considere a Nova Inglaterra após a Revolução Gloriosa (1688-1689). A deposição do rei católico romano James II do trono britânico provocou décadas de luta imperial entre os católicos romanos europeus e as forças protestantes. As colônias da Nova Inglaterra foram arrastadas para este conflito, sendo diretamente afetadas, especialmente em lutas cruéis com os vizinhos ao norte do Canadá.
Os anglo-americanos nos primeiros sessenta anos do séc. 18 atribuíram uma enorme importância religiosa ao sucesso do exército britânico bem como à proteção do trono inglês, e tudo em nome da causa protestante. Para eles, significava o trono permanente da Casa de Hanover, do rei protestante George (incluindo, inicialmente, o rei George III. Benjamim Colman, o principal pastor em Boston quando do Grande Avivamento, declarou uma vez que para os da Nova Inglaterra “a adesão à dinastia protestante da Casa de Hanover é a nossa fidelidade a Cristo e à sua santa religião”. Endossar o rei “é” nossa fidelidade a Cristo? Se esse tipo de pronunciamento cívico-religioso não lhe faz remexer na cadeira, você não está pensando claramente sobre as nossas prioridades como cristãos.
Claro que muitos calvinistas reprovaram as conseqüências da guerra e da agressão imperial britânica, mas estes ficaram muitas vezes às margens do poder estatal. Os batistas perseguidos na América colonial tardia ou os índios convertidos durante o Grande Avivamento tinham uma visão bem atenuada da causa patriótica quando da Revolução Americana. Eles haviam sofrido nas mãos dos mesmos homens que agora solicitavam que empunhassem armas contra os britânicos. Os principais pastores batistas Isaac Backus e James Manning não demonstraram zelo marcial quando as primeiras batalhas da Revolução Americana ocorreram. Em lugar disso, lamentaram que o conflito contribuísse para sufocar um avivamento recém-iniciado na Nova Inglaterra: “Oh horrenda batalha” lamentaram. “Como é contrária ao espírito de Cristo.”
O renomado pastor batista calvinista, Charles Spurgeon, registrou preocupações semelhantes para com a exploração colonial britânica no século XIX. Mas apesar da sonoridade pacifista de suas citações, Spurgeon parece não ter abraçado completamente a causa anti-imperial. Reagindo a uma rebelião na Índia em 1857, Spurgeon fez alguns comentários que retirados de seu contexto, permitiriam rotulá-lo como um pacifista. “há muito tempo vejo a guerra como um crime gigantesco”, diz ele, “desde muito tempo considero todas as batalhas apenas como assassinato em larga escala”. Ainda assim ele cita Rm 13, observando que a autoridade não traz a espada em vão. “Desta vez”, ele disse, “eu, como homem pacífico, seguidor do Salvador Pacífico, recomendo a guerra”. Ele via, nos rebeldes, assassinos criminosos que deveriam receber a justa punição do Estado.
Ceticismo moderado e apoio consternado
Sou um cristão reformado evangélico, e não sou pacifista. Não vejo nenhuma exigência pacifista consistente na Escritura, especialmente para com governos e mandatários. Mas os cristãos reformados poderiam usar de mais ceticismo a respeito da prudência e valor de uma guerra, e das reivindicações da nação onde vivem.
Devemos orar pela sabedoria dos líderes, e apoiar com certo pesar guerras quando estas atendem os padrões de uma causa justa (devem ser limitadas, contra-ataque, defesa, etc.) Em lugar disso, os cristãos reformados e evangélicos americanos em geral, algumas vezes se comportam mais como zelosos guerrilheiros, por crer que sua nação está perfeitamente levando a adiante os propósitos do Reino de Deus.
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Sobre o autor: Sobre o autor: O articulista Thomas S. Kidd é professor de História na Baylor Universiy e autor de vários livros, entre eles Patrick Henry: First Among Patriots (Basic, 2011) e George Whitefield: America’s Spiritual Founding Father (Yale, 2014).
Tradução: Lucas Paulo de Freitas
Revisão: Ewerton B. Tokashiki
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Revisão: Ewerton B. Tokashiki
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