René Girard é um dos autores que mais admiro no mundo. Ele é um dos raros pensadores cristãos da atualidade cuja fé não é acessória em suas teorias, mas central, atestando o quanto está mergulhado de mente, corpo e alma naquilo em que acredita.
Seu conceito de “mecanismo do bode expiatório” é um verdadeiro tesouro para quem quer que sinta a necessidade de compreender tanta matança, tanto ódio justificado racionalmente, em pleno século XX, o século de duas guerras mundiais.
Segundo Girard, todos nós sabemos da existência do mal e sentimos a urgência de uma solução para ele. Para os cristãos, Jesus trouxe essa solução, ao levar embora nossos pecados sacrificando-se Ele mesmo por nós – fazendo-se "maldito" em nosso lugar, como nos diz o apóstolo Paulo. Foi o sacrifício de um inocente, e nós, que cremos nele, é que nos declaramos culpados (o arrependimento cristão é nada menos que isso).
Segundo Girard, todos nós sabemos da existência do mal e sentimos a urgência de uma solução para ele. Para os cristãos, Jesus trouxe essa solução, ao levar embora nossos pecados sacrificando-se Ele mesmo por nós – fazendo-se "maldito" em nosso lugar, como nos diz o apóstolo Paulo. Foi o sacrifício de um inocente, e nós, que cremos nele, é que nos declaramos culpados (o arrependimento cristão é nada menos que isso).
Porém, para quem não crê, o problema do mal resta irresolvido, e a solução social que todos encontram – todos, sem exceção, segundo Girard, que pesquisou muitas civilizações antigas e o comprovou – é o "mecanismo do bode expiatório": fazer com que alguém encarne o mal e acreditar de verdade que esse alguém é culpado, eliminando-o em seguida.
Tal processo funciona como apaziguador temporário, já que se trata de um falso fator de união entre os demais - em ódio, não em amor. Enquanto a Bíblia enfatiza que o sacrifício de Jesus é eterno, nas sociedades que expiam o mal por si mesmas é necessária a instauração contínua de novos bodes, em uma cadeia de sacrifícios sem fim.
Isso se verifica facilmente nas grandes tragédias do século. O povo judeu foi o bode expiatório da Alemanha de Hitler, e durante todo o regime nazista o ódio aos judeus fez parte, sem contradições aparentes, de um só projeto nacionalista e unificador.
Isso se verifica facilmente nas grandes tragédias do século. O povo judeu foi o bode expiatório da Alemanha de Hitler, e durante todo o regime nazista o ódio aos judeus fez parte, sem contradições aparentes, de um só projeto nacionalista e unificador.
Do mesmo modo, o vago conceito de "classe dominante" tem servido como base para a condenação de levas inteiras de bodes expiatórios nos países comunistas e nas organizações de esquerda em geral, que querem enxergar na extinção de classes um ideal de paz.
No cristianismo, há a compreensão de que não há quem possa particularmente encarnar o mal, pois todos o reconhecem, de forma estrutural, em si mesmos ("todos pecamos, todos carecemos da glória de Deus", afirma o apóstolo); em Jesus, o cristão encontra ainda a resposta única e definitiva para o problema do mal.
Já a sociedade que sustenta seus valores sobre o mecanismo do bode expiatório é sempre uma sociedade polarizada, que fornece subsídios ao infinito para a hostilidade entre seus membros, apresentando em seguida como solução dos conflitos o fim dos que representam o mal – por morte social ou física.
Ao endossar a tal “luta de classes”, quem colabora com isso ajuda a perpetuar um ciclo verdadeiramente diabólico, pois não há sacrifícios que cheguem para a sanha dos que pensam combater o mal dessa maneira.
Parte 2
No marxismo, um exame detalhado sobre a teoria de classes – em que uma explora e a outra é a explorada – bastaria para desbancar toda a doutrina. Não posso fazê-lo aqui, mas sei de alguns de seus furos.
Parte 2
No marxismo, um exame detalhado sobre a teoria de classes – em que uma explora e a outra é a explorada – bastaria para desbancar toda a doutrina. Não posso fazê-lo aqui, mas sei de alguns de seus furos.
O filósofo Olavo de Carvalho chama a atenção para o fato de que, embora Marx tivesse atrelado a identidade individual à classe de origem, afirmando categoricamente que só o proletário poderia fazer a revolução, tal idéia básica de sua doutrina não se aplica a ele mesmo, que apesar de oriundo da burguesia teria "percebido" a opressão de uma classe sobre a outra.
Esse tipo de alienação da realidade, em que o teórico não consegue nem enxergar a discrepância entre suas teorias e o que acontece em sua própria vida, é típica dos filósofos do século XX. Não é à toa que se trata do século pródigo em teorias atéias ou predominantemente anticristãs, filhotes de um processo em curso desde o Iluminismo.
Nessas correntes, a enfática negação do cristianismo acaba funcionando como uma apologia ao mecanismo do bode expiatório – vide os exemplos de Maquiavel, que defendia a condenação à morte de antigos aliados assim que o Príncipe chegasse ao poder (sugestão fielmente seguida por líderes comunistas como Fidel e Lênin), e Nietzsche, que via nos "fracos" o mal da sociedade, em contraposição ao "super-homem".
Todos eles, de uma forma ou de outra, são fabricantes de culpados, ao pregar que a eliminação do mal está não no sacrifício do inocente Jesus, mas na condenação de segmentos inteiros da sociedade, sejam eles representados pelos inimigos do poder, pelos judeus ou pela tal "classe dominante".
É por isso que não há exagero em dizer que, assim como o nazismo, o marxismo levado às últimas conseqüências sempre gera assassinatos em massa, como forma de "purgar o mal" no melhor estilo do mecanismo do bode expiatório. Rússia, Cuba e China não me deixam mentir.
Parte 3
Esse é o mesmo Lênin que as esquerdas moderninhas gostam de citar, um excelente exemplo de uma mente estragada pela belicosidade do bode expiatório:
"Lênin odiava a essência da democracia e encarava seus contornos apenas como um meio de legitimar a violência e a opressão. Em 1917, ano em que tomou o poder, definiu o Estado democrático como 'uma organização para o uso sistemático da violência de uma classe contra a outra, de uma parte da população contra a outra' (O Estado e a revolução, 1917).
Quem para quem? era o seu critério supremo. Quem estava fazendo o que a quem? Quem estava oprimindo quem; explorando ou matando quem? Um homem que pensava assim e que não imaginava que se pudesse pensar de outra forma, como conseguiria vislumbrar um conjunto de medidas políticas que não fosse o despotismo, conduzido por uma autocracia e governado pela violência?"
Fonte: Tempos modernos, Paul Johnson
Fonte: Tempos modernos, Paul Johnson
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