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sexta-feira, 17 de junho de 2016

Cultura é como vitamina C



Por Mario Sabino

Há uma passagem na biografia de Winston Churchill escrita por Lord Roy Jenkins que não me sai da cabeça. Ao visitar um distrito pobre, o ainda jovem Churchill perguntou a um assessor: “Você imagina o que é passar uma vida inteira sem ter uma conversa inteligente?”
Estava falando da falta de oportunidade de desenvolvimento intelectual e estético dos habitantes daquele lugar que lhe parecia especialmente precário.

A passagem não me sai da cabeça porque a inteligência, produto sempre escasso na história, vem-se tornando cada vez mais rara desde que as diversões idiotas tomaram o lugar da cultura e o esquerdismo ocupou os currículos escolares. Vale tanto para pobres como para ricos.

Não há nada de errado em gostar de diversões idiotas. Eu, por exemplo, gosto muito de assistir a Game of Thrones. Já de novelas, eu tenho verdadeira alergia. Acho que elas empipocam o cérebro. Na escala da idiotice, as novelas atingem o grau máximo, juntamente com as obras de Lênin.

Não há nada de original em falar mal de novelas, mas talvez ainda haja alguma originalidade em falar mal de todo o resto que se produz no Brasil na área cultural. De modo geral, a televisão, o cinema, o teatro, a pintura, a escultura, a literatura, a música e a arquitetura brasileiras são de uma ruindade assombrosa.

Você, Mario, que escreveu quatro livros, também faz parte desse panorama desolador? Pode registrar aí: eu faço. Meus quatro livros são uma porcaria. 

Eu posso dizer porque os li. Sou tão ruim quanto Chico Buarque, que desancou o meu primeiro romance, anos depois de eu despedaçar um dos que ele escreveu (não me lembro o título). Se eu voltar à ficção, será apenas para provar mais uma vez que sou mau escritor e propiciar aos meus inimigos outros ataques a mim, mesmo que jamais tenham tido o desprazer de me ler (parafraseando João Cabral de Melo Neto, gosto de cultivar os meus inimigos como quem cultiva um deserto).

A cultura serve principalmente para termos conversas inteligentes. Conversas sobre se o mal pode conter o bem (a série Sopranos e Santo Agostinho), como transformar o particular em universal (Philip Roth e a Torre Eiffel), se o amor é destino ou construção (Woody Allen e Dante Alighieri) e por aí vai.

Conversas inteligentes não têm nada de aborrecidas, inclusive porque não costumam tomar mais do que dois por cento da nossa existência. No resto do tempo, voltamos forçosamente a exercer a nossa futilidade natural, preocupados que somos com os apetites rasteiros.

A cultura tem o papel de nos elevar um pouquinho, por curto espaço de tempo, da nossa própria mesquinhez. É como vitamina C. Você não precisa de muita por dia. Mas o mundo está carente dessa vitamina e, no Brasil, a falta é completa. A nossa produção cultural só contém carboidratos, glúten e lactose.

Sim, Churchill, dá para imaginar o que é passar uma vida inteira sem ter uma conversa inteligente.

Com informações: O Antagonista
 

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