Por Antognoni Misael
“Observa o rebanho que pasta diante dos teus
olhos: ele não sabe o que significa nem o ontem nem o hoje; ele pula, pasta,
repousa, digere, pula novamente, e assim da manhã à noite, dia após dia,
estritamente ligado a seu prazer e à sua dor, ao impulso do instante, não
conhecendo por esta razão nem a melancolia nem a tristeza. Este é um espetáculo
duro para o homem, este mesmo homem que vê o animal no alto de sua humanidade,
mas que inveja por outro lado a felicidade dele – pois este homem só deseja
isto: viver como um animal, sem tristeza e sem sofrimento; mas ele só deseja em
vão, pois não pode desejar isto como faz o animal”.
[BARROS, José
D’assunção. Teoria da História. Editora Vozes, Volume III. Petrópolis – Rio de
Janeiro: 2011] (NIETSZCHE, 2005: 70)
É bem verdade que discutir Nietzsche a Igreja
seja para alguns uma sórdida proposta. Mas, será se todas as ideias do filósofo
realmente se contrapõem ao real que vivemos?
Nietzsche sempre debateu intensamente questões
como sofrimento, culpa, moral, dentre outras. Neste recorte, especificamente,
ele fala de um homem que deseja alcançar o mais pleno sentido de sua existência.
Um homem que não suporta os apuros da vida, a imprevisibilidade da dor. Um homem
que entendeu que a racionalidade tem suas implicações: a imperfeição emocional
(medo, angústia, incerteza, ansiedade…). Mas este mesmo homem que deseja
profundamente o instante, o hoje, o prazer, a riqueza, a felicidade material, em
contrapartida, é o mesmo homem que se atreveu a barganhar com Deus. Tentou
decretar seu futuro, disse não aceitar o “mal” para si, atribuindo toda sorte de
imprevistos ao diabo e “colocando” Deus na parede por toda perca e estrago
causado a si.
O rebanho que Nietzsche contempla não sabe de
onde veio nem para onde vai. Ele apenas existe, mas não entende nada sobre o
existir. No entanto, olhando para este rebanho lembro-me, por instantes, do
rebanho evangélico (salve-se o rebanho de Deus). Ele até parece com o que
Nietzsche observa, aliás, ele quer, no fundo, ser o rebanho nietzschiano, pois
assim como o dele, esse rebanho quer “pular, pastar, repousar, digerir, pular
novamente, e assim da manhã até a noite, dia após dia, estritamente ligado a seu
prazer e à sua dor, ao impulso do instante, não QUER conhecer por esta razão nem
a melancolia nem a tristeza”. Ele quer viver no eterno prazer. Quer sucesso
financeiro. Quer nostalgia. Quer o êxtase. Quer fazer sua vida um hedônico “Let
It Be”. Ou não é isso que andam idealizando e oferecendo por aí?
Este rebanho odeia pensar. Prefere pular.
Cantar. Usar. Usufruir. Ah! Esse rebanho odeia a razão e o culto racional. Ele
Ama seus próprios instintos. Esse rebanho se satisfaz com a sua selva, suas
presas, e a sua própria natureza.
E você? Faz parte dele?
***
Antognoni Misael é editor do Arte de Chocar, co-editor do Púlpito Cristão. Professor, músico e policial militar.
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